São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

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ESTRATÉGIA

Líder mundial do setor, empresa americana enfrenta novos concorrentes num mercado com rivalidade maior

Fotografia digital força mudança da Kodak

ERIC LESER
DO "MONDE"

A líder mundial da fotografia está realizando uma virada estratégica, em marcha forçada. Demitiu 15 mil funcionários em todo o mundo e investe maciçamente na tecnologia digital. No novo mercado, muito disputado, a líder histórica se tornou apenas mais um concorrente. Fundada no século 19, a Eastman Kodak, gigante norte-americana da fotografia, precisa enfrentar um desafio estratégico, com a ascensão da foto digital.
Hoje em dia, a venda de câmeras digitais supera a de câmeras tradicionais (com filme). No mundo, explode a comercialização de celulares dotados de câmeras fotográficas. Diante dessa revolução tecnológica, a Kodak teve de rever inteiramente seu modelo econômico. O grupo anunciou em janeiro um plano de reestruturação, com o corte de 15 mil postos de trabalho no mundo, 270 dos quais em sua fábrica francesa, em Chalon-sur-Saone. A Kodak passou a sofrer concorrência de empresas oriundas dos setores de eletrônica, informática e telecomunicação. Além da fotografia, a televisão, os aparelhos de som e os de imagem também viveram uma ruptura tecnológica.
A Kodak obterá a maior parte de seu faturamento em 2005, cerca de US$ 7 bilhões, com a fotografia digital, anunciou Daniel Carp, presidente-executivo do grupo que, no final do século 19, inventou a fotografia ao alcance de todos, em 22 de setembro.
A maior fabricante mundial de filmes antecipa vendas de US$ 13 bilhões em produtos e serviços de imagem digital, em 2007. A empresa volta a se sentir otimista, de alguma forma, 12 meses depois de iniciada a "maior virada de sua história", nas palavras de Carp.
Em setembro de 2003, o grupo Eastman Kodak (do nome de seu fundador, George Eastman), anunciou o abandono de todo o seu investimento em filme, a eliminação de 15 mil postos de trabalho em todo o mundo (ante uma força de 64 mil funcionários) e investimento maciço na tecnologia digital.
A empresa cortou seus dividendos em 72%, a fim de dedicar US$ 3 bilhões adicionais à nova tecnologia. As ações da Kodak caíram 50%, em 2003, e reconquistaram 25% neste ano. "Se o declínio do filme se acelerar, nós voltaremos a adaptar os nossos custos", explica Carp. Essa é a chave para permitir que a atividade tradicional do grupo se estabilize, liberando verbas para investimento em tecnologia digital, e encontrando o sucesso na transição. No mundo, as vendas de filmes vêm caindo entre 10% e 15% ao ano, e a Kodak não tem escolha.
A empresa enfrentou uma virada sem paralelos em seu percurso: a passagem, em menos de dez anos, da fotografia química para a fotografia digital, ou seja, da química do século 19 para a eletrônica do século 21.
Ao fazer esforços consideráveis, sacrificando margens de lucros, o grupo norte-americano conseguiu se transformar hoje no segundo maior vendedor mundial de câmeras digitais, atrás da Sony e pouco à frente da Canon e da Olympus.

Facilidade
A fotografia digital oferece inúmeras vantagens ao consumidor. Parece mais fácil, e apresenta resultados imediatos. O sucesso da tecnologia acarretou, nos últimos anos, uma queda nas vendas de material fotográfico tradicional.
Um segundo choque está em curso, o das câmeras digitais integradas a celulares. A qualidade ainda é medíocre mas não por muito tempo.
Se a tecnologia mudou, as exigências dos consumidores se mantiveram as mesmas, já há mais de cem anos. A
fotografia tem sempre a mesma função: conservar uma lembrança visual das pessoas, lugares e eventos queridos. Ao analisar essas necessidades, o fundador da Kodak, George Eastman, criou um modelo econômico sob o qual sua empresa ocuparia posição central. Ela vendia câmeras, mas, especialmente, os suprimentos consumíveis, como filmes, papel fotográfico, produtos químicos, serviços de revelação. Com a fotografia digital, o modelo econômico criado por ele naufragou.
A Kodak se tornou mais um concorrente em meio a muitos. Precisa enfrentar novos rivais, provenientes de mercados diferentes, como a telecomunicação, a informática e os bens eletrônicos de consumo (Nokia, Hewlett-Packard, Sony).
Outros adversários da Kodak são os grupos que já operam no setor de vídeo, como a Matsushita-Panasonic, Canon e, outra vez, Sony. As tecnologias da fotografia digital são muito próximas das usadas no vídeo digital.
A Kodak não atua em todos os domínios. Vende câmeras ao público, serviços via internet e certos produtos de consumo, como papel fotográfico. Também desenvolveu quiosques que permitem imprimir álbuns com fotografias digitais.
O grupo vem multiplicando seus esforços, realizando numerosas aquisições nos últimos anos, nem sempre bem sucedidas. Por exemplo, suas tentativas de penetrar o mercado profissional e vender câmeras digitais de topo de linha, concorrendo com a Canon e a Nikon, fracassou.
Por outro lado, a Kodak ocupa posição privilegiada no setor de imagens médicas digitais, que responde por 18% de seu faturamento. Se o grupo provou que é capaz de se adaptar, ainda assim enfrenta situação perigosa.
Os analistas financeiros de Wall Street estimam que a queda da fotografia química, ainda a principal fonte de receita do grupo, vai se acelerar. A Kodak não tem muito tempo para ganhar posição de destaque no mercado da fotografia digital.
Os mercados emergentes, como a Índia e a China, são vistos pela empresa como "fontes de crescimento" para a fotografia química, que continua a ser mais barata que a digital. Mas os novos consumidores integram gerações afeitas à tecnologia, e adquiriram telefones celulares, por exemplo, sem nunca terem comprado linhas fixas.

Preços inferiores
Para continuar existindo, a Kodak adotou preços inferiores aos de seus concorrentes. Os novos modelos EasyShare são vendidos nos Estados Unidos por menos de US$ 300, enquanto as câmeras comparáveis da Nikon e da Canon custam entre US$ 400 e US$ 500. Mas a Kodak não lucra quase nada com essas câmeras.
Farejando um bom negócio, o bilionário investidor Carl Icahn, conhecido "predador" das Bolsas, vem adquirindo ações da Kodak regularmente. Se o grupo obtiver sucesso em sua transição, Icahn se sairá bem em seu investimento. Se os executivos do grupo fracassarem em seus planos, Icahn poderia forçar o grupo a separar as atividades de fotografia química, mais lucrativas se bem que em declínio, e as de fotografia digital.
O valor somado das duas metades da empresa pode ser maior que o da Kodak como um todo. Mas isso seria o fim do grupo fundado por George Eastman, que revolucionou nossa maneira de ver o mundo.


Tradução de Paulo Migliacci

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