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OPINIÃO ECONÔMICA
UE-Mercosul, uma negociação desequilibrada
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Fez bem o Mercosul de suspender as negociações com a
União Européia. Na reunião de
Bruxelas, os europeus conseguiram o que ninguém acreditava ser
possível: piorar a sua proposta de
abertura dos mercados agrícolas.
Mesmo antes desse recuo, as
ofertas da União Européia para
bens agrícolas e agroindustriais
deixavam muito a desejar. As cotas oferecidas eram modestas e diziam respeito a apenas alguns produtos. Vários produtos importantes para o Brasil parecem ter ficado inteiramente fora da proposta
européia.
Como os entendimentos Mercosul-União Européia vêm transcorrendo com pouca transparência e
os documentos da negociação não
são de conhecimento público, é
impossível chegar a uma avaliação segura dos ganhos e das perdas envolvidos. Porém algumas
coisas ficaram claras.
O que está se configurando não é
uma área de livre comércio. No
que diz respeito ao comércio de
mercadorias, um eventual acordo
seria flagrantemente desequilibrado. Haveria, por um lado, uma liberalização bastante restrita para
a agricultura. Por outro lado, a
abertura seria ampla para produtos industriais. Só para bens industriais é que faria sentido falar
em livre comércio.
Um acordo desse tipo dificilmente poderá interessar ao Brasil.
O nosso ganho potencial com a
abertura dos mercados industriais
europeus é pequeno. As tarifas de
importação aplicadas pela União
Européia nessa área já são baixas,
em razão dos níveis consolidados
na OMC e das preferências concedidas no âmbito do Sistema Geral
de Preferências.
Já as empresas industriais européias se beneficiariam consideravelmente do rebaixamento das tarifas mais elevadas aplicadas pelo
Mercosul. Diversos segmentos industriais brasileiros teriam provavelmente grande dificuldade de
enfrentar a livre competição com
as grandes corporações européias.
Os problemas não terminam aí.
Assim como a Alca, a negociação
com a União Européia vai muito
além do comércio de bens. Envolve, também, várias outras áreas de
importância estratégica. Por
exemplo: serviços, investimentos,
compras governamentais e propriedade intelectual, como comentei em artigo publicado nesta coluna no mês passado ("Réquiem para o acordo Mercosul-União Européia?", 17 de junho de 2004). Ainda que a União Européia seja menos ambiciosa do que os EUA, as
suas demandas para essas áreas,
se aceitas pelo Mercosul, representariam restrições provavelmente
graves à formulação de projetos
nacionais ou regionais de desenvolvimento.
Pelo que se sabe, os nossos negociadores vinham apresentando,
nos últimos meses, concessões sucessivas em serviços, investimentos
e, mais recentemente, compras governamentais. A sua esperança
era induzir os europeus a melhorar a sua oferta agrícola. Nesta semana, ironicamente, aconteceu o
contrário.
Esse esforço do Mercosul era difícil de compreender. Não se pode,
obviamente, dissociar as negociações com os europeus das demais
negociações em que estamos envolvidos, notadamente as da OMC
e da Alca. Desde o início de 2003, o
governo brasileiro vem liderando
complicada manobra diplomática
com o intuito de equilibrar a
agenda da Alca. Um dos principais objetivos desse esforço é depurar essa agenda de temas com os
quais o Brasil tem dificuldades,
entre eles justamente serviços, investimentos e compras governamentais. Por esse e outros motivos,
a Alca emperrou.
Mas não vamos nos iludir. Os
EUA não abandonaram a Alca. É
provável que Washington retome
a iniciativa depois das eleições
presidenciais, seja com Bush, seja
com Kerry. As concessões que o
Mercosul fizer à União Européia
constituirão o patamar mínimo
para as demandas dos EUA.
As negociações com os europeus
tendem, portanto, a contaminar a
posição do Mercosul em outras negociações, notadamente a da Alca.
O efeito poderá ser desastroso se
viermos a ceder em temas como
bens industriais, serviços, investimentos e licitações públicas, em
troca de migalhas na área agrícola.
Vale a pena notar o seguinte: o
intrigante silêncio de Washington
e da nossa numerosa quinta-coluna sobre a Alca nos meses recentes.
Uma explicação possível: estão todos aguardando que a União Européia abra caminho para que, no
momento oportuno, os EUA retomem a sua agenda comercial para
as Américas.
Segundo Nelson Rodrigues, tudo
que é dito uma única vez permanece rigorosamente inédito. Permita-me, leitor, concluir o artigo
de hoje com as mesmas palavras
que usei na conclusão artigo do
dia 17 de junho.
A negociação com a União Européia, assim como a da Alca, é
uma grande perda de tempo. Não
se percebe bem o que nos move a
continuar com essas tratativas. Os
benefícios são duvidosos. Há riscos
consideráveis para a indústria do
país e a autonomia da política
econômica.
Melhor faria o Brasil se concentrasse os seus esforços naqueles
campos que parecem mais promissores (ou menos problemáticos): as negociações multilaterais
na OMC e os acordos comerciais
com outros países em desenvolvimento.
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
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pnbjr@attglobal.net
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