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São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2003

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ARTIGO

Os Estados Unidos não vão esperar

ROBERT ZOELLICK

Os últimos minutos da sessão da Organização Mundial do Comércio em Cancún foram sintomáticos: chegamos a um impasse depois que representantes dos países menos desenvolvidos da África e do Caribe relataram que seus colegas haviam rejeitado qualquer negociação para modernizar as regras de 1947 sobre procedimentos alfandegários.
A ruptura ocorreu em relação a medidas que simplesmente teriam facilitado o comércio e ajudado países isolados, garantindo a pronta liberação de bens, publicação de procedimentos e regras oportunas e justas sobre questões alfandegárias. Essas medidas sensatas são do interesse de todos; sua rejeição foi uma declaração política. Infelizmente, essa decisão foi emblemática de uma cultura maior de protesto que definiu a vitória em termos de atos políticos, em vez de resultados econômicos.
Enquanto o ministro das Relações Exteriores do México, Luis Ernesto Derbez, que presidiu a reunião, encerrava a sessão, representantes de influentes países em desenvolvimento finalmente se apressaram a dizer que queriam continuar negociando. Eles reconheceram corretamente que o rascunho oferecia uma excelente oportunidade para pressionar a União Européia a eliminar os subsídios às exportações agrícolas; para obter grandes cortes em subsídios agrícolas nos Estados Unidos, na União Européia e em outros países; impor um teto às tarifas incrivelmente altas do Japão; e abrir os mercados agrícolas igualmente para países desenvolvidos e em desenvolvimento. Mas eles chegaram tarde demais.
Na noite anterior, um país após o outro haviam desprezado o rascunho, o processo de negociação e outros países. A Assembléia Geral da ONU tem o seu papel, mas não oferece um modelo eficaz para as negociações comerciais. Alguns ministros apontaram que uma retórica cada vez mais radical dificultaria para todos -especialmente para os grupos de países em desenvolvimento com muitos membros pequenos- considerar compromissos realistas. Países que se sentem vítimas provavelmente não concordarão com nada.
Cancún poderia ter seguido um curso diferente. Algumas semanas antes, tínhamos trabalhado juntos para resolver a difícil questão de garantir que os países pobres em desenvolvimento tivessem acesso a remédios vitais a baixo custo, ao mesmo tempo protegendo a propriedade intelectual. Mas, em Cancún, as táticas do grupo do "não" frustraram aqueles que teriam cortado os subsídios agrícolas e as tarifas, desencadeando reformas na política agrícola nos Estados Unidos, na União Européia, no Japão, no Canadá e em outros países. Eles perderam a oportunidade de abrir gradativamente os mercados dos países em desenvolvimento a outros países na mesma situação.
Eles bloquearam as redes globais de terceirização e produção, que integram empresas de países desenvolvidos e em desenvolvimento em benefício mútuo. E evitaram as regras de abertura e transparência que combatem o favoritismo e a corrupção.

Resistência como tática
Importantes países em desenvolvimento de nível médio empregaram a retórica da resistência como tática para pressionar os países desenvolvidos e, ao mesmo tempo, desviar a atenção de suas próprias barreiras comerciais. A tarifa agrícola média na Índia é de 112%, no Egito, de 62%, e, no Brasil, de 37% -a média americana é de 12%. Suas tarifas médias sobre bens manufaturados são pelo menos dez vezes maiores que a média americana, de 3%. Deveríamos ser capazes de reduzir essas barreiras, protegendo os países mais pobres e fornecendo flexibilidade para sensibilidades especiais nos países maiores.
Depois que os Estados Unidos pressionaram a União Européia a desenvolver um sistema agrícola capaz de efetuar cortes de subsídios agrícolas e tarifas muito superiores aos alcançados na última negociação do comércio global, pedimos que o Brasil e outras potências agrícolas trabalhassem conosco. O Brasil se recusou, voltando-se em vez disso para a Índia, que nunca apoiou a abertura de mercados, como que para enfatizar a divisão norte-sul, e não a reforma agrícola global.
Os países em desenvolvimento menores resistiram à redução das tarifas americanas e européias porque calcularam que perderiam as vantagens oferecidas por programas especiais dos EUA e da UE que eliminam tarifas apenas para suas exportações. Infelizmente, esses bem-intencionados programas de preferência comercial minaram o impulso em direção a aberturas de mão dupla, perpetuando a dependência.
Quatro países africanos insistiram em uma "indenização" de US$ 250 milhões a US$ 1 bilhão anuais e na eliminação unilateral dos subsídios ao algodão. Em 50 anos as negociações do comércio global progrediram porque os países conseguiram negociar cortes em diversos produtos (até em setores) para alcançar um equilíbrio. Os EUA não têm subsídios à exportação de algodão e propuseram a eliminação de todos os subsídios à exportação. Nós nos comprometemos a cortar os subsídios internos ao algodão como parte de um pacote total que também teria reduzido os subsídios ao produto na Europa e na China, juntamente com todos os subsídios agrícolas. Em vez de transformar o algodão em símbolo, queríamos fazer do desenvolvimento uma realidade, por meio de resultados concretos para os produtores, exportadores e fabricantes desse produto, juntamente com todos os agricultores.

Sem negociação
As táticas de confronto incluíram ataque a um dos poucos dispositivos que a OMC pode usar para incentivar seus 148 membros a avançar para consenso: apresentar o texto de um dos presidentes da assembléia para discussão e negociação. O Brasil, a Índia e outros se recusaram até a discutir um texto sobre agricultura esboçado pelo presidente da OMC do Uruguai e enviado pelo diretor-geral da entidade na Tailândia. Mesmo depois de o incansável ministro de Cingapura ter trabalhado com todas as partes para preparar um novo esboço agrícola refletindo um compromisso equilibrado, o Brasil e seus colegas levaram uma lista maciça de exigências de reformas. Se eles pretendiam negociar compromisso para 148 países, perderam a chance de indicar essa intenção. Voltaram para casa sem nenhum corte de subsídios e tarifas.
Ao encerrar a reunião de Cancún, o presidente Derbez pediu que os países reavaliassem as perspectivas até 15 de dezembro. Sabemos muito bem o que os países em desenvolvimento pedem, mas não ouvimos se essas economias mais competitivas cortarão suas elevadas barreiras. Não sabemos se outros países em desenvolvimento que bloquearam a ação em Cancún agora aceitarão pacotes que pedem pouco ou nada deles. Os Estados Unidos continuam prontos a trabalhar com o rascunho em toda a agenda. Enquanto as negociações de Doha se estendem para o próximo ano, porém, reconhecemos que uma nova Comissão Européia poderá refletir perspectivas diferentes.
Muitos países ficaram decepcionados com a transformação da OMC em um fórum para políticas de protesto. Alguns suportaram a pressão de vizinhos maiores em desenvolvimento para se unir à luta. É claro que as posições de negociação diferem. Mas a principal divisão em Cancún foi entre os que querem negociar e os que não querem. Durante dois anos os Estados Unidos se esforçaram para abrir os mercados de modo global, em nosso hemisfério e com sub-regiões ou países individuais. Enquanto os membros da OMC avaliam o futuro, os EUA não vão esperar: vamos avançar para o livre comércio com os que querem.


Robert Zoellick é representante comercial dos EUA.

Tradução de Luiz Roberto Gonçalves


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