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ESTRATÉGIA
Líder mundial do setor, empresa americana enfrenta novos concorrentes num mercado com rivalidade maior
Fotografia digital força mudança da Kodak
ERIC LESER
DO "MONDE"
A líder mundial da fotografia está realizando uma virada estratégica, em marcha forçada. Demitiu
15 mil funcionários em todo o
mundo e investe maciçamente na
tecnologia digital. No novo mercado, muito disputado, a líder histórica se tornou apenas mais um
concorrente. Fundada no século
19, a Eastman Kodak, gigante norte-americana da fotografia, precisa enfrentar um desafio estratégico, com a ascensão da foto digital.
Hoje em dia, a venda de câmeras digitais supera a de câmeras
tradicionais (com filme). No
mundo, explode a comercialização de celulares dotados de câmeras fotográficas. Diante dessa revolução tecnológica, a Kodak teve
de rever inteiramente seu modelo
econômico. O grupo anunciou
em janeiro um plano de reestruturação, com o corte de 15 mil
postos de trabalho no mundo, 270
dos quais em sua fábrica francesa,
em Chalon-sur-Saone. A Kodak
passou a sofrer concorrência de
empresas oriundas dos setores de
eletrônica, informática e telecomunicação. Além da fotografia, a
televisão, os aparelhos de som e os
de imagem também viveram uma
ruptura tecnológica.
A Kodak obterá a maior parte
de seu faturamento em 2005, cerca de US$ 7 bilhões, com a fotografia digital, anunciou Daniel
Carp, presidente-executivo do
grupo que, no final do século 19,
inventou a fotografia ao alcance
de todos, em 22 de setembro.
A maior fabricante mundial de
filmes antecipa vendas de US$ 13
bilhões em produtos e serviços de
imagem digital, em 2007. A empresa volta a se sentir otimista, de
alguma forma, 12 meses depois de
iniciada a "maior virada de sua
história", nas palavras de Carp.
Em setembro de 2003, o grupo
Eastman Kodak (do nome de seu
fundador, George Eastman),
anunciou o abandono de todo o
seu investimento em filme, a eliminação de 15 mil postos de trabalho em todo o mundo (ante
uma força de 64 mil funcionários)
e investimento maciço na tecnologia digital.
A empresa cortou seus dividendos em 72%, a fim de dedicar US$
3 bilhões adicionais à nova tecnologia. As ações da Kodak caíram
50%, em 2003, e reconquistaram
25% neste ano. "Se o declínio do
filme se acelerar, nós voltaremos a
adaptar os nossos custos", explica
Carp. Essa é a chave para permitir
que a atividade tradicional do
grupo se estabilize, liberando verbas para investimento em tecnologia digital, e encontrando o sucesso na transição. No mundo, as
vendas de filmes vêm caindo entre 10% e 15% ao ano, e a Kodak
não tem escolha.
A empresa enfrentou uma virada sem paralelos em seu percurso:
a passagem, em menos de dez
anos, da fotografia química para a
fotografia digital, ou seja, da química do século 19 para a eletrônica do século 21.
Ao fazer esforços consideráveis,
sacrificando margens de lucros, o
grupo norte-americano conseguiu se transformar hoje no segundo maior vendedor mundial
de câmeras digitais, atrás da Sony
e pouco à frente da Canon e da
Olympus.
Facilidade
A fotografia digital oferece inúmeras vantagens ao consumidor.
Parece mais fácil, e apresenta resultados imediatos. O sucesso da
tecnologia acarretou, nos últimos
anos, uma queda nas vendas de
material fotográfico tradicional.
Um segundo choque está em
curso, o das câmeras digitais integradas a celulares. A qualidade
ainda é medíocre mas não por
muito tempo.
Se a tecnologia mudou, as exigências dos consumidores se
mantiveram as mesmas, já há
mais de cem anos. A
fotografia tem sempre a mesma
função: conservar uma lembrança visual das pessoas, lugares e
eventos queridos. Ao analisar essas necessidades, o fundador da
Kodak, George Eastman, criou
um modelo econômico sob o qual
sua empresa ocuparia posição
central. Ela vendia câmeras, mas,
especialmente, os suprimentos
consumíveis, como filmes, papel
fotográfico, produtos químicos,
serviços de revelação. Com a fotografia digital, o modelo econômico criado por ele naufragou.
A Kodak se tornou mais um
concorrente em meio a muitos.
Precisa enfrentar novos rivais,
provenientes de mercados diferentes, como a telecomunicação,
a informática e os bens eletrônicos de consumo (Nokia, Hewlett-Packard, Sony).
Outros adversários da Kodak
são os grupos que já operam no
setor de vídeo, como a Matsushita-Panasonic, Canon e, outra vez,
Sony. As tecnologias da fotografia
digital são muito próximas das
usadas no vídeo digital.
A Kodak não atua em todos os
domínios. Vende câmeras ao público, serviços via internet e certos
produtos de consumo, como papel fotográfico. Também desenvolveu quiosques que permitem
imprimir álbuns com fotografias
digitais.
O grupo vem multiplicando
seus esforços, realizando numerosas aquisições nos últimos
anos, nem sempre bem sucedidas. Por exemplo, suas tentativas
de penetrar o mercado profissional e vender câmeras digitais de
topo de linha, concorrendo com a
Canon e a Nikon, fracassou.
Por outro lado, a Kodak ocupa
posição privilegiada no setor de
imagens médicas digitais, que responde por 18% de seu faturamento. Se o grupo provou que é capaz
de se adaptar, ainda assim enfrenta situação perigosa.
Os analistas financeiros de Wall
Street estimam que a queda da fotografia química, ainda a principal fonte de receita do grupo, vai
se acelerar. A Kodak não tem
muito tempo para ganhar posição
de destaque no mercado da fotografia digital.
Os mercados emergentes, como
a Índia e a China, são vistos pela
empresa como "fontes de crescimento" para a fotografia química,
que continua a ser mais barata
que a digital. Mas os novos consumidores integram gerações afeitas à tecnologia, e adquiriram telefones celulares, por exemplo,
sem nunca terem comprado linhas fixas.
Preços inferiores
Para continuar existindo, a Kodak adotou preços inferiores aos
de seus concorrentes. Os novos
modelos EasyShare são vendidos
nos Estados Unidos por menos de
US$ 300, enquanto as câmeras
comparáveis da Nikon e da Canon custam entre US$ 400 e US$
500. Mas a Kodak não lucra quase
nada com essas câmeras.
Farejando um bom negócio, o
bilionário investidor Carl Icahn,
conhecido "predador" das Bolsas,
vem adquirindo ações da Kodak
regularmente. Se o grupo obtiver
sucesso em sua transição, Icahn se
sairá bem em seu investimento.
Se os executivos do grupo fracassarem em seus planos, Icahn poderia forçar o grupo a separar as
atividades de fotografia química,
mais lucrativas se bem que em declínio, e as de fotografia digital.
O valor somado das duas metades da empresa pode ser maior
que o da Kodak como um todo.
Mas isso seria o fim do grupo fundado por George Eastman, que
revolucionou nossa maneira de
ver o mundo.
Tradução de Paulo Migliacci
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