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São Paulo, terça-feira, 23 de setembro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Primavera

BENJAMIN STEINBRUCH

Nós, brasileiros, não damos muita bola para as estações do ano, até porque temos sol em todas elas. Nos países mais frios não é bem assim. Durante o inverno, os dias são escuros, tristes, às vezes tenebrosos, propícios apenas à reclusão e à introspecção. Quando chega a primavera, o astral muda totalmente. O sol volta, os dias ficam mais longos e tudo leva à idéia do recomeço.
Aprendemos no colégio que em 23 de setembro dá-se o equinócio. É quando o sol corta exatamente o equador celeste e que, por isso, o dia e a noite têm a mesma duração, 12 horas.
Hoje é o dia do equinócio e do início da primavera. É bom lembrar que a primavera sugere a idéia do recomeço, porque estamos precisando muito disso no país.
O governo Lula tem sido criticado por adotar uma política pouco ativa para estimular o crescimento econômico. Preocupado em mostrar sua seriedade ao mercado, Lula teve um início de mandato marcado por gestão muito mais ortodoxa do que imaginava a maioria de seus eleitores. Por isso, decepcionou a esquerda radical e surpreendeu favoravelmente até os mais conservadores.
Agora, passados quase nove meses desde a posse, é justo reconhecer que o novo governo já acumula um pacote razoável de medidas para estimular a recuperação da atividade econômica.
A principal medida é o corte dos juros. Desde maio, quando a taxa estava em 26,5% ao ano, o Banco Central promoveu quatro reduções seguidas, até chegar aos 20% na última quarta-feira. O corte poderia ter sido maior, porque os juros reais estão ainda elevadíssimos, entre 12% e 14%, dependendo da expectativa que se tem da inflação futura. Mas a diminuição acumulada já é de 6,5 pontos.
À redução dos juros, medida fundamental, juntam-se outras auxiliares. Em agosto, o compulsório dos bancos foi cortado de 60% para 45%, o que teoricamente colocaria R$ 8 bilhões em circulação na economia. Medidas de incentivo ao microcrédito liberaram mais R$ 4 bilhões em junho. Outros R$ 7 bilhões saíram via FGTS, por conta de acordo firmado no governo passado. A Caixa Econômica Federal abriu crédito para a baixa renda. O IPI dos automóveis até 2.000 cc foi reduzido. Na semana passada, a Caixa e o Banco do Brasil passaram a oferecer recursos do FAT para financiar eletrodomésticos com juros de 2,5% ao mês. E saiu a regulamentação que permite aos bancos descontar da folha de pagamentos empréstimos concedidos a empregados de empresas, uma novidade que pode movimentar R$ 20 bilhões em financiamentos, segundo estimativa do Ministério da Fazenda.
A observação de estatísticas sugere que, apesar de tudo isso, não deu resultado. Até onde se sabe, o consumo continua muito retraído, os estoques, elevados, e a produção da indústria e o emprego, em queda.
É indiscutível. Pela dose insuficiente ou pela administração recente, os remédios anti-recessão ainda não surtiram efeito. Mas não se pode negar que a postura do governo evoluiu bastante em relação à atitude tímida e retranqueira do início de mandato em matéria de estímulo ao crescimento.
Se o governo persistir nesse caminho, certamente acabará colocando a economia no rumo do crescimento. Há várias medidas ainda necessárias, como um acordo menos restritivo com o FMI, a conclusão das reformas, o destravamento do crédito imobiliário, a nova lei de falências e as políticas favoráveis aos grandes investimentos dos setores competitivos.
Não se pode voltar atrás, nem na sequência de cortes de juros nem nas medidas auxiliares de apoio ao crédito e estímulo ao consumo. O tenebroso inverno, que começou nas incertezas eleitorais do ano passado e se prolongou nos meses de afirmação da nova gestão econômica, já foi deixado para trás. Que venha, então, a primavera.


Benjamin Steinbruch, 50, empresário, é presidente do conselho de administração da Companhia Siderúrgica Nacional.

E-mail - bvictoria@psi.com.br


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