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OPINIÃO ECONÔMICA
Economia no fio da navalha
MARCELO TRINDADE MITERHOF
"Se queres transformar um
papagaio em um culto economista, ensine a ele a lei da oferta e da demanda". Ouvi esse ditado de um professor na faculdade.
O objetivo era contestar a noção
de que a inflação é um fenômeno
puramente monetário, provocado por uma política monetária
frouxa ou por uma farra fiscal.
Em uma visão alternativa, a inflação teria causas mais gerais, seria fruto da existência de conflitos
distributivos persistentes.
É certo que, dada a importância
da moeda em economias com extrema divisão do trabalho, no limite é possível a quem a emite
controlar sua oferta de forma que
as mudanças nos preços relativos
não sejam acompanhadas por
uma elevação no nível geral de
preços. O risco seria tornar a demanda por moeda tão alta em relação à oferta que ocorreriam crises deflacionárias e depressivas.
Isso mostra que ter economistas
"comprometidos com a estabilidade" não é suficiente para que a
política econômica seja adequada. É preciso também ter políticos
responsáveis e sensíveis. Com base nessa premissa e na lei da oferta e da demanda, tentarei analisar o problema da dívida pública
interna.
A estabilização monetária foi
há oito anos obtida com base em
uma abertura comercial ampla e
câmbio sobrevalorizado. À demanda que crescia por conta da
eliminação da inflação inercial
foi disponibilizada uma oferta
virtualmente infinita de importados. Mas a aplicação da lei da
oferta e da demanda exigia que o
país obtivesse dólares para fazer
frente ao aumento de suas importações. Esses dólares não vieram
do aumento das exportações, mas
sim da entrada de capitais atraídos pelos juros altos, o que fez a
dívida interna crescer.
Com seu perfil de curto prazo e
títulos pós-fixados ou indexados
ao dólar, essa dívida interna é um
enorme potencial de demanda recolhida, mas pronta para, em
uma crise de confiança, entrar em
circulação, provocando um calote
e/ou inflação.
Qual a saída? Deve-se alongar o
prazo da dívida e aumentar a
proporção de títulos prefixados.
Essa dívida é administrável, mas,
para ter margem de manobra, é
preciso que ela não continue mais
a crescer em relação ao PIB. Assim, para um superávit fiscal primário (recursos economizados
para pagar juros) nulo, a taxa de
juros anual não poderia ser
maior que o crescimento do PIB.
Porém, para uma dívida de 50%
do PIB (hoje esse percentual é de
56%), cada ponto percentual de
superávit primário permite que
os juros reais sejam dois pontos
percentuais superiores ao crescimento real. Não é difícil entender
por que há banqueiro brasileiro
sugerindo que o país obtenha superávits primários de 7% do PIB.
Mas vimos que o que faltou ao
Brasil não foram reais no cofre do
governo, e sim dólares para financiar sua nova inserção na
economia mundial. Por maior
que seja o superávit primário, o
país continua vulnerável a crises
no balanço de pagamentos. Ademais, o superávit primário sacrifica a população através da restrição da oferta de bens e serviços
públicos, o que, além de recessivo,
é injusto em um país de tantas demandas sociais.
É preciso que o Brasil promova
uma nova abertura comercial, a
abertura para as exportações. Isso
exige políticas públicas onerosas e
juros mais baixos. Porém, os resultados não seriam imediatos, o
que é perigoso em um país que
precisa anualmente de mais de
US$ 50 bilhões para financiar seu
balanço de pagamentos e que já
enfrenta problemas de confiança.
É possível, nesse contexto, que
ocorram mais depreciação cambial e uma monetização parcial
da dívida interna, o que traria
pressões inflacionárias.
Talvez a história fosse diferente
se a política econômica tivesse sido mudada em 95 ou 96. Como
não foi o caso, é preciso fazer uma
opção política clara de manter,
sim, um superávit primário e o
compromisso com o cumprimento dos contratos para não piorar
as crises externa e interna. Mas,
para alavancar as exportações e
voltar a crescer, teremos que provavelmente conviver com uma inflação anual superior a um dígito
por algum tempo, até que os conflitos distributivos oriundos do setor externo sejam resolvidos.
O raio de manobra da política
econômica é estreito. Mas ao menos um novo consenso político está se formando, afinal até a equipe econômica acredita agora que
é preciso política industrial e de
exportações. Resta saber qual a
calibragem ideal e factível entre
superávit primário, inflação aceitável e políticas de redução da
vulnerabilidade externa. Ademais, quem teria melhores condições de conduzir a economia pelo
fio da navalha a partir de 2003?
Em geral, acredita-se que o candidato do governo enfrentaria
menores dificuldades, já que inspiraria maior confiança aos investidores internacionais.
O inusitado, porém, foi John
Willianson, um dos expoentes do
Consenso de Washington, ter recentemente declarado que, se a
oposição vencer e mostrar claramente que não implementará
uma política de ruptura, o Brasil
conseguiria reduzir o prêmio de
risco associado à alternância do
poder, o que por si só permitiria
uma redução significativa nos juros. A decisão está com o povo
brasileiro.
Marcelo Trindade Miterhof, 28, é economista, graduado e mestre pela Unicamp.
Foi editorialista da Folha.
E-mail - marcelomiterhof@
uol.com.br.
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