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ANÁLISE
EUA ameaçam deixar país para trás nas negociações
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O artigo "A América não vai
esperar" que Robert Zoellick, o chefe do Comércio Exterior norte-americano, publicou
ontem no jornal britânico "Financial Times" é uma aberta declaração de guerra ao Brasil, com a
ameaça explícita de deixar o país
para trás nas negociações comerciais.
Para entender a ameaça, é preciso entender primeiro a divisão do
mundo feita por Zoellick, já ao
terminar, em total fiasco, a Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio)
em Cancún.
O funcionário norte-americano
dividiu os participantes da reunião entre países "can-do" (podemos fazer) e países "won't do"
(não faremos). O Brasil caiu claramente na segunda classificação, a
dos que não querem fazer acordos de liberalização comercial,
pelo menos na concepção dos Estados Unidos.
Agora, no "Financial Times",
Zoellick retorna à classificação
para ameaçar: "Enquanto a OMC
pondera o seu futuro, os EUA não
vão esperar: nós avançaremos na
direção do livre comércio com os
países "can-do'".
A ameaça se torna particularmente grave pelo momento em
que aparece: no exato dia em que
o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva inicia um programa de três
dias em Nova York, dedicado, em
particular, a defender o multilateralismo e a combater o protecionismo agrícola dos países ricos.
Ou seja, Lula vai reproduzir, no
mais alto nível, o que a delegação
brasileira fez em Cancún, para suprema irritação dos norte-americanos, tanto do governo como do
setor privado.
Além disso, é importante lembrar que Estados Unidos e Brasil
são co-presidentes do processo
negociador da Alca (Área de Livre
Comércio das Américas), que tem
importante reunião ministerial
marcada para dentro de exatos
dois meses, em Miami.
Em sintonia
A carga de Zoellick, de todo modo, combina à perfeição com uma
saraivada de críticas ao comportamento do Brasil disparada do
primeiro ao último dia do encontro da OMC em Cancún, tanto
por funcionários do governo como por empresários, conforme
relatou a Folha à época.
A crítica principal dos empresários é a de que o Brasil estaria voltando à política dos anos 70, em
alusão ao suposto conflito Norte-Sul surgido da criação do G21, o
grupo de países em desenvolvimento idealizado por Brasil e Índia para se contrapor à proposta
conjunta, em agricultura, dos Estados Unidos e da União Européia. Zoellick reproduz agora a
crítica.
Houve até informações de que
empresários norte-americanos
foram instruídos a telefonar para
os diretores de suas subsidiárias
no Brasil para que estes se juntassem à pressão sobre o governo
brasileiro. Essa informação não
pôde, no entanto, ser confirmada.
Mas, de público, Allen Johnson,
o negociador agrícola dos EUA,
excluiu o Brasil da lista de países
do G21 que estavam revelando
uma "disposição construtiva".
Falácias
O artigo de ontem de Zoellick é,
portanto, a retomada do coro de
críticas, mas agora com a assinatura do mais alto funcionário norte-americano do setor de comércio internacional.
O texto faz até comparações falaciosas, ao dizer que a tarifa consolidada do Brasil para bens agrícolas é de 37%, enquanto a dos
Estados Unidos é de apenas 12%.
Tarifa consolidada é a que um
país registra na OMC, mas não
necessariamente pratica. Em geral, a tarifa efetivamente cobrada
é bem mais baixa.
Mas, no caso norte-americano,
as barreiras às importações agrícolas não se dão tanto pelas tarifas, mas por outros mecanismos
não-tarifários. Quando se traduz
tais mecanismos a tarifas, vê-se,
por exemplo, que o açúcar bruto
paga 135,4%; o leite em pó,
106,7%; e, o tabaco, 350%.
São todos produtos em que o
Brasil é altamente competitivo,
mas que enfrentam barreiras que
não são a clássica tarifa de importação. O Brasil, ao contrário,
transformou sua proteção toda
ela em tarifa, o que torna mais fácil fazer os cálculos, que os outros
tipos de barreiras distorcem.
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