São Paulo, sábado, 23 de novembro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Política externa não deve mudar

GESNER OLIVEIRA

Retórica à parte, é razoável supor que prevaleça a continuidade nos principais aspectos da política econômica externa do país.
Tal suposição poderia parecer surpreendente diante da proposta do presidente eleito Lula de criação de um Parlamento das Américas, o que ainda não havia sido cogitado no debate.
A referida proposição feita na quarta-feira em um encontro informal com congressistas dos países-membros da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) atropelaria a evolução natural da integração nas Américas. Se implementada, representaria algo muito mais ambicioso do que a negociação da Alca em seus termos atuais.
Isso porque a proposta atual da Alca se restringe à criação de uma área de livre comércio. Esta última consiste em um bloco dentro do qual há livre circulação de bens e serviços sem a aplicação de alíquotas de importação. Contudo na área de livre comércio cada país-membro mantém suas próprias políticas nacionais, inclusive suas próprias estruturas de tarifas de comércio exterior em relação a terceiros países.
Nesse sentido, a Alca constitui projeto de integração menos ambicioso do que o projeto do Mercosul de manter uma mesma estrutura tarifária para terceiros países, a chamada TEC (Tarifa Externa Comum). O Mercosul constitui, assim, uma união aduaneira ou união tarifária, isto é, uma região na qual há liberdade de circulação de mercadorias e uma política comercial comum.
Note-se que em nenhum dos casos, nem em uma área de livre comércio nem em uma união aduaneira, se cogita a hipótese de supranacionalidade, isto é, da existência de instâncias de decisão do bloco que sejam superiores hierarquicamente às nacionais. Isso só se torna possível com o aprofundamento do processo de integração em direção a um mercado comum.
Neste último, além da liberdade de circulação de mercadorias e da existência de uma tarifa externa comum, ocorre a livre movimentação dos fatores de produção. Não apenas do capital mas também da mão-de-obra -sempre tão hostilizada pela polícia de imigração dos Estados Unidos.
A integração se completa com a formação de uma união monetária, na qual os membros adotam uma mesma moeda e consequentemente uma mesma política monetária, regida por uma autoridade comum, como a do Banco Central Europeu.
A supranacionalidade faz sentido apenas em estágios mais avançados de integração, supondo-se pelo menos a existência de um mercado comum. Assim, um Parlamento das Américas com capacidade deliberativa não estaria no horizonte. A não ser, é claro, que venha a constituir fórum de discussão como outros que já existem.
As assimetrias entre os países da Alca recomendam um processo mais lento, que exigirá harmonização das legislações e um período de transição a fim de preparar os vários segmentos para um maior grau de competição. E certamente muita negociação interdependente com aquilo que estiver em pauta na Rodada Doha no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio) e no acordo Mercosul/União Européia.
Diferentemente do processo de abertura da economia brasileira, que ocorreu simultaneamente à Rodada Uruguai (1986-94), o próximo ciclo de abertura não terá caráter unilateral. Será fruto de complexas negociações em múltiplas frentes. Não parece haver, portanto, margem para guinadas em relação às políticas adotadas pelo atual governo.


Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia (Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.

Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br


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