São Paulo, domingo, 22 de julho de 2001

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A BATALHA DE GÊNOVA
Idéia original de "conversa íntima de líderes" é passado

Burocracia e mídia dominam encontros

QUENTIN PEEL e ALAN BEATTIE
DO "FINANCIAL TIMES"

As conferências dos líderes mundiais se tornaram complicadas e burocráticas. O sangue, a confusão e o tumulto nas ruas de Gênova anteontem estavam muito distantes da visão de Valery Giscard d'Estaing, antigo presidente da França, quando ele sonhou com a idéia de convidar alguns poucos líderes mundiais para uma conversa ao pé da lareira.
"Temos problemas comuns de inflação e desemprego", disse ele em 1975, mas "o espírito de cooperação está desaparecendo e jamais conversamos seriamente, entre os grandes líderes capitalistas, para descobrir o que fazer".
Daqueles dias em diante, as conferências de cúpula do Grupo dos 5, depois Grupo dos 7 e agora Grupo dos 8 (G-8) sempre se viram divididas entre as metas conflitantes de preservar a privacidade, o conforto e atrair o máximo de atração da mídia. Tanto os participantes quanto os observadores começam a questionar o valor de uma instituição informal que cresceu inexoravelmente em termos de tamanho e complexidade, criando uma burocracia própria e deixando a inspiração para trás.
Estima-se que a conferência de cúpula de Gênova esteja custando ao governo italiano cerca de US$ 110 milhões, US$ 19 milhões dos quais destinados à segurança e organização e outros US$ 90 milhões para reformas na cidade e em seus antigos edifícios.
No entanto, graças às medidas severas de segurança adotadas, o lugar está meio deserto, exceto pelos participantes da conferência de cúpula e manifestantes.
Os seres humanos comuns optaram por ficar em casa.
Às vezes, os líderes geram ímpeto considerável para resolver conflitos imediatos ou criar uma coordenação mais estreita. Ocasionalmente, ajudam no processo de compreensão mútua. Mais frequentemente, os encontros resultaram simplesmente na confirmação de longas declarações de compromisso preparadas pelos "sherpas", os guias políticos, importantes funcionários civis em cada gabinete presidencial ou de primeiro-ministro que passam meses preparando cada uma das conferência.
O que Giscard d'Estaing disse que queria no final de 1975, em um plano que contava com o apoio de seu bom amigo, o primeiro-ministro alemão Helmut Schmidt, era "uma conversa entre algumas poucas pessoas, quase no nível privado". Foi essa a inspiração da primeira conferência, no castelo francês Rambouillet. Os líderes do então Grupo dos 5 -Reino Unido, França, Alemanha, Japão e Estados Unidos- convidaram a Itália para participar do grupo e se preocupar com a crise mundial do petróleo.
Produziram uma declaração com uma série de boas intenções de futura cooperação econômica. As boas intenções seguem, mas, quanto à maioria dos demais aspectos, o aconchegante grupo se transformou completamente.
A segurança é a questão primordial, e os líderes mundiais recuaram para trás de barreiras de aço e concreto, tentando manter suas privacidade e dignidade.
Os seis líderes originais logo se tornaram sete, com a adesão do Canadá em 1976. Uma década mais tarde, Jacques Delors, presidente da Comissão Européia, conquistou um assento à mesa e, em 1991, o líder soviético Mikhail Gorbatchov também foi integrado ao grupo.
Sir Nicholas Bayne, antigo diplomata britânico e um dos "sherpas" nas conferências de cúpula, hoje o principal historiador dos encontros, identifica quatro fases de desenvolvimento. Na primeira, as conferências se concentravam quase que inteiramente em questões econômicas e monetárias e enfatizavam a necessidade de cooperação entre as grandes economias capitalistas. Nos anos do governo Ronald Reagan, elas se tornaram menos ambiciosas em termos de cooperação econômica e passaram a prestar mais atenção a questões políticas.
Com o final da Guerra Fria, elas se voltaram às questões de encorajamento às novas democracias e economias nos países ex-comunistas. E, depois de 1994, elas se concentraram cada vez mais no avanço da "globalização" e na busca de novos tópicos nos quais pudessem ganhar relevância.
Enquanto isso, o conceito da conversa ao pé do fogo desapareceu completamente. A conversa íntima de anteontem sobre a economia mundial durou apenas 90 minutos. Ela passou a ser substituída, cada vez mais, por exibições cuidadosamente coreografadas de unidade e uma preparação "temática" das reuniões, o que gera cinismo nos observadores. O fundo para a saúde mundial anunciado em Gênova anteontem já foi criticado e, em alguns casos, condenado como inútil pelos especialistas.


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