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São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2003

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ANÁLISE

EUA ameaçam deixar país para trás nas negociações

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

O artigo "A América não vai esperar" que Robert Zoellick, o chefe do Comércio Exterior norte-americano, publicou ontem no jornal britânico "Financial Times" é uma aberta declaração de guerra ao Brasil, com a ameaça explícita de deixar o país para trás nas negociações comerciais.
Para entender a ameaça, é preciso entender primeiro a divisão do mundo feita por Zoellick, já ao terminar, em total fiasco, a Conferência Ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio) em Cancún.
O funcionário norte-americano dividiu os participantes da reunião entre países "can-do" (podemos fazer) e países "won't do" (não faremos). O Brasil caiu claramente na segunda classificação, a dos que não querem fazer acordos de liberalização comercial, pelo menos na concepção dos Estados Unidos.
Agora, no "Financial Times", Zoellick retorna à classificação para ameaçar: "Enquanto a OMC pondera o seu futuro, os EUA não vão esperar: nós avançaremos na direção do livre comércio com os países "can-do'".
A ameaça se torna particularmente grave pelo momento em que aparece: no exato dia em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva inicia um programa de três dias em Nova York, dedicado, em particular, a defender o multilateralismo e a combater o protecionismo agrícola dos países ricos.
Ou seja, Lula vai reproduzir, no mais alto nível, o que a delegação brasileira fez em Cancún, para suprema irritação dos norte-americanos, tanto do governo como do setor privado.
Além disso, é importante lembrar que Estados Unidos e Brasil são co-presidentes do processo negociador da Alca (Área de Livre Comércio das Américas), que tem importante reunião ministerial marcada para dentro de exatos dois meses, em Miami.

Em sintonia
A carga de Zoellick, de todo modo, combina à perfeição com uma saraivada de críticas ao comportamento do Brasil disparada do primeiro ao último dia do encontro da OMC em Cancún, tanto por funcionários do governo como por empresários, conforme relatou a Folha à época.
A crítica principal dos empresários é a de que o Brasil estaria voltando à política dos anos 70, em alusão ao suposto conflito Norte-Sul surgido da criação do G21, o grupo de países em desenvolvimento idealizado por Brasil e Índia para se contrapor à proposta conjunta, em agricultura, dos Estados Unidos e da União Européia. Zoellick reproduz agora a crítica.
Houve até informações de que empresários norte-americanos foram instruídos a telefonar para os diretores de suas subsidiárias no Brasil para que estes se juntassem à pressão sobre o governo brasileiro. Essa informação não pôde, no entanto, ser confirmada.
Mas, de público, Allen Johnson, o negociador agrícola dos EUA, excluiu o Brasil da lista de países do G21 que estavam revelando uma "disposição construtiva".

Falácias
O artigo de ontem de Zoellick é, portanto, a retomada do coro de críticas, mas agora com a assinatura do mais alto funcionário norte-americano do setor de comércio internacional.
O texto faz até comparações falaciosas, ao dizer que a tarifa consolidada do Brasil para bens agrícolas é de 37%, enquanto a dos Estados Unidos é de apenas 12%.
Tarifa consolidada é a que um país registra na OMC, mas não necessariamente pratica. Em geral, a tarifa efetivamente cobrada é bem mais baixa.
Mas, no caso norte-americano, as barreiras às importações agrícolas não se dão tanto pelas tarifas, mas por outros mecanismos não-tarifários. Quando se traduz tais mecanismos a tarifas, vê-se, por exemplo, que o açúcar bruto paga 135,4%; o leite em pó, 106,7%; e, o tabaco, 350%.
São todos produtos em que o Brasil é altamente competitivo, mas que enfrentam barreiras que não são a clássica tarifa de importação. O Brasil, ao contrário, transformou sua proteção toda ela em tarifa, o que torna mais fácil fazer os cálculos, que os outros tipos de barreiras distorcem.


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