São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

MIT procura o elo entre técnica e desenvolvimento

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Projetos voltados para usos sociais e politicamente legítimos ganham espaço em escala global desde o momento em que estourou a bolha especulativa nos setores de alta tecnologia. A cena é dominada por temas como inclusão social, emancipação e, principalmente, desenvolvimento.
O MIT (Massachusetts Institute of Technology), um dos mais venerados templos da ciência e da tecnologia, volta-se cada vez mais para a busca do elo perdido entre tecnologia e desenvolvimento econômico e social.
A questão tornou-se há três semanas o ponto de partida para uma agenda de pesquisa e debates que vai desembocar no Brasil. Reunida na Índia, uma rede de designers, engenheiros, economistas, sociólogos e antropólogos ligada ao Media Lab, do MIT, concluiu que o futuro da tecnologia depende cada vez mais da existência de projetos de desenvolvimento.
A rede já é integrada por escritórios do Media Lab na União Européia (Irlanda) e Ásia (Índia). Está em pauta a criação de um Media Lab na América Latina, provavelmente no Brasil (mais informações sobre o projeto em www.thinkcycle.org).
O maior desafio está na redefinição da tecnologia a partir de desafios escolhidos de modo legítimo pela própria sociedade. Na Índia, por exemplo, um dos maiores projetos de aplicação das tecnologias de informação é a informatização de todos os registros de propriedade de terras do país. A grande dificuldade está na definição do que seja um desafio "legítimo". Isso exige uma sofisticação política que a maioria das organizações está longe de alcançar.
Falou-se muito, nos últimos anos, de "organizações que aprendem". Na prática, a tese foi traduzida na criação de universidades corporativas, programas em larga escala de educação a distância para funcionários e numa febre de MBAs (literalmente, programas para formas "mestres em administração de negócios"). A dimensão política escapa totalmente a essa definição utilitarista de aprendizado.
Para chegar a essa dimensão política, cada organização deve tornar-se mais porosa e aberta à crítica e à negociação de seus projetos. Tanto nos EUA quanto na Índia essa abertura depende da interação entre iniciativa privada, governo, academia e ONGs. No limite, a partir de cada projeto local ou regional desenham-se micropolíticas de desenvolvimento. Outro sucesso indiano (e com destaque em Bangladesh) é a multiplicação de programas de microcrédito.
No Brasil, ainda estamos na pré-história desse processo. Agências com boas intenções não faltam (do BNDES ao Sebrae, passando por agências regionais de desenvolvimento e algumas instituições financeiras estaduais que sobreviveram ao ciclo de privatizações). Mas falta articulação entre elas e, principalmente, um projeto capaz de politizar as suas estratégias, aliando novas formas de financiamento.
Há poucos dias, aliás, a imprensa noticiou um acordo entre o presidente FHC e Lula para fazer a sucessão no Sebrae (instituição marcada por disputas políticas duvidosas e muitas críticas ao seu modo de atuação). Seria bastante oportuno, passada a fase de negociação de cargos entre, que houvesse algum debate sobre a legitimidade dessas mega-agências sustentadas por dinheiro público.
Ao menos é o que se faz nos principais centros tecnológicos do mundo. Entre a técnica e o desenvolvimento, as organizações "que aprendem" precisam antes de tudo praticar mais democracia.


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