São Paulo, sexta-feira, 23 de janeiro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL

Carlos Ghosn, presidente da Nissan, diz que setor automobilístico vive momento difícil no país; manutenção dos juros é criticada

Davos volta a pedir crescimento ao Brasil

Eric Feferberg/France Presse
Carlos Ghosn, presidente da Nissan, diz que setor automobilístico vive momento difícil no país; manutenção dos juros é criticada


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

Um dos raros executivos brasileiros que é estrela internacional, Carlos Ghosn, presidente da Nissan japonesa, juntou-se ontem ao coro dos que criticam a falta de crescimento no Brasil, ao fazer uma comparação com a China, a atual queridinha do planeta entre os países emergentes, papel a que o Brasil aspira e não alcança há muitos anos.
"A grande diferença entre o Brasil e a China é que as taxas de crescimento do mercado são muito maiores na China", diz Ghosn, 49, que comanda uma empresa que produz 2,5 milhões de unidades de automóveis por ano e vende em 150 países.
Ghosn conta que os dirigentes chineses afirmam que, em 20 anos, farão quadruplicar o tamanho da economia "e estão de fato determinados a fazê-lo". Emenda: "O Brasil teria que ter pessoas com o foco no crescimento da economia. Hoje, não tem".
O comentário do executivo foi feito ao término de uma sessão sobre a China, no encontro anual 2004 do Fórum Econômico Mundial, que, todo janeiro, reúne cerca de mil personalidades de governos, das academias e do mundo dos negócios.

Brasil e China
Ghosn não sabia da manutenção da taxa de juros no Brasil, anunciada na véspera pelo Banco Central, uma demonstração prática da falta de foco no crescimento, por ele reclamada.
Mesmo assim, prosseguiu nas comparações com a China: "A segunda grande diferença é que, na China, todo mundo está tendo lucro. No Brasil, pelo menos o meu setor [automobilístico] vive um momento muito difícil. Perde dinheiro, não investe, portanto não cria empregos. É um círculo vicioso".
Ghosn faz questão de dizer que está traçando um retrato do momento e que o Brasil tem "potencial para ser igual à China".
A Folha provocou: "Faz séculos que o Brasil é o país do futuro, e o futuro nunca chega...".
Ghosn citou, então, o Plano Cruzado, de 1986, para dizer que, com a inflação levada a zero (pelo congelamento de preços) e com o aumento concomitante do salário mínimo, contido no plano, "todos os produtos desapareceram das prateleiras, porque aumentou o poder aquisitivo".
No Brasil de hoje, dá-se o contrário: a renda dos assalariados vem caindo sistematicamente e o desemprego aumentou no ano passado.

Jesus
Aliás, o sindicalista Philip Jennings, secretário-geral de um sindicato internacional do setor de serviços com 15 milhões de membros, ao ser informado ontem sobre o fato de que, no governo de seu ex-colega Luiz Inácio Lula da Silva, foram perdidos 600 mil postos de trabalho, arregalou os olhos e só soltou uma palavra: "Jesus".
Os comentários de Ghosn e a exclamação de Jennings fecham um ciclo de críticas ao baixo ou nulo crescimento brasileiro: em três dias, tais observações foram feitas por um funcionário público norte-americano (John Taylor, subsecretário do Tesouro), um executivo do mundo financeiro (Stephen Roach, da Morgan Stanley) e, agora, por um executivo do setor produtivo, além do sindicalista.
Com a manutenção da taxa básica de juros brasileira no patamar recorde mundial de 16,5% ao ano, é razoável supor que as críticas continuarão, a julgar pela reação, também ontem, de Manoel Cintra Neto, presidente da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F), igualmente presente ao encontro de Davos:
"Não se deve contrariar o mercado e 100% do mercado estava esperando um corte de ao menos meio ponto", ironizou Cintra Neto.
O ministro Luiz Fernando Furlan (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), único membro do governo que havia chegado a Davos até ontem, fugiu do assunto, por motivos óbvios. Furlan, primeiro como empresário e mesmo depois como ministro, sempre defendeu a redução da taxa de juros, mas não pode criticar agora uma decisão do governo a que pertence.
Até porque ele já o fez em reunião ministerial realizada em novembro. Disse, à época, que o risco-país estava caindo, a inflação estava caindo, o dólar estava caindo, só os juros não estavam. "Alguma coisa está errada", concluiu.


Texto Anterior: Preços: IGP-M fica em 0,65% na 2ª prévia de janeiro
Próximo Texto: China é "mina de ouro", vêem especialistas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.