São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 2002

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ERA FHC

Tarifas públicas e preços administrados, os vilões da inflação, sofreram reajustes para turbinar programa de privatizações

Inflação "do governo" dispara no Plano Real

PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO

Alvo recente de críticas de presidenciáveis tanto do governo como da oposição, os aumentos das tarifas públicas e dos preços administrados lideraram a inflação nos oito anos do Plano Real e foram os que tiveram o maior impacto no IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado no período, de 117,66%.
No ranking dos produtos que mais subiram, o gás de cozinha foi o campeão: disparou 472,16% de julho de 1994 a junho de 2002, segundo levantamento inédito feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) a pedido da Folha. O peso do gás em relação ao salário mínimo mais do que dobrou no período do Real.
Todos os maiores reajustes desde a estabilidade da moeda, sem exceção, foram de tarifas ou preços controlados. Depois do gás, aparecem as altas do aluguel (382%), telefone fixo (381,07%), energia elétrica (227,26%) e ônibus urbano (250,22%). A gasolina, um dos itens de maior peso na inflação oficial, subiu 211,23%.
Para Eulina Nunes dos Santos, economista do IBGE, as tarifas e preços controlados ficaram, antes do Real, muito comprimidos. Tiveram reajustes tímidos durante os planos econômicos anteriores, diz ela, cujo objetivo era conter o impacto na inflação.
"Havia controle do governo nos preços das tarifas. Os aumentos até o Real ficavam muito abaixo da média da inflação, justamente para impedir que ela subisse mais", concorda o economista Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio. "Esse instrumento, de conter reajustes, foi usado por todos: (José) Sarney, (Fernando) Collor e Itamar (Franco), diz o economista da LCA, Luís Suzigan.

Privatização
Tanto Suzigan como Cunha destacam outro motivo para o aumento explosivo dos preços administrados: as privatizações. Para atrair investidores e facilitar a venda das então estatais, dizem, as tarifas foram ajustadas para cima, principalmente nos setores de energia elétrica e telefonia.
Para comprovar a tese, economistas verificaram os aumentos nos anos anteriores à desestatização. Em 1995, quando começou a venda das estatais de energia, houve um reajuste de 65,12% na tarifa -a maior do Real. No anos seguintes, as correções foram substancialmente menores. A mais expressiva ocorreu em 1999: 19,89%.
Na telefonia, não foi diferente: houve uma correção no valor dos serviços de 69,19% e 89,64% nos dois anos anteriores (1996 e 1997, respectivamente) à privatização.
"No começo do Real, essa lógica, de não pressionar ainda mais a inflação com aumentos de tarifas, foi mantida. Mas com o advento da privatização houve um realinhamento tarifário para deixar as empresas (ex-estatais) mais atrativas (à venda), afirma o economista da LCA.
"A tarifas eram um instrumento do governo para segurar a inflação. Com a privatização, isso deixou de existir. Era preciso dar um retorno ao capital investido [pelos compradores"", afirma Hamilton Kay, do Ipea (Instituto de Política Econômica Aplicada), órgão do governo federal.
Kay tem ainda mais uma justificativa para a disparada dos preços administrados. Diz que a maior parte dos setores (telefonia, energia, aluguéis e outros) foram indexados pelos IGPs (Índice Geral de Preços).
Esses índices, afirma, sobem sempre acima do IPCA, pois incorporam também os preços no atacado (ao produtor), que sofrem uma maior influência do câmbio. Isso porque muitos insumos são importados e essa pressão do dólar, de certa forma, não chega ao consumidor por causa da renda em queda e pela falta de demanda.
"Os preços administrados são os únicos que permaneceram indexados na economia", diz Wilson Ramião, economista do banco Lloyds TSB.

Preços livres
Ao contrário das tarifas, os preços de mercado -não sujeitos a controle- subiram abaixo do IPCA (177,66%) durante o Plano Real. O vestuário teve alta de 47,3%, e, os alimentos, de 73,34%. Os preços dos eletrodomésticos cresceram 68,11%. Os dos cigarros, 69,04%.
No caso dos preços livres, cujos reajustes foram os menores do Real, as explicações dadas pelos economistas ouvidos pela Folha incluem a ampliação da competição na economia brasileira, desde a abertura às importações, e a retração da renda do trabalhador. Isso impede o aumento do consumo e, consequentemente, da inflação.
Além desses fatores, os especialistas apontam a maior taxa de desemprego e o juro alto como pontos inibidores. As altas taxas de juros praticadas no varejo, por exemplo, reduzem a demanda principalmente por bens duráveis. E isso ajuda no controle da inflação.


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