São Paulo, domingo, 22 de novembro de 1998

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VISÃO DE FORA
Incentivos ao investimento estrangeiro direto

PIERRE SALAMA

Os investimentos estrangeiros diretos tiveram um impulso notável nestes últimos anos no Brasil, já que passaram de US$ 2 bilhões em 1994 para pouco mais de US$ 17 bilhões em 1997. A princípio, tais investimentos constituem contribuição relevante para o país. Refletindo com mais vagar, eles apresentam inúmeros perigos.
Antes de proferir um juízo, convém avaliar em detalhes prós e contras dessa entrada de capitais. É a partir de tal avaliação que será possível definir as linhas básicas de uma política econômica preocupada em orientar esses investimentos.
Quanto aos aspectos positivos, pode-se dizer que os investimentos diretos possuem, em geral, a vantagem de ser menos voláteis do que os investimentos em porta-fólio, uma vez que sua saída acarretaria um custo irrecuperável para o investidor. Além de participar da modernização do aparelho de produção e organização do trabalho, eles impulsionam as exportações e, portanto, aumentam a entrada de divisas, à medida que as empresas multinacionais exportam mais do que as empresas nacionais de tamanho comparável (sua participação nas exportações de produtos industriais atinge quase a metade das exportações totais do Brasil, embora seu peso na produção nacional, entre as 500 maiores empresas do país, gire em torno de 37%).
Seus efeitos também podem ser salutares para as empresas nacionais, valorizando a acumulação em novos segmentos. Em vez de substituírem os investimentos nacionais, eles se acrescentam, em parte, a esses últimos. Do ponto de vista macroeconômico, eles constituem uma fonte de financiamento do déficit em conta corrente (cerca de 4% do PIB em 1997) e uma possibilidade de reduzir o saliente déficit orçamentário, por ocasião das privatizações.
Os aspectos negativos são menos conhecidos. Os investimentos diretos estrangeiros são comparativamente três vezes mais importantes na indústria brasileira, em termos de vendas, do que nos EUA; no entanto, o grau de modernização do aparelho produtivo brasileiro é bastante problemático.
Isso significa que a entrada de capitais estrangeiros não reflete necessariamente uma modernização da indústria, o que pode alongar a vida dos equipamentos e produtos que se tornaram obsoletos nas economias desenvolvidas, como foi o caso da indústria automobilística nos anos 70. Mesmo que hoje esse perigo não pareça iminente, em razão da abertura das fronteiras e da pressão da competitividade, é inevitável reconhecer que os investimentos estrangeiros encaminham-se cada vez mais para o setor de serviços, em sentido amplo (incluindo comunicações, eletricidade etc.), e cada vez menos para a indústria.
As cifras são reveladoras: 55% dos investimentos dirigiam-se para o setor manufatureiro em 1995, 22,7% em 1996 e 13,3% em 1997, ao passo que, nesses mesmos anos, 43,4%, depois 75% e, afinal, 83% rumaram para o setor de serviços, e o restante, bastante minguado, foi para o setor primário.
A relação entre entrada crescente de capitais e impulso acentuado das exportações fica cada vez mais fraca, pois são sobretudo os setores manufatureiro e primário que exportam.
Paralelamente, a implantação de empresas multinacionais suscita novas importações. Em 1995, as exportações das múltis estavam próximas de US$ 22 bilhões, enquanto as importações superavam os US$ 19,3 bilhões. Como nesse meio tempo o investimento direto passou de US$ 4,3 bilhões para cerca de US$ 17 bilhões, dirigindo-se cada vez mais para setores não voltados à exportação, pode-se considerar que o estoque de investimentos estrangeiros enseja uma evolução mais rápida das importações que das exportações; a diferença entre ambas tende a cair ou mesmo a se inverter.
Por último, mas não menos importante, o surto de investimentos estrangeiros provoca um sensível crescimento de royalties, juros e remessas de dividendos. Mais uma vez, as cifras dos anos 1996-97 são reveladoras: de US$ 3,8 bilhões para US$ 6,5 bilhões, ou seja, uma progressão de quase 70%. A essas cifras caberia acrescentar as despesas suplementares com o transporte de produtos importados e exportados e com os seus seguros.
Vemos que, no cômputo final, os aportes são menos positivos do que uma análise superficial indicaria. É provável que o saldo, do ponto de vista do balanço de pagamentos, seja pequeno ou mesmo negativo a partir deste ano. E, num futuro próximo, o déficit ocasionado pela presença desses investimentos poderá ter consequências ainda mais graves.
Dessa análise podemos deduzir, pelo menos, uma constante e uma conclusão básica: as empresas multinacionais exportam pouco na comparação com suas vendas totais. Excetuando a indústria de mineração, na qual as exportações representam 60% das vendas, a de material de transportes (37%) e a de papel e celulose (29%), a parte das exportações nas vendas alcançou, em média, pouco menos de 10% em 1996. O investimento direto do estrangeiro permanece orientado principalmente para a satisfação do mercado interno.
A política industrial deveria traçar como objetivo, portanto, incentivar os investidores estrangeiros a aumentar sensivelmente suas exportações, de modo a recompor e elevar o saldo positivo de sua balança comercial. Do contrário, o "livre jogo do mercado" fará crescer rapidamente os déficits com a entrada desses capitais, que, embora pouco voláteis, representam um grande perigo a curto prazo.


Tradução de José Marcos Macedo

Quem é
PIERRE SALAMA
economista francês, especialista em América Latina, é professor da Universidade de Paris-13 e integrante do Grupo de Pesquisa sobre Estado, Internacionalização de Técnicas e Desenvolvimento.



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