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OPINIÃO ECONÔMICA
Mais iguais do que os outros
FRANCISCO DE ALMEIDA E SILVA
Os rumos tomados pelo governo do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva e as discussões internas do PT provocadas
pelos chamados radicais, que remetem ao discurso do partido antes das eleições para a Presidência,
trazem à memória a alegoria sobre o poder de George Orwell. A
história do livro "A Revolução
dos Bichos", publicado pela primeira vez em 1945, na Inglaterra,
é de impressionante semelhança
com a realidade do Brasil de hoje.
Na ficção orwelliana, os animais
da Granja do Solar se revoltam,
expulsam o dono e instituem uma
sociedade na qual todos terão direitos iguais. Os sete mandamentos, escritos na parede com tinta
branca, determinam que a nova
ordem não permite aos animais
repetir comportamentos e hábitos dos homens, até então os detentores do poder. As máximas
defendidas calorosamente pelos
revolucionários vão sendo modificadas aos poucos pela espécie
que assume o poder, até quando,
no fim do conto, não é mais possível fazer distinção entre eles e os
homens.
Na realidade brasileira, as eleições substituem a revolução. Podemos identificar não apenas sete
mas uma série de mandamentos
petistas que vêm sendo apagados
da parede nestes primeiros cinco
meses de governo. Na política
econômica, são muitos os exemplos. As "taxas de juros civilizadas" anunciadas no programa de
governo, em 2002, como mecanismo para estimular o "investimento produtivo e o crescimento", tornaram-se as mais altas já
praticadas no país desde janeiro
de 1999. A decisão do Copom de
manter os juros em 26,5% torna
distante a prometida retomada do
crescimento econômico e da oferta de emprego. A pressa da velha
oposição acabou. O ministro do
Planejamento, Guido Mantega,
pediu "paciência" e disse que os
juros vão cair quando chegar o
"momento certo".
Some-se a isso a proposta de independência do Banco Central, a
decisão de não corrigir a tabela do
IR (Imposto de Renda) e o aumento da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) das
empresas prestadoras de serviço,
de 12% para 32% -esta última
por meio da medida provisória
107. As contradições do partido
recém-chegado ao poder são tantas que o ministro Tarso Genro,
secretário especial do Conselho
de Desenvolvimento Econômico
e Social, ensaiou um mea culpa
em artigo publicado no mês de
março. "Para nós, duros críticos
do governo anterior, não é fácil
adotar as medidas que seriam as
mesmas aceitas pelo ex-ministro
Pedro Malan, agora originárias
das nossas próprias mãos", afirmou.
Na disputa dos bichos pelo poder na Granja do Solar, o líder Napoleão expulsa o adversário, que
defendia a construção de um
moinho de vento para produzir
energia e mudar tudo para melhor. Semanas depois, convoca todos a se empenhar na obra do
moinho que combatera. Explicação: tudo não passou de tática para derrotar o concorrente. Lá pelos lados da Granja do Torto, a situação foi semelhante. O presidente da Câmara dos Deputados,
João Paulo Cunha (PT-SP), admitiu que o partido só foi contrário
às reformas propostas por Fernando Henrique Cardoso porque
tinha de fazer oposição: seu objetivo era o poder. O bombardeio
de críticas dos aliados sobre o presidente da Câmara só não foi
maior do que a reação petista
contra os chamados radicais.
Por se recusarem a seguir a
orientação de bancada para votar
a favor da proposta de reforma
previdenciária, a senadora Heloísa Helena (AL) e o deputado João
Batista de Araújo, o Babá (PA), estão sendo ameaçados de expulsão
do PT. A mensagem do governo
repete os argumentos da proposta
de reforma apresentada pela administração anterior em seu ponto mais polêmico: a taxação dos
inativos, até então duramente
combatida pelos petistas. Os deputados João Fontes (SE) e Luciana Genro (RS) foram afastados
por tempo indeterminado, punidos por divulgar uma fita de vídeo, de setembro de 1987, em que
Lula critica o estabelecimento de
uma idade mínima para a aposentadoria.
Depois que Napoleão assume o
poder na "Revolução dos Bichos",
são abolidas as reuniões de debates, substituídas por encontros
em que os moradores da granja se
limitam a receber ordens superiores. "A lealdade e a obediência são
mais importantes", explicam os
líderes, ao desclassificar o antigo
aliado expulso com a mudança
das regras. Na crise interna do PT,
a "deslealdade" e a "desobediência" têm nome: delito de opinião,
crime pelo qual os parlamentares
dissonantes serão julgados pelo
Conselho de Ética. Julgamento
com decisão prévia, se levadas ao
pé da letra as palavras do ministro
José Dirceu ditas durante reunião
com a bancada de senadores. Para
ele, a punição é uma "decisão irreversível" do Conselho.
Na obra de Orwell, os líderes aos
poucos reinventam a história e
apagam os antigos mandamentos
da parede, removendo todos os
sinais da utopia que fundamentou a revolução. Dos sete mandamentos, resta apenas um, com
nova redação. À máxima "Todos
os animais são iguais" acrescentou-se: "Mas alguns animais são
mais iguais do que os outros".
Basta rememorar os acontecimentos para perceber que não há
distinção entre a política econômica e as práticas políticas adotadas hoje e ontem. Como na fábula
dos bichos, a desesperadora tentativa do PT agora é apagar a memória do que disseram e fizeram
seus personagens e justificar passado e presente com promessas
de moinhos de vento.
Francisco de Almeida e Silva é secretário municipal de Fazenda
do Rio de Janeiro.
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