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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS
OCDE mantém ceticismo sobre futuro global
GILSON SCHWARTZ
da Equipe de Articulistas
O alívio financeiro da semana
passada, com mais uma redução
de juros decidida pelo banco central dos EUA, contrasta com o ceticismo ainda forte sobre o "lado
real" da economia global. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) tem sido uma das vozes dissonantes, alertando para os riscos
ainda presentes.
Na semana passada a OCDE divulgou seu relatório econômico,
alertando para os riscos de uma
nova onda protecionista. Na semana anterior, quando as celebrações
em torno dos pacotes japoneses
começavam a ganhar força, junto
com uma incipiente euforia sobre
o destino do Sudeste Asiático, a organização publicou sua resenha
bienal da economia do Japão, com
análises e revelações bastante inquietantes.
Mesmo a redução dos juros decidida por Alan Greenspan, o presidente do banco central dos EUA
(Fed), foi recebida com ceticismo
em alguns círculos. Ao anunciá-la,
o Fed sublinhou que levava em
conta sobretudo a fragilidade financeira nos EUA.
A edição desta semana da "Economist", por exemplo, sugere que
Greenspan deve saber de alguma
coisa horrível sobre o sistema financeiro norte-americano que o
resto dos mortais não sabe.
Nesse contexto, o comportamento dos mercados estaria passando da "exuberância irracional"
(expressão usada há cerca de dois
anos por Greenspan) para a mais
despudorada insanidade.
É preciso lembrar que a "Economist" sempre torceu por uma crise
financeira espetacular, tendo gasto
rios de tinta prevendo uma inevitável hecatombe em Wall Street e
em Tóquio. Supostamente, talvez a
Inglaterra e a União Européia sobrevivessem.
De todo modo, a revista abraça
um liberalismo extremo, em que
toda tentativa dos governos no
sentido de evitar o pior equivale
apenas a uma camuflagem temporária de problemas estruturais. No
máximo, adiam a solução de mercado que, por isso mesmo, acabaria saindo ainda mais cara.
A OCDE parece mais objetiva,
mas não tem sido mais otimista.
Seu relatório alinhava pelo menos
três afirmações que destoam da visão hoje mais comum.
Primeiro, há um alerta contra o
protecionismo. Se algumas tendências recentes ganharem força,
o alívio financeiro trazido pelas taxas de juros menores pode não ser
suficiente para relançar a economia global, pois o protecionismo
diminuiria o potencial de crescimento internacional.
Outro alerta diz respeito aos esforços japoneses, em especial no
saneamento do sistema bancário.
A conjunção de instabilidade cambial e interdependência entre bancos japoneses e economias abaladas do Sudeste Asiático pode ser
explosiva.
Finalmente, algo raro no atual
debate sobre a crise global: a OCDE inclui o gasto público entre as
medidas necessárias para de fato
reanimar a economia mundial.
Com exceção de alguns líderes
social-democratas, em especial europeus, é a primeira vez que a política fiscal é explicitamente aceita
como instrumento contra a crise.
A OCDE reconhece que, no longo
prazo, o equilíbrio entre receitas e
despesas do governo continua fundamental. Mas, para sair da crise,
os objetivos podem ser perseguidos de modo mais pragmático.
O relatório da mesma OCDE sobre a economia japonesa é rico em
detalhes assustadores. O Japão tem
sido incluído entre os países com
dívida pública líquida mais baixa
(ou seja, colocando na contabilidade da dívida os ativos). Entretanto,
um exame mais cuidadoso da contabilidade japonesa revela uma tal
promiscuidade entre governo e
agências financeiras subsidiadas, a
podridão de muitos desses ativos é
tamanha que a própria OCDE duvida dos dados oficiais. Refeitos os
cálculos, a dívida líquida oficial japonesa passa de 25% do PIB, ou seja, o governo gira "papagaios" da
ordem de US$ 1 trilhão, lado a lado
com um rombo no sistema bancário privado estimado em mais US$
1 trilhão, pelo menos.
Todo alívio financeiro é bem-vindo, as reduções nos juros facilitam a superação da crise e a Ásia
continua sendo um celeiro de
oportunidades de investimento.
Mas entre o alívio e a euforia há
uma enorme distância que, hoje,
somente os insanos arriscam-se a
cruzar.
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