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São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2003

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No fim, todos saem cantando vitória

DO ENVIADO ESPECIAL A MIAMI

Neil King, especialista em negociações comerciais do jornal norte-americano "The Wall Street Journal", vozeirão de locutor de futebol, fez jornalistas e autoridades rirem muito quando perguntou se não havia uma certa "mistificação" da parte das autoridades, ao tentarem vender a idéia de que a reunião de Miami havia sido um convescote de grandes amigos.
Foi durante a entrevista coletiva que marcou o enceramento da reunião ministerial.
De fato, tanto Celso Amorim, o chanceler brasileiro, como Robert Zoellick, o responsável pelo comércio exterior norte-americano, referiram-se à boa "química" entre eles, quando todos na sala de entrevistas do Hotel Intercontinental sabiam que os dois passaram os dois últimos meses trocando caneladas pela mídia.
"Teria sido o jantar de ontem?", ironizou King.
Zoellick não perdeu o bom humor e aproveitou para fazer um carinho nos organizadores da campanha para que Miami seja a sede permanente da Alca, presentes à entrevista coletiva: "Miami é um ponto de encontro".
Risos e "químicas" à parte, o fato é que, primeiro, a reunião não foi tão cordial quanto dá a entender o seu final antecipado, com um documento consensual.

Tiroteio adiado
Segundo, nem o ponto de encontro que Miami basta para explicar como se chegou ao entendimento entre Brasil e EUA, depois do tiroteio ocorrido desde o fracasso da reunião da OMC (Organização Mundial do Comércio, em Cancún, no México.
Uma melhor explicação está no fato de que os EUA deram uma "enorme guinada", diz Lori Wallach, diretora do Observatório de Comércio Global da poderosa ONG "Public Citizen". Refere-se ao fato de que os EUA aceitaram o que se está chamando de "Alca light", conforme queria o Brasil.
Mas aceitaram apenas para salvar a conferência de Miami de um fracasso como o de Cancún. "Como a conferência simplesmente adiou todos os problemas impossíveis de solucionar, está longe de ser certo que haverá até uma Alca light", completa Wallach. Detalhe: ela aposta em que a reação dos movimentos sociais à Alca acabará por matar a área de livre comércio de uma vez.
Os adversários de Lori Wallach no empresariado concordam com a primeira parte de sua avaliação (a Alca light "era a única estrada possível", diz Frank Vargo, da NAM, a associação da manufatureiras americanas). Mas discordam frontalmente da sentença de morte proferida por Wallach:
"A decisão de hoje (quinta-feira) nos dá a chance de ainda alcançar um acordo de alta qualidade", completa Vargo.

Nova realidade
Por que mudou a posição norte-americana? Porque, entre outras razões, o mundo mudou desde 1994, quando foi lançada a idéia de uma Alca ambiciosa. "As coisas mudaram. A situação econômica tem sido difícil", diz a ministra chilena do Exterior, Soledad Alvear, partidária da ambição no livre comércio hemisférico.
Situação econômica difícil é sinônimo de má vontade em abrir mercados.
Em todo caso, em nome da "química" ou do "ponto de encontro" que Miami é, os ministros do Canadá e do México, que resistiram até a penúltima hora ao acordo Brasil-EUA sobre a Alca desidratada, concordaram em se dizer satisfeitos, na entrevista coletiva de encerramento.
O secretário (ministro) mexicano de Economia, Fernando Canales, rendeu-se em nome "da coexistência organizada", mas volta à luta no ano que vem, para "dar conteúdo material e uma estrutura objetiva à Alca".
O ministro canadense do Comércio, Pierre Pettigrew, admitiu que seu país, México, Costa Rica e Chile queriam mais do que a visão de Alca contida no documento proposto por Brasil e EUA. Afirmou que que, agora, trata-se de "trabalhar passo a passo", para uma visão mais abrangente do bloco comercial.
O próximo passo é a reunião técnica de Puebla, que não tem, ao contrário de Miami, a fama, merecida ou não, de ser "ponto de encontro". A nova rodada de negociações deverá ocorrer em fevereiro do ano que vem. (CR)


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