São Paulo, segunda-feira, 22 de outubro de 2007

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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

Remessa de lucros


Ao transformarmos nosso mercado interno no campo de multinacionais, as remessas de lucros são cada vez maiores

A NOTÍCIA de que as remessas de lucros pelas empresas multinacionais estão batendo todos os recordes faz-me lembrar de tempos idos, quando o Brasil se desenvolvia aceleradamente e essas remessas eram um dos temas centrais da agenda nacional. Aos poucos, porém, esse tema foi se transformando em sinônimo de "nacionalismo atrasado", ao mesmo tempo em que o mercado interno brasileiro se transformava em um "campo livre" à disposição dos grandes países.
Para justificar o fato, a ortodoxia hegemônica passou a afirmar que "o crescimento econômico não é outra coisa senão uma grande competição dos países em desenvolvimento pela obtenção de investimentos diretos". E oferecia as duas razões para isso: "O Brasil não tem mais recursos para financiar seu desenvolvimento nem a tecnologia necessária, logo precisa recorrer à poupança externa".
Logo, já que nos ofereciam capital e conhecimento, continuava o argumento, não havia objeção para que o Brasil oferecesse aos países ricos seu mais precioso ativo -o mercado interno-, que, nas negociações comerciais, é o grande objeto dos debates. Para demonstrar seu ponto, mostravam-me tabelas que apontavam os países ricos como os principais receptores de capitais estrangeiros. "Se eles recebem investimentos diretos, por que você tem restrições a ele?", perguntavam. Esqueciam-se, porém, de que os países ricos eram também os que faziam mais investimentos, de forma que, ao contrário do Brasil, não estavam oferecendo de graça seu mercado.
Não vejo nenhuma objeção a investimentos diretos quando a balança entre os recebidos e os realizados é equilibrada. Não é esse, porém, o caso de países em desenvolvimento como o Brasil.
Por outro lado, hoje sabemos que os países em desenvolvimento não crescem com poupança externa, mas com sua própria poupança.
Que déficits em conta corrente financiados por investimentos diretos apenas promovem a substituição da poupança interna pela externa, em vez de aumentar a taxa de investimentos do país. E que a tecnologia que as empresas multinacionais trazem é pouca, racionada e altamente protegida. Podemos comprá-la ou copiá-la a preço muito mais baixo.
A história econômica mostra que os países que mais crescem usam sempre sua própria poupança. Só em momentos muito especiais a poupança externa é interessante. O crescimento econômico do Brasil até 1980 e o extraordinário crescimento dos países asiáticos desde os anos 1960 não deixam dúvida a respeito. Suas enormes reservas são resultado de superávits em conta corrente, ou seja, de despoupança externa.
Ao transformarmos nosso mercado interno no campo livre das empresas multinacionais, as remessas de lucros são cada vez maiores: foram de 1,1% do PIB no ano passado e neste ano deverão chegar a 1,4%.
Quando, nos anos 1990, a poupança externa (ou seja, o déficit em conta corrente) chegou a 4,5% do PIB, o Brasil não aumentou sua taxa de crescimento. Logo, o crescimento atual, um pouco melhor, não é conseqüência dos investimentos diretos que, então, financiavam aquele déficit. Hoje eles nem sequer financiam déficits em conta corrente, já que temos superávit, mas, dada a pressão que exercem sobre a taxa de câmbio, obrigam o governo a realizar mais compras de dólares -ou seja, a trocar crédito externo mal remunerado por dívida interna muito cara.


LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de "As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br

lcbresser@uol.com.br

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