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OPINIÃO ECONÔMICA
Partos demorados
JOÃO SAYAD
Depois de muitos anos, desci
no aeroporto do Galeão, no Rio
de Janeiro. Fui à zona sul pela
Linha Vermelha -literalmente
cercada por habitações muito
pobres, inacabadas, remendadas e muito feias. Ruas esburacadas de terra, lixo espalhado
no chão- um cenário de terror
que se estende até o horizonte,
interrompido apenas pelo famigerado Morro do Alemão.
O motorista de táxi comenta
que volta e meia os traficantes
interrompem o trânsito com
metralhadoras na mão para
transportar "algumas coisas"
de um lado para o outro.
Em São Paulo é a mesma coisa. Mas São Paulo é cheia de
pudores. Aqui a pobreza se esconde atrás das ondulações
suaves do planalto que não permitem as cenas de barbárie explícita que as planícies do Rio
mostram.
O presidente afirmou que gostaria de implementar um Plano
Real "para o social" no segundo
mandato. Será possível?
Como nasceu o Plano Real?
Os avós internacionais do
Plano Real foram o presidente
Reagan e Paul Volcker, quando
aumentaram as taxas de juros e
criaram a crise da dívida externa em 1982.
Os avós brasileiros são o
MDB, dr. Ulysses Guimarães, o
governador Montoro e outros
políticos que iniciaram a campanha pelas diretas-já e o processo de democratização do
país. A democracia transformou as leis salariais de arrocho
em letra morta. Começaram
dez anos de superinflação. Terminou o período de combate
gradualista.
Foram dez anos de inflação
muito alta e dez anos de tentativas de solução. Começamos
com o Plano Cruzado. Depois
vieram os Planos Bresser, Verão
e o cruel e desengonçado Plano
Collor.
O Plano Real poderia ter nascido antes se o secretário Baker
não tivesse respondido presunçosa e insensivelmente "this is a
non starter" ("não tem conversa", seria a tradução em português) para a proposta de securitização da dívida que o ministro Bresser lhe apresentou em
1987.
Só em 1994 o ministro Fernando Henrique Cardoso conseguiu renegociar a dívida externa. A dívida foi securitizada
sob o reinado do secretário
Brady, que acabou batizando
os papéis da dívida externa de
"bradies".
Foi um longo e doloroso parto. Os parteiros foram Pérsio
Arida, André Lara Rezende e
Francisco Lopes, que por dez
anos pensavam e escreveram
sobre como acabar com a inflação num país com indexação. E
a criança nasceu.
Outras crianças e outros planos reais já haviam nascido na
Argentina, no Chile e no México. Também fomos dos últimos
a abolir a escravidão. Somos
conservadores.
A história é assim: antes, o
problema precisa aparecer, ser
visto, existir. Pode aparecer rapidamente e com clareza. Ou
pode exigir muito sofrimento
para que seja visto. Depois, é
preciso encontrar a solução. Pode ser simples e rápida, ou pode
exigir novamente muito sofrimento e crises para que a gente
se conforme com a solução proposta.
Poderíamos dizer que os filhos são sempre uma surpresa
para os pais. Napoleão não sabia o que estava fazendo, mas
destruiu as monarquias da Europa. A depressão de 1930 é mãe
do "New Deal" de Franklin
Roosevelt e avó das instituições
e da prosperidade do pós-guerra.
Será possível sonhar com um
plano real para o social?
Para responder, primeiro precisamos responder à pergunta:
existe um problema social?
Para que exista, não basta
que cientistas sociais ou filósofos digam que exista.
É preciso que a pobreza se torne manchete de jornais, apareça como o problema mais sério
nas pesquisas de opinião pública ou destrua candidaturas e
crie novas lideranças. Se as elites forem pouco sensíveis ou
muito conservadoras e lentas, o
nascimento do problema pode
exigir revoltas populares, guerra civil ou outras desgraças. Depende da gravidade do problema relativamente à insensibilidade das elites.
Depois, é preciso que exista
uma solução. Podemos conhecer o problema e não conhecer a
solução. A Aids é um problema
de solução difícil.
No caso da inflação, o fato de
que a inflação é a maior inimiga do capitalismo ajudou na
solução. Mesmo assim, levamos
dez anos tentando.
No caso da pobreza, do crime
e da barbárie, apesar de aparecerem na Linha Vermelha, continuam escondidos em outros
lugares.
A elite brasileira não tem nenhum sentimento de urgência
com relação ao problema. As
estatísticas falam de diminuição da pobreza.
Além disso, como estamos
sempre nos comparando com
outros países, está tudo muito
bem, pois também existe crime
em Chicago, barbárie na Colômbia, assaltos e desemprego
em Paris etc.
Mangabeira Unger propôs várias soluções na coluna de terça-feira passada. Ainda nem
começamos a experimentar,
pois "não temos dinheiro". Não
é uma boa resposta. Nem um
bom sinal.
João Sayad, 51, economista, professor da
Faculdade de Economia e Administração da
USP e ex-ministro do Planejamento (governo
José Sarney), escreve às segundas-feiras nesta coluna.
E-mail: jsayad@ibm.net
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