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OPINIÃO ECONÔMICA
Em defesa das aposentadorias do setor público
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Diversos leitores e amigos
querem que eu responda hoje às grosserias que me foram endereçadas pelo ex-ministro Celso
Lafer em artigo publicado nesta
Folha ("Zurros e argumentos",
16/01, pág. A3). Realmente, o ex-ministro perdeu as estribeiras.
Chegou a referir-se a meus modestos escritos como "zurros".
O leitor gosta de sangue. Mas
não vou responder. E explico: certa vez, durante acirrado debate
com um sofista, Sócrates sofreu
da parte do adversário violentos
insultos e agressões. Não retrucou
e retirou-se. Um jovem discípulo
que o acompanhava indagou,
consternado: "Mestre, por que
não revidaste?". Sócrates respondeu: "Se um jumento te dá um
coice, tu revidas?".
Não quero, é claro, comparar-me a Sócrates. Ou o ex-ministro
(e conhecido pensador) a um
simples e prosaico jumento. Em
todo o caso, vamos seguir o exemplo do grande filósofo.
O jumento, diga-se de passagem, tem sido objeto das mais variadas divagações. Para Machado de Assis, por exemplo, o jumento não é propriamente um
animal, mas "a imagem quadrúpede do homem". A prova disso,
dizia ele, é que, se encontramos a
amizade no cão e o orgulho no
cavalo, só no jumento encontramos a filosofia.
Um jumento-filósofo? É possível. Mas esse emblemático animal dificilmente toma a forma e
as atitudes características de um
ex-ministro das Relações Exteriores. E vice-versa. Pode acontecer,
mas é um fenômeno raro.
Deixemos isso de lado. Gostaria
de tratar um pouco de um dos temas que estão na ordem do dia: a
reforma da Previdência Social.
Por enquanto, o assunto tem sido
abordado pelo governo e pela
maior parte da imprensa de maneira bastante desequilibrada.
Procura-se frequentemente induzir a opinião pública a acreditar que o problema da Previdência é decorrente dos privilégios do
funcionalismo público. Vai se espalhando a avaliação de que o
principal obstáculo a essa reforma fundamental é a "resistência
corporativa" do funcionalismo,
que tem a perder "com o fim dos
privilégios que compõem o grosso
do déficit e inviabilizam atuarialmente a Previdência", observou
editorial recente do jornal "O Estado de S.Paulo" (21/1. pág A3),
vocalizando a opinião predominante em muitos círculos.
Não há dúvida de que o problema é grave. O crescimento das
despesas previdenciárias contribui para dificultar a sustentação
dos superávits primários, que se
tornaram indispensáveis como
resultado da pesada herança fiscal-financeira deixada pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Também não há dúvida de
que existem abusos e privilégios
no âmbito do setor público, que
precisam ser explicados à sociedade brasileira e corrigidos na
forma da lei.
Mas a palavra "privilégio" tem
sido utilizada de maneira abusiva. Parece difícil acreditar que a
eliminação dos verdadeiros privilégios, corretamente identificados, possa ser suficiente para resolver o problema.
Por exemplo, repete-se muito
que os empregados públicos se
aposentam com salário integral,
enquanto os do setor privado só
recebem do INSS até um certo limite (atualmente de R$ 1.561,56
por mês). Menos comentado é o
fato de que os servidores funcionários públicos civis contribuem
para a Previdência com uma alíquota de 11% sobre a totalidade
dos seus salários, ao passo que os
trabalhadores assalariados do setor privado pagam uma alíquota
marginal máxima de 11% ao
INSS até o mesmo teto de R$
1.561,56.
A tese muito repetida de que o
grande responsável pelo problema previdenciário seria o sistema
público, enquanto o INSS seria
mais facilmente administrável,
baseia-se frequentemente em cálculos nos quais o déficit da previdência pública é definido como a
diferença entre os benefícios
(aposentadorias e pensões) e as
contribuições pagas pelos servidores.
Poucas vezes se menciona o fato
de que está faltando a contribuição do governo, como lembrou o
presidente do Sindicato Nacional
dos Auditores da Receita Federal,
Paulo Gil, em entrevista recente à
Folha (19/1, pág. A6). No setor privado, o empregador contribui para a Previdência com 20% sobre o
salário-base.
Além disso, boa parte da arrecadação federal consiste de contribuições sociais -por exemplo,
a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) ou a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido)-,
criadas para financiar a Seguridade Social, que é definida constitucionalmente como o conjunto
das ações relativas à saúde, à previdência e à assistência social.
O governo Lula estará cometendo grave erro se conduzir a questão previdenciária de modo afobado, com os olhos voltados para
as medidas e reformas consideradas indispensáveis pelo chamado
mercado, leia-se, pelo capital financeiro local e internacional.
Nunca se deve perder de vista
que o Estado nacional é uma abstração, que só se materializa plenamente pela ação do seu corpo
de funcionários permanentes, que
precisam ser motivados e tratados com justiça.
Governos que começam desrespeitando e agredindo os interesses
dos seus servidores nunca terminam bem.
Paulo Nogueira Batista Jr., 47, economista, pesquisador visitante do Instituto
de Estudos Avançados da USP e professor da FGV-EAESP, escreve às quintas-feiras nesta coluna. É autor do livro "A
Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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