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ARTIGO
Contra a privatização do sistema elétrico
JOAQUIM FRANCISCO DE CARVALHO
Se não fosse a carga de dívidas
contraídas para satisfazer aos interesses estranhos ao setor, o sistema elétrico paulista daria anualmente um lucro superior aos capitais externos investidos diretamente no Estado em vários anos.
Isso pode ser comprovado multiplicando-se o consumo estadual
de eletricidade pela diferença entre o custo de geração e a tarifa
média de distribuição.
O resultado, que chega a bilhões
de dólares por ano, constitui a verdadeira causa da luta de bastidores
que atualmente se trava entre grupos estrangeiros pelo controle do
referido sistema. E os números ficarão muito mais expressivos, já
que as tarifas vão subir e as projeções do governo indicam grandes
aumentos no consumo de eletricidade.
A Cesp e a Eletropaulo ainda são
estatais; portanto, seus lucros ficam aqui mesmo, sendo em grande parte reinvestidos no aperfeiçoamento tecnológico e na expansão do próprio sistema. Privatizá-las é uma temeridade.
Seria mais inteligente e muito
mais honesto que o governo saneasse suas finanças, como fez
com os bancos, e as deixasse progredir -sem interferências externas, porém sob rigorosa supervisão dos consumidores, exercida
por comissões de controle a ser
criadas.
O sentimento de engenheiros e
técnicos mais antigos, que contribuíram pessoalmente para o planejamento e a construção de nosso sistema elétrico, é de perplexidade, senão de revolta, contra privatizações arquitetadas por tecnocratas e "promotores de negócios", que não têm competência
específica e não merecem confiança. Veja-se o que aconteceu no
Rio, onde a Light, privatizada,
economiza em manutenção para
remeter lucros, degradando os
serviços que, aliás, estão mais caros.
De 1879, quando d. Pedro 2º ofereceu incentivos e privilégios para
que Thomas Edison introduzisse
no Brasil a luz elétrica, até 1960, o
sistema elétrico brasileiro foi controlado por empresários nacionais
e grupos estrangeiros, sem nenhuma interferência do Estado. Em
1960, os empreendimentos privados no setor, em todo o Brasil, somavam uma capacidade de apenas
3.300 megawatts, o que era insuficiente para alimentar o desenvolvimento da economia.
Assim, atendendo a apelos do
próprio empresariado industrial,
o Estado investiu gigantescos fundos públicos no sistema para modernizá-lo e ampliá-lo até sua capacidade atual, que é da ordem de
58 mil megawatts. Isso significa
que, em 37 anos, o Estado realizou
17 vezes mais do que realizaram
em 110 anos os grupos privados.
É importante observar que o sistema paulista, como, aliás, todo o
sistema brasileiro, é essencialmente hidrelétrico. E, onde quer
que haja represas hidrelétricas,
manda o bom senso que o Estado
as controle, devido às implicações
ambientais de sua exploração,
com reflexos até no abastecimento
de água potável.
É assim na França, na Suíça, na
Noruega, no Canadá ou em qualquer outro país soberano. Mesmo
nos Estados Unidos, pátria da iniciativa privada, o governo controla as bacias hidrográficas, e as
principais hidroelétricas são estatais.
Cabe lembrar que sistemas hidrelétricos devem ser hidráulica e
eletricamente interligados, requerendo operação integrada, coisa
que só o Estado pode fazer com
eficácia. E não nos esqueçamos de
que eletricidade é um monopólio
natural, indispensável em todos os
campos da atividade humana. Como todos pagam tarifas, o sistema
elétrico é um arrecadador automático de parte da renda dos demais setores.
A Cesp e a Eletropaulo, em conjunto, podem arrecadar mais de
R$ 9 bilhões por ano. Privatizá-las
significa permitir que grupos privilegiados nos vendam a eletricidade gerada em nossos rios, usando para isso usinas hidrelétricas e
sistemas de transmissão e distribuição construídos com dinheiro
público. Seria, da parte do governo, uma demonstração de total
inépcia e, sobretudo, uma grande
injustiça. Uma imperdoável traição.
Só nos resta esperar que os políticos paulistas acordem a tempo
de seguir o exemplo de mineiros e
paranaenses, que tiveram competência, coragem e espírito público
para defender o patrimônio dos
cidadãos, resistindo às pressões de
Brasília e dos "promotores de negócios" para privatizar as empresas estaduais de eletricidade.
Joaquim Francisco de Carvalho, 62, engenheiro do setor elétrico, é consultor para assuntos de energia. Foi coordenador do setor industrial do Ministério do Planejamento (governos
Castello Branco, Costa e Silva e diretor da Nuclen Engenharia e Serviços S/A.
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