São Paulo, domingo, 22 de dezembro de 2002

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LUÍS NASSIF

O poeta que morreu de amor

Cada cidade é um mundo, com sua história, personagens e peculiaridades. E cada mundo desses tem seu caso de amor, um momento qualquer na sua história que se fixa e passa a ser transportado pelos tempos, carregado na lembrança de sucessivas gerações.
Poços de Caldas teve seu poeta dândi, homem de belos versos e de belas damas e que morreu de amor em 9 de setembro de 1941. Mas só agora, através do historiador Hugo Pontes, parte de sua obra vem à tona.
Léo fazia parte dos "almofadinhas", grupo de dândis que encantava as jovens banhistas solteiras e casadas que iam ao balneário durante as temporadas. Faziam parte do grupo o Ulpiano Mine, goleiro da Caldense, gerente do Grande Hotel, Archanjo Mourão, João Andrade de Andrade, os irmãos José e Mário Cavalcanti, Salim Jorge Daud e Otorino Danza. Vestiam-se de modo impecável, com camisas especiais costuradas pela mãe de Salim, eram fãs de Eça de Queiroz, que recitavam nos jardins da cidade.
Léo foi o primeiro dono da farmácia Rosário, que começou com ele, poeta e cronista, depois passou para seu sobrinho Jurandir Ferreira, notável contista, de onde derivou para dois outros farmacêuticos-escritores, o Cyrillo e meu pai Oscar.
O grupo dos almofadinhas reunia-se de dia no restaurante Castelões e à noite na boate Ao Ponto, onde brilhava o pianista Ary Barroso. Algumas crônicas de Léo Ferrer, recolhidas por Pontes, são pequenas jóias, como "Prosa Amarela", de 1928, que relata o seu encontro com Miss Melancolia e Miss Felicidade.
Ferrer tentou o romance, começou mas não prosseguiu. Preferia encantar as mocinhas com as crônicas diárias para a rádio e para os semanários da cidade.
No fundo, era um solitário, como todo romântico. Apesar de dezenas de paixões despertadas, mantinha-se solteiro.
Em 1937 apaixonou-se por Clarice, jovem de Passos, vizinha a Poços, filha de um juiz de direito que viera passar uma temporada em Poços. A paixão foi tanta que ele encomendou ao ourives Otorino Danza, seu colega almofadinha, um anel -com o marfim de uma bola de bilhar e com sua foto incrustada- para dar de presente à amada.
Depois de algum tempo, pediu-a em casamento. O pai da jovem negou. A amada casou-se tempos depois com um juiz de direito, depois desembargador de Justiça Antonio Cintra Neto.
Léo enclausurou-se em sua casa por dois anos. Em 9 de setembro de 1941 morreu de amor. Deixou para cidade a lembrança do jovem romântico e um soneto de despedida da amada, que foi passado oralmente de pais para filhos, carregado pela memória coletiva das gerações.
"Fiz mal em ter erguido meu olhar para teu vulto / Que mora lá tão alto e eu tão baixo moro... / Fora afronta querer, fora talvez insulto / Humilde pirilampo, igualar-te, meteoro"
"Fiz mal, eu bem sei, em ter rendido meu culto / A uma visão fatal. No entanto, não deploro / O quanto te adorei o quanto ainda te adoro / Face a minha timidez e meu querer estulto"
"Mas se em tua vaidade imaginastes louca / Que eu fosse implorar um riso dessa boca / E que todo curvado ao estertor do pranto"
"Dos olhos, fosse lhe pedir mágicos favores... / Enganastes, senhora, não mendigo amores / Tenho orgulho demais para descer-me a tanto."

E-mail - lnassif@uol.com.br


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