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REUNIÃO DE MIAMI
Proposta brasileira aos sócios no bloco deve ser apresentada em fevereiro, durante encontro no México
Governo quer definir logo oferta para Alca
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MIAMI
O governo brasileiro tem pressa,
agora, em definir o que vai oferecer a seus 33 parceiros da Alca
(Área de Livre Comércio das
Américas) em todos os nove setores de negociação já na reunião
técnica marcada para fevereiro,
em Puebla (México).
Mário Mugnaini Jr., secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior, diz que o governo
deve aproveitar os meses de dezembro e janeiro, "apesar das festas", para discutir com empresários e a sociedade civil o que pode
ou não ser oferecido, em termos
de liberalização comercial.
A oferta, de todo modo, se limitará ao capítulo de acesso a mercado, o jargão comercial para definir a redução das tarifas de importação. Ou, posto de outra forma, a intenção do governo brasileiro continua sendo a de buscar
uma Alca generosa em matéria de
acesso a mercados, mas muito limitada na questão de regras.
Veta, por exemplo, como já deixou claro o chanceler Celso Amorim, que a Alca inclua a possibilidade de um investidor externo
acionar o Estado alegando prejuízos causados por uma determinada legislação.
Essa possibilidade consta do capítulo 11 do Nafta (o acordo de livre comércio entre EUA, Canadá
e México). Com base nele, a empresa norte-americana Ethyl Corporation conseguiu que o governo canadense fosse forçado a pagar US$ 13 milhões em indenização e a rever a proibição de uso de
um aditivo à gasolina que não só
danifica os mecanismos antipoluição dos automóveis como é
suspeito de ser uma neurotoxina.
De todo modo, mesmo a aguada declaração final da Conferência Ministerial de Miami, encerrada antes da hora, na noite de
quinta-feira, obriga todos os 34
países da Alca a definir um "conjunto comum e equilibrado de direitos e obrigações que sejam aplicáveis a todos os países".
Diz também que tal conjunto
incluirá dispositivos referentes a
todas as nove áreas em negociação, a saber: acesso a mercado;
agricultura; serviços; investimento; compras do setor público; propriedade intelectual; política de
concorrência; subsídios, antidumping e direitos compensatórios; e solução de controvérsias.
É esse elenco de temas que
Mugnaini quer que o governo discuta imediatamente com a sociedade brasileira.
Mas a prioridade é claramente
na área de acesso a mercados, tanto para agricultura, como para
bens não agrícolas. Em áreas como investimento, compras do setor público e propriedade intelectual, já está claro que o governo só
aceitará regras mínimas. Exemplo: transparência nas concorrências públicas, mas não acesso de
estrangeiros às licitações, por
exemplo, para a merenda escolar.
O governo tem dificuldades
também em abrir muito a área de
serviços. Mugnaini defende, em
consonância com o Itamaraty, as
chamadas "listas positivas".
Ou seja, a oferta inclui os setores
que o país se dispõe a abrir para o
capital estrangeiro. Se fosse o inverso ("lista negativa"), permaneceriam fechados os setores listados, mas, quando surgir um setor
novo, depois da oferta, estará
aberto automaticamente. Daí a
preferência pela "lista positiva".
Não será fácil, de todo modo, a
discussão com o setor privado industrial sobre as áreas a abrir e as
áreas a proteger.
Primeiro, será preciso acertar
que setores terão tarifas reduzidas
a zero já quando a Alca entrar em
vigor (em tese, no dia 1º de janeiro
de 2006), quais podem se beneficiar de prazos maiores (cinco ou
dez anos) e quais entrarão na lista
de "sensíveis", protegidos indefinidamente.
Desde já, Mugnaini antecipa
que bens de capital e eletroeletrônicos estão entre os que devem
em tese ser protegidos, seja por
médio prazo ou indefinidamente.
Sensibilidade
Como os EUA já deixaram claro
que não vão discutir na Alca o seu
protecionismo agrícola, haverá a
forte tentação, do lado brasileiro,
de proteger mais setores e de ser
ainda mais econômico na oferta
de regras liberalizantes em campos extra-acesso a mercados.
Mas a delegação brasileira anotou com satisfação que, na noite
de anteontem, durante a entrevista coletiva que marcou o encerramento do encontro ministerial,
Robert Zoellick, responsável pelo
comércio externo dos EUA, admitiu: "Cada um de nós tem suas
sensibilidades".
Se esse reconhecimento, de resto óbvio, persistir, também os Estados Unidos terão que equilibrar
seu apetite pelo mercado brasileiro com sua "sensibilidade" na
área agrícola.
Zoellick, no mesmo ato, voltou
a enfatizar que os EUA não podem ceder em agricultura na Alca
sob pena de não ter como pressionar europeus e japoneses para
abrirem também seus mercados
agrícolas.
"Sensibilidades" somadas, fica
claro que o fato de Miami não ter
naufragado não significa que a Alca esteja definitivamente salva.
"Estamos entrando em um estágio prático, que não permite descanso", afirmou Zoellick.
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