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VISÃO DE FORA
Incentivos ao investimento estrangeiro direto
PIERRE SALAMA
Os investimentos estrangeiros
diretos tiveram um impulso notável nestes últimos anos no
Brasil, já que passaram de US$ 2
bilhões em 1994 para pouco
mais de US$ 17 bilhões em 1997.
A princípio, tais investimentos
constituem contribuição relevante para o país. Refletindo
com mais vagar, eles apresentam inúmeros perigos.
Antes de proferir um juízo,
convém avaliar em detalhes
prós e contras dessa entrada de
capitais. É a partir de tal avaliação que será possível definir as
linhas básicas de uma política
econômica preocupada em
orientar esses investimentos.
Quanto aos aspectos positivos,
pode-se dizer que os investimentos diretos possuem, em geral, a
vantagem de ser menos voláteis
do que os investimentos em porta-fólio, uma vez que sua saída
acarretaria um custo irrecuperável para o investidor. Além de
participar da modernização do
aparelho de produção e organização do trabalho, eles impulsionam as exportações e, portanto, aumentam a entrada de
divisas, à medida que as empresas multinacionais exportam
mais do que as empresas nacionais de tamanho comparável
(sua participação nas exportações de produtos industriais
atinge quase a metade das exportações totais do Brasil, embora seu peso na produção nacional, entre as 500 maiores empresas do país, gire em torno de
37%).
Seus efeitos também podem
ser salutares para as empresas
nacionais, valorizando a acumulação em novos segmentos.
Em vez de substituírem os investimentos nacionais, eles se
acrescentam, em parte, a esses
últimos. Do ponto de vista macroeconômico, eles constituem
uma fonte de financiamento do
déficit em conta corrente (cerca
de 4% do PIB em 1997) e uma
possibilidade de reduzir o saliente déficit orçamentário, por
ocasião das privatizações.
Os aspectos negativos são menos conhecidos. Os investimentos diretos estrangeiros são comparativamente três vezes mais
importantes na indústria brasileira, em termos de vendas, do
que nos EUA; no entanto, o grau
de modernização do aparelho
produtivo brasileiro é bastante
problemático.
Isso significa que a entrada de
capitais estrangeiros não reflete
necessariamente uma modernização da indústria, o que pode
alongar a vida dos equipamentos e produtos que se tornaram
obsoletos nas economias desenvolvidas, como foi o caso da indústria automobilística nos
anos 70. Mesmo que hoje esse
perigo não pareça iminente, em
razão da abertura das fronteiras e da pressão da competitividade, é inevitável reconhecer
que os investimentos estrangeiros encaminham-se cada vez
mais para o setor de serviços, em
sentido amplo (incluindo comunicações, eletricidade etc.), e cada vez menos para a indústria.
As cifras são reveladoras: 55%
dos investimentos dirigiam-se
para o setor manufatureiro em
1995, 22,7% em 1996 e 13,3% em
1997, ao passo que, nesses mesmos anos, 43,4%, depois 75% e,
afinal, 83% rumaram para o setor de serviços, e o restante, bastante minguado, foi para o setor
primário.
A relação entre entrada crescente de capitais e impulso
acentuado das exportações fica
cada vez mais fraca, pois são sobretudo os setores manufatureiro e primário que exportam.
Paralelamente, a implantação
de empresas multinacionais
suscita novas importações. Em
1995, as exportações das múltis
estavam próximas de US$ 22 bilhões, enquanto as importações
superavam os US$ 19,3 bilhões.
Como nesse meio tempo o investimento direto passou de US$
4,3 bilhões para cerca de US$ 17
bilhões, dirigindo-se cada vez
mais para setores não voltados à
exportação, pode-se considerar
que o estoque de investimentos
estrangeiros enseja uma evolução mais rápida das importações que das exportações; a diferença entre ambas tende a cair
ou mesmo a se inverter.
Por último, mas não menos
importante, o surto de investimentos estrangeiros provoca
um sensível crescimento de royalties, juros e remessas de dividendos. Mais uma vez, as cifras
dos anos 1996-97 são reveladoras: de US$ 3,8 bilhões para US$
6,5 bilhões, ou seja, uma progressão de quase 70%. A essas
cifras caberia acrescentar as
despesas suplementares com o
transporte de produtos importados e exportados e com os seus
seguros.
Vemos que, no cômputo final,
os aportes são menos positivos
do que uma análise superficial
indicaria. É provável que o saldo, do ponto de vista do balanço
de pagamentos, seja pequeno ou
mesmo negativo a partir deste
ano. E, num futuro próximo, o
déficit ocasionado pela presença
desses investimentos poderá ter
consequências ainda mais graves.
Dessa análise podemos deduzir, pelo menos, uma constante e
uma conclusão básica: as empresas multinacionais exportam pouco na comparação com
suas vendas totais. Excetuando
a indústria de mineração, na
qual as exportações representam 60% das vendas, a de material de transportes (37%) e a de
papel e celulose (29%), a parte
das exportações nas vendas alcançou, em média, pouco menos
de 10% em 1996. O investimento
direto do estrangeiro permanece
orientado principalmente para
a satisfação do mercado interno.
A política industrial deveria
traçar como objetivo, portanto,
incentivar os investidores estrangeiros a aumentar sensivelmente suas exportações, de modo a recompor e elevar o saldo
positivo de sua balança comercial. Do contrário, o "livre jogo
do mercado" fará crescer rapidamente os déficits com a entrada desses capitais, que, embora
pouco voláteis, representam um
grande perigo a curto prazo.
Tradução de
José Marcos Macedo
Quem é
PIERRE SALAMA
economista francês, especialista em América Latina, é professor da Universidade de
Paris-13 e integrante do Grupo de Pesquisa sobre Estado, Internacionalização de
Técnicas e Desenvolvimento.
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