São Paulo, sábado, 23 de março de 2002

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Duhalde não descarta a volta da conversibilidade

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MONTERREY

O presidente argentino Eduardo Duhalde não quis descartar a hipótese de ser obrigado a voltar ao esquema de conversibilidade, o mecanismo pelo qual o peso fica atado ao dólar em uma dada paridade.
Foi durante entrevista que Duhalde concedeu ontem no fim da tarde a um grupo de jornalistas estrangeiros, no 4º andar do suntuoso hotel Quinta Real, em Monterrey.
Primeiro, Duhalde recusou-se a responder perguntas sobre o que chamou de temas técnicos, seja a volta à conversibilidade, sejam planos alternativos.
A Folha insistiu, lembrando ao presidente que conversibilidade não é uma questão puramente técnica, mas eminentemente política.
Resposta de Duhalde: "Não me parece possível, mas não quero descartar nenhuma possibilidade". Depois, reiterou que, em meio à crise, não há como afastar qualquer hipótese.
O fato de o presidente não descartar a conversibilidade dá uma perfeita idéia das proporções da crise, já que o próprio Duhalde diz que a principal lição deixada pela tormenta argentina é a de que "nenhum país deve adotar uma política econômica tão rígida. Dez anos ancorados no dólar foi tremendo para a Argentina".
É alusão ao fato de que o pesou ficou atado ao dólar, na proporção de 1 para 1, durante 10 anos e meio, a partir de abril de 1991, minando a competitividade da economia argentina.
Para explicar o pânico que tomou conta dos mercados ontem em Buenos Aires, Duhalde usou uma avaliação que sempre foi um dos argumentos para sustentar a conversibilidade: "Os brasileiros estão acostumados com o real, mas os argentinos estão psicologicamente muito vinculados ao dólar".
A única coisa que Duhalde descartou foi o afastamento do ministro da Economia, Jorge Remes Lenicov, boato que circulava com força ontem. "De jeito nenhum. São comentários que surgem em uma hora de grande comoção", afirmou.
Também acha improvável a ocorrência de hiperinflação: "Não é um cenário muito realista, porque há grande iliquidez na Argentina".
Duhalde informou que no contato feito pela manhã com o diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Horst Koeller, foi pedida a aceleração dos compromissos que a Argentina assumiu com o Fundo.
"Mais que novas exigências, o FMI quer a execução dos compromissos que havíamos assumido. Eles esperam um passo mais: que se ponha em marcha mais rápida o que havíamos combinado", relatou.
Talvez por isso, o Fundo tenha concordado em enviar a Buenos Aires uma equipe negociadora, pela primeira vez desde a queda do governo Fernando de la Rúa em dezembro. A missão do FMI que esteve há pouco na Argentina fez apenas um trabalho exploratório, mas nada negociou.
A entrevista de Duhalde foi pontuada por expressões dramáticas. Exemplo: o presidente se comparou a um médico que cuida de um paciente (a Argentina) em estado grave. "Precisamos de instrumentos e de oxigênio para operar a Argentina. Mas, antes, é preciso estabilizar o paciente", afirmou.
Mais: "Muito mais que uma recessão, a Argentina vive uma depressão. Uma depressão também espiritual do povo argentino".
Ainda mais: "É a crise mais grave de todas".
O drama combinava à perfeição com o cenário no pátio dos fundos do hotel, antes de Duhalde subir para a entrevista. Ele falava ao celular, com rosto tenso, enquanto o chanceler Carlos Ruckauf andava de um lado para o outro, sem paletó e com os dois primeiros botões da camisa branca abertos.
Sentado, o ministro Remes Lenicov era o retrato de um derrotado. Quando entrou no hotel, admitiu para a Folha: "Está pesado, está muito pesado".
Já o presidente diria depois que um país pode perder a confiança interna e externa em um só dia, mas recuperá-la leva tempo e depende de "fatos, não de palavras"".
Comparou-se também a um timoneiro que está conduzindo a Argentina em meio à "águas turbulentas". E admitiu que, até atingir águas mais calmas, virão "momentos mais difíceis que este".
Como é próprio de horas de comoção, Duhalde conseguiu alternar frases carregadas de dramaticidade com outras de entusiasmo. Chegou a dizer que, depois da desvalorização do peso, as Províncias vivem "um momento não diria de euforia", mas de entusiasmo, pela possibilidade de aumentar as exportações. Idêntico entusiasmo o presidente enxerga nos setores agropecuários, que também se beneficiaram, em tese, com a desvalorização.
Até os "hermanos brasileiros", sempre segundo Duhalde, estariam felizes com o fato de a desvalorização ter oferecido "horizonte de rentabilidade para o setor produtivo".



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