São Paulo, domingo, 22 de novembro de 1998

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
OCDE mantém ceticismo sobre futuro global

GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas

O alívio financeiro da semana passada, com mais uma redução de juros decidida pelo banco central dos EUA, contrasta com o ceticismo ainda forte sobre o "lado real" da economia global. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem sido uma das vozes dissonantes, alertando para os riscos ainda presentes.
Na semana passada a OCDE divulgou seu relatório econômico, alertando para os riscos de uma nova onda protecionista. Na semana anterior, quando as celebrações em torno dos pacotes japoneses começavam a ganhar força, junto com uma incipiente euforia sobre o destino do Sudeste Asiático, a organização publicou sua resenha bienal da economia do Japão, com análises e revelações bastante inquietantes.
Mesmo a redução dos juros decidida por Alan Greenspan, o presidente do banco central dos EUA (Fed), foi recebida com ceticismo em alguns círculos. Ao anunciá-la, o Fed sublinhou que levava em conta sobretudo a fragilidade financeira nos EUA.
A edição desta semana da "Economist", por exemplo, sugere que Greenspan deve saber de alguma coisa horrível sobre o sistema financeiro norte-americano que o resto dos mortais não sabe.
Nesse contexto, o comportamento dos mercados estaria passando da "exuberância irracional" (expressão usada há cerca de dois anos por Greenspan) para a mais despudorada insanidade.
É preciso lembrar que a "Economist" sempre torceu por uma crise financeira espetacular, tendo gasto rios de tinta prevendo uma inevitável hecatombe em Wall Street e em Tóquio. Supostamente, talvez a Inglaterra e a União Européia sobrevivessem.
De todo modo, a revista abraça um liberalismo extremo, em que toda tentativa dos governos no sentido de evitar o pior equivale apenas a uma camuflagem temporária de problemas estruturais. No máximo, adiam a solução de mercado que, por isso mesmo, acabaria saindo ainda mais cara.
A OCDE parece mais objetiva, mas não tem sido mais otimista. Seu relatório alinhava pelo menos três afirmações que destoam da visão hoje mais comum.
Primeiro, há um alerta contra o protecionismo. Se algumas tendências recentes ganharem força, o alívio financeiro trazido pelas taxas de juros menores pode não ser suficiente para relançar a economia global, pois o protecionismo diminuiria o potencial de crescimento internacional.
Outro alerta diz respeito aos esforços japoneses, em especial no saneamento do sistema bancário. A conjunção de instabilidade cambial e interdependência entre bancos japoneses e economias abaladas do Sudeste Asiático pode ser explosiva.
Finalmente, algo raro no atual debate sobre a crise global: a OCDE inclui o gasto público entre as medidas necessárias para de fato reanimar a economia mundial.
Com exceção de alguns líderes social-democratas, em especial europeus, é a primeira vez que a política fiscal é explicitamente aceita como instrumento contra a crise. A OCDE reconhece que, no longo prazo, o equilíbrio entre receitas e despesas do governo continua fundamental. Mas, para sair da crise, os objetivos podem ser perseguidos de modo mais pragmático.
O relatório da mesma OCDE sobre a economia japonesa é rico em detalhes assustadores. O Japão tem sido incluído entre os países com dívida pública líquida mais baixa (ou seja, colocando na contabilidade da dívida os ativos). Entretanto, um exame mais cuidadoso da contabilidade japonesa revela uma tal promiscuidade entre governo e agências financeiras subsidiadas, a podridão de muitos desses ativos é tamanha que a própria OCDE duvida dos dados oficiais. Refeitos os cálculos, a dívida líquida oficial japonesa passa de 25% do PIB, ou seja, o governo gira "papagaios" da ordem de US$ 1 trilhão, lado a lado com um rombo no sistema bancário privado estimado em mais US$ 1 trilhão, pelo menos.
Todo alívio financeiro é bem-vindo, as reduções nos juros facilitam a superação da crise e a Ásia continua sendo um celeiro de oportunidades de investimento. Mas entre o alívio e a euforia há uma enorme distância que, hoje, somente os insanos arriscam-se a cruzar.



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