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LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA
Remessa de lucros
Ao transformarmos nosso mercado interno no campo de multinacionais, as remessas de lucros são cada vez maiores
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A NOTÍCIA de que as remessas
de lucros pelas empresas
multinacionais estão batendo todos os recordes faz-me lembrar de tempos idos, quando o Brasil
se desenvolvia aceleradamente e essas remessas eram um dos temas
centrais da agenda nacional. Aos
poucos, porém, esse tema foi se
transformando em sinônimo de
"nacionalismo atrasado", ao mesmo
tempo em que o mercado interno
brasileiro se transformava em um
"campo livre" à disposição dos grandes países.
Para justificar o fato, a ortodoxia
hegemônica passou a afirmar que "o
crescimento econômico não é outra
coisa senão uma grande competição
dos países em desenvolvimento pela obtenção de investimentos diretos". E oferecia as duas razões para
isso: "O Brasil não tem mais recursos para financiar seu desenvolvimento nem a tecnologia necessária,
logo precisa recorrer à poupança externa".
Logo, já que nos ofereciam capital
e conhecimento, continuava o argumento, não havia objeção para que o
Brasil oferecesse aos países ricos
seu mais precioso ativo -o mercado
interno-, que, nas negociações comerciais, é o grande objeto dos debates. Para demonstrar seu ponto,
mostravam-me tabelas que apontavam os países ricos como os principais receptores de capitais estrangeiros. "Se eles recebem investimentos diretos, por que você tem
restrições a ele?", perguntavam. Esqueciam-se, porém, de que os países
ricos eram também os que faziam
mais investimentos, de forma que,
ao contrário do Brasil, não estavam
oferecendo de graça seu mercado.
Não vejo nenhuma objeção a investimentos diretos quando a balança
entre os recebidos e os realizados é
equilibrada. Não é esse, porém, o caso de países em desenvolvimento
como o Brasil.
Por outro lado, hoje sabemos que
os países em desenvolvimento não
crescem com poupança externa,
mas com sua própria poupança.
Que déficits em conta corrente financiados por investimentos diretos apenas promovem a substituição da poupança interna pela externa, em vez de aumentar a taxa de investimentos do país. E que a tecnologia que as empresas multinacionais trazem é pouca, racionada e altamente protegida. Podemos comprá-la ou copiá-la a preço muito
mais baixo.
A história econômica mostra que
os países que mais crescem usam
sempre sua própria poupança. Só
em momentos muito especiais a
poupança externa é interessante. O
crescimento econômico do Brasil
até 1980 e o extraordinário crescimento dos países asiáticos desde os
anos 1960 não deixam dúvida a respeito. Suas enormes reservas são resultado de superávits em conta corrente, ou seja, de despoupança externa.
Ao transformarmos nosso mercado interno no campo livre das empresas multinacionais, as remessas
de lucros são cada vez maiores: foram de 1,1% do PIB no ano passado e
neste ano deverão chegar a 1,4%.
Quando, nos anos 1990, a poupança
externa (ou seja, o déficit em conta
corrente) chegou a 4,5% do PIB, o
Brasil não aumentou sua taxa de
crescimento. Logo, o crescimento
atual, um pouco melhor, não é conseqüência dos investimentos diretos que, então, financiavam aquele
déficit. Hoje eles nem sequer financiam déficits em conta corrente, já
que temos superávit, mas, dada a
pressão que exercem sobre a taxa de
câmbio, obrigam o governo a realizar mais compras de dólares -ou seja, a trocar crédito externo mal remunerado por dívida interna muito
cara.
LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA , 73, professor emérito
da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda, da
Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia, é autor de
"As Revoluções Utópicas dos Anos 60".
Internet: www.bresserpereira.org.br
lcbresser@uol.com.br
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