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São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2003

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REUNIÃO DE MIAMI

Proposta brasileira aos sócios no bloco deve ser apresentada em fevereiro, durante encontro no México

Governo quer definir logo oferta para Alca

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MIAMI

O governo brasileiro tem pressa, agora, em definir o que vai oferecer a seus 33 parceiros da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) em todos os nove setores de negociação já na reunião técnica marcada para fevereiro, em Puebla (México).
Mário Mugnaini Jr., secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior, diz que o governo deve aproveitar os meses de dezembro e janeiro, "apesar das festas", para discutir com empresários e a sociedade civil o que pode ou não ser oferecido, em termos de liberalização comercial.
A oferta, de todo modo, se limitará ao capítulo de acesso a mercado, o jargão comercial para definir a redução das tarifas de importação. Ou, posto de outra forma, a intenção do governo brasileiro continua sendo a de buscar uma Alca generosa em matéria de acesso a mercados, mas muito limitada na questão de regras.
Veta, por exemplo, como já deixou claro o chanceler Celso Amorim, que a Alca inclua a possibilidade de um investidor externo acionar o Estado alegando prejuízos causados por uma determinada legislação.
Essa possibilidade consta do capítulo 11 do Nafta (o acordo de livre comércio entre EUA, Canadá e México). Com base nele, a empresa norte-americana Ethyl Corporation conseguiu que o governo canadense fosse forçado a pagar US$ 13 milhões em indenização e a rever a proibição de uso de um aditivo à gasolina que não só danifica os mecanismos antipoluição dos automóveis como é suspeito de ser uma neurotoxina.
De todo modo, mesmo a aguada declaração final da Conferência Ministerial de Miami, encerrada antes da hora, na noite de quinta-feira, obriga todos os 34 países da Alca a definir um "conjunto comum e equilibrado de direitos e obrigações que sejam aplicáveis a todos os países".
Diz também que tal conjunto incluirá dispositivos referentes a todas as nove áreas em negociação, a saber: acesso a mercado; agricultura; serviços; investimento; compras do setor público; propriedade intelectual; política de concorrência; subsídios, antidumping e direitos compensatórios; e solução de controvérsias.
É esse elenco de temas que Mugnaini quer que o governo discuta imediatamente com a sociedade brasileira.
Mas a prioridade é claramente na área de acesso a mercados, tanto para agricultura, como para bens não agrícolas. Em áreas como investimento, compras do setor público e propriedade intelectual, já está claro que o governo só aceitará regras mínimas. Exemplo: transparência nas concorrências públicas, mas não acesso de estrangeiros às licitações, por exemplo, para a merenda escolar.
O governo tem dificuldades também em abrir muito a área de serviços. Mugnaini defende, em consonância com o Itamaraty, as chamadas "listas positivas".
Ou seja, a oferta inclui os setores que o país se dispõe a abrir para o capital estrangeiro. Se fosse o inverso ("lista negativa"), permaneceriam fechados os setores listados, mas, quando surgir um setor novo, depois da oferta, estará aberto automaticamente. Daí a preferência pela "lista positiva".
Não será fácil, de todo modo, a discussão com o setor privado industrial sobre as áreas a abrir e as áreas a proteger.
Primeiro, será preciso acertar que setores terão tarifas reduzidas a zero já quando a Alca entrar em vigor (em tese, no dia 1º de janeiro de 2006), quais podem se beneficiar de prazos maiores (cinco ou dez anos) e quais entrarão na lista de "sensíveis", protegidos indefinidamente.
Desde já, Mugnaini antecipa que bens de capital e eletroeletrônicos estão entre os que devem em tese ser protegidos, seja por médio prazo ou indefinidamente.

Sensibilidade
Como os EUA já deixaram claro que não vão discutir na Alca o seu protecionismo agrícola, haverá a forte tentação, do lado brasileiro, de proteger mais setores e de ser ainda mais econômico na oferta de regras liberalizantes em campos extra-acesso a mercados.
Mas a delegação brasileira anotou com satisfação que, na noite de anteontem, durante a entrevista coletiva que marcou o encerramento do encontro ministerial, Robert Zoellick, responsável pelo comércio externo dos EUA, admitiu: "Cada um de nós tem suas sensibilidades".
Se esse reconhecimento, de resto óbvio, persistir, também os Estados Unidos terão que equilibrar seu apetite pelo mercado brasileiro com sua "sensibilidade" na área agrícola.
Zoellick, no mesmo ato, voltou a enfatizar que os EUA não podem ceder em agricultura na Alca sob pena de não ter como pressionar europeus e japoneses para abrirem também seus mercados agrícolas.
"Sensibilidades" somadas, fica claro que o fato de Miami não ter naufragado não significa que a Alca esteja definitivamente salva. "Estamos entrando em um estágio prático, que não permite descanso", afirmou Zoellick.


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