|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OPINIÃO ECONÔMICA
Vôo de galinha
MARCOS CINTRA
A atividade produtiva brasileira possui uma característica peculiar: vem sendo marcada
por espasmos de expansão e retração, como demonstrado no gráfico
nesta página. É provável que o
crescimento atual -que, aliás,
não é tão marcante quanto se propaga, por ter como base o medíocre desempenho de 2003- seja
mais um vôo de galinha, de curto
alcance.
Os dados mais recentes da conjuntura atual mostram algumas
características interessantes.
Em primeiro lugar, o surto de
crescimento é puxado basicamente pelas exportações, ainda que alguns indicadores já mostrem que
a expansão dos setores exportadores já começa a afetar positivamente o potencial consumidor do
mercado interno.
Se o dinamismo do setor externo
não for transmitido ao mercado
interno, o país continuará dependente da conjuntura internacional, sobre a qual não detém nenhum controle. Estará se relegando a segundo plano o maior potencial da economia brasileira,
qual seja o seu mercado interno
potencial.
Em segundo lugar, esse curtíssimo surto de expansão, que ainda
não chegou a completar seu primeiro ano, praticamente já esgotou a capacidade produtiva de alguns setores. Já existem gargalos
em segmentos como o de suprimento de autopeças e aço. Em breve eles surgirão em setores estratégicos, como energia elétrica, logística de transportes e armazenamento e capacidade portuária.
Em terceiro lugar é possível observar que os investimentos no
Brasil ainda estão sendo fortemente desestimulados pelo sistema tributário e pelo custo do capital. Em outras palavras, a ausência de condições que estimulem a
formação de capital será sempre
uma espada de Dâmocles pendendo sobre o setor produtivo brasileiro e que a qualquer momento pode decepar qualquer pretensão de
crescimento econômico de médio e
longo prazo. Dados da Anefac
mostram que os juros anuais cobrados das empresas em julho de
2004 foram em média de 63% para capital de giro (pico de 296%),
de 58% para desconto de duplicata (pico de 449%), de 60% para o
desconto de cheque e de 100% para conta garantida (pico de
342%).
Nesse sentido, cumpre apontar
que o alto custo do dinheiro é o
principal obstáculo a ser superado
para garantir um processo de crescimento auto-sustentado. Não se
trata apenas de falta de política
industrial ou de falta de planejamento. Isso também ocorre. Mas a
grande carência ainda reside na
ausência de condições microeconômicas que lubrifiquem as engrenagens da economia e propiciem condições operacionais viáveis e duradouras de expansão.
Se o governo, até o momento,
vem mostrando um conjunto de
significativas realizações do ponto
de vista macroeconômico, falta
que se lhes dêem continuidade
com medidas microeconômicas
sólidas. Sem a seqüência de uma
política institucional interna de
crescimento, será inevitável a continuidade da atual política de fortes restrições monetárias e fiscais.
O risco é que os sacrifícios exigidos
da sociedade brasileira se tornem
insuportáveis, comprometendo
sua estabilidade social.
Reduzir o custo do capital e estimular o crescimento da capacidade produtiva é tarefa primordial.
O país continua refém do setor
bancário e financeiro, que impõe
"spreads" bancários absurdamente elevados sobre a taxa de juros
básica. Os juros ao tomador estrangulam a capacidade produtiva nacional, concentram renda e
geram desemprego.
Quando o Copom, por razões
competentemente explicitadas em
suas atas, mantém a taxa Selic nos
atuais patamares, o faz para preservar as condições macroeconômicas que logrou obter nos últimos anos, ou seja, para manter a
integridade do "triângulo intocável" composto pelo controle da inflação, contenção do crescimento
da dívida pública e obtenção de
equilíbrio nas contas correntes do
balanço de pagamentos. Esses resultados não podem ser colocados
sob qualquer risco.
Maria Clara do Prado, no último dia 19, em sua coluna no "Valor", indaga: "Por que será que o
Brasil não consegue crescer um
milímetro sem o risco da volta da
inflação?". Essa pergunta é também uma resposta aos que tentam
entender o porquê do excessivo
conservadorismo do Banco Central, que insiste em manter elevada a taxa de juros básica da economia. Trata-se da única âncora
disponível. Soltá-la poderá fazer a
economia desgarrar.
Por outro lado, se os "spreads"
fossem razoáveis, como ocorre em
outros países, a taxa de juro ao tomador não deveria ultrapassar
25% ou 30% ao ano, em vez das
taxas pornográficas de 70% para
as empresas e 140% para as pessoas físicas. Juros civilizados nos
colocariam em condições de financiar investimentos produtivos
e romper a corrente de transmissão do crescimento à inflação.
O governo já conseguiu obter
condições macroeconômicas adequadas. Mas, se não souber aproveitar o empuxo para dar início ao
ciclo de reformas microeconômicas, como a reforma tributária,
previdenciária, política, agrária,
do Judiciário e outras tantas, haverá razões para temer que o país
continuará a alçar tão somente alguns risíveis vôos de galinha.
Marcos Cintra Cavalcanti de Albuquerque, 58, doutor pela Universidade
Harvard, professor titular e vice-presidente da FGV, foi deputado federal
(1999-2003). Atualmente é secretário
das Finanças de São Bernardo do Campo. É autor de "A verdade sobre o Imposto Único" (LCTE, 2003). Escreve às segundas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
Internet: www.marcoscintra.org
E-mail -
mcintra@marcoscintra.org
Texto Anterior: Inflação em alta "consome" parte da rentabilidade Próximo Texto: Finanças: Mercado opera sem sustos na semana; maioria das ações subiu Índice
|