São Paulo, domingo, 23 de junho de 2002

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Capacidade de ação do BC é limitada

LEONARDO SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Mesmo com a liberação de mais US$ 5 bilhões das reservas líquidas do país, a capacidade do Banco Central para intervir de modo mais incisivo no câmbio é considerada pequena, pelo menos enquanto o mercado estiver ávido pela moeda norte-americana.
Segundo cálculos do BBV Banco, se reaplicasse a estratégia de venda diária de dólares à vista a uma quantidade predeterminada, como fez no ano passado, o BC disporia de US$ 71,6 milhões (pela posição do dia deste mês) por dia útil até a última revisão do acordo com o FMI (Fundo Monetário Internacional) no final de novembro.
Para especialistas ouvidos pela Folha, o BC não tentaria agora forçar o mercado para reduzir a cotação do dólar, o que explicaria a timidez com que atuou no câmbio até agora. Desde que foi anunciado o pacote de medidas para acalmar o mercado, na quinta-feira da semana retrasada, o BC fez três intervenções e, nas duas primeiras, vendeu US$ 70 milhões. O valor da terceira intervenção será divulgado na próxima terça-feira.
Há no mercado o consenso de que os ativos financeiros (títulos da dívida interna e externa, ações etc.) estão depreciados demais, descolados dos fundamentos da economia, que não seriam tão ruins a ponto de justificar a explosão das taxas.
A leitura que se faz é que o BC, em vez de bater de frente, esperaria o mercado "virar" por si próprio, quando, aí sim, seria a hora de entrar no câmbio de maneira mais contundente.
No ano passado, auxiliado por medidas restritivas de oferta de moeda e de exposição dos bancos ao risco em dólar, o BC obteve sucesso em sua tática de reverter a cotação da moeda americana, que, depois de atingir R$ 2,83 em setembro -após os ataques terroristas aos Estados Unidos-, caiu para menos de R$ 2,30 no começo deste ano.
O risco da estratégia do BC é que, se o mercado não "virar" por si só, o custo para uma ação de enfrentamento direto ficará cada vez mais alto com o passar dos dias -leia-se subida ainda maior do dólar e depreciação mais acentuada dos ativos financeiros. Ou seja, o mercado cada vez mais avesso a refinanciar a dívida pública.

As chances existem
Pode parecer remota a possibilidade de o mercado, numa turbulência como essa, mudar de direção repentinamente, mas a lógica financeira e a experiência recente mostram que não é impossível.
Os especuladores do mercado de câmbio jogam para ganhar tanto nos momentos em que a moeda está barata quanto nos períodos em que está cara. Sempre há aqueles que julgam que alta do dólar tenha chegado ao limite.
Passam então a ficar "vendidos" no mercado futuro de dólar, para aproveitar a elevada cotação da moeda. Ou seja, garantem, por meio de contratos, a venda de dólares em data futura a um preço preestabelecido. Se o dólar cai, o ganho é certo.
Quando esse movimento se intensifica no mercado futuro -mais agentes "vendidos" em dólar-, a cotação da moeda à vista tende a acompanhá-lo.
Em julho de 2001, quando anunciou a venda de US$ 6 bilhões até o final do ano, o que dava US$ 50 milhões diariamente, o BC foi criticado. Não foram poucos a vociferar que a autoridade monetária havia cometido erro crasso, que havia "apresentado as armas para o inimigo" e que US$ 6 bilhões era pouco.
O dólar subiu por muitas semanas, mas, no final do ano, os mesmos especialistas que criticaram a estratégia insistiam para que o BC suspendesse a venda diária de dólares, pois o real já havia apreciado demais, o que poderia prejudicar a balança comercial (as mercadorias brasileiras ficariam mais caras no exterior).
Especialistas, no entanto, avaliam que, diferentemente de 2001, o BC deve intervir no mercado de câmbio informalmente, sem anunciar a venda diária de dólares, pelo menos não agora, pois seria enfrentar o mercado sem o poder de fogo necessário.



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