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OPINIÃO ECONÔMICA
Política externa não deve mudar
GESNER OLIVEIRA
Retórica à parte, é razoável
supor que prevaleça a continuidade nos principais aspectos
da política econômica externa do
país.
Tal suposição poderia parecer
surpreendente diante da proposta
do presidente eleito Lula de criação de um Parlamento das Américas, o que ainda não havia sido
cogitado no debate.
A referida proposição feita na
quarta-feira em um encontro informal com congressistas dos países-membros da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) atropelaria a evolução natural da integração nas Américas. Se implementada, representaria algo muito mais ambicioso do que a negociação da Alca em seus termos
atuais.
Isso porque a proposta atual da
Alca se restringe à criação de uma
área de livre comércio. Esta última consiste em um bloco dentro
do qual há livre circulação de
bens e serviços sem a aplicação de
alíquotas de importação. Contudo na área de livre comércio cada
país-membro mantém suas próprias políticas nacionais, inclusive suas próprias estruturas de tarifas de comércio exterior em relação a terceiros países.
Nesse sentido, a Alca constitui
projeto de integração menos ambicioso do que o projeto do Mercosul de manter uma mesma estrutura tarifária para terceiros
países, a chamada TEC (Tarifa
Externa Comum). O Mercosul
constitui, assim, uma união
aduaneira ou união tarifária, isto
é, uma região na qual há liberdade de circulação de mercadorias e
uma política comercial comum.
Note-se que em nenhum dos casos, nem em uma área de livre comércio nem em uma união aduaneira, se cogita a hipótese de supranacionalidade, isto é, da existência de instâncias de decisão do
bloco que sejam superiores hierarquicamente às nacionais. Isso
só se torna possível com o aprofundamento do processo de integração em direção a um mercado
comum.
Neste último, além da liberdade
de circulação de mercadorias e da
existência de uma tarifa externa
comum, ocorre a livre movimentação dos fatores de produção.
Não apenas do capital mas também da mão-de-obra -sempre
tão hostilizada pela polícia de
imigração dos Estados Unidos.
A integração se completa com a
formação de uma união monetária, na qual os membros adotam
uma mesma moeda e consequentemente uma mesma política monetária, regida por uma autoridade comum, como a do Banco
Central Europeu.
A supranacionalidade faz sentido apenas em estágios mais avançados de integração, supondo-se
pelo menos a existência de um
mercado comum. Assim, um Parlamento das Américas com capacidade deliberativa não estaria
no horizonte. A não ser, é claro,
que venha a constituir fórum de
discussão como outros que já
existem.
As assimetrias entre os países da
Alca recomendam um processo
mais lento, que exigirá harmonização das legislações e um período de transição a fim de preparar
os vários segmentos para um
maior grau de competição. E certamente muita negociação interdependente com aquilo que estiver em pauta na Rodada Doha no
âmbito da OMC (Organização
Mundial do Comércio) e no acordo Mercosul/União Européia.
Diferentemente do processo de
abertura da economia brasileira,
que ocorreu simultaneamente à
Rodada Uruguai (1986-94), o próximo ciclo de abertura não terá
caráter unilateral. Será fruto de
complexas negociações em múltiplas frentes. Não parece haver,
portanto, margem para guinadas
em relação às políticas adotadas
pelo atual governo.
Gesner Oliveira, 46, é doutor em economia pela Universidade da Califórnia
(Berkeley), professor da FGV-EAESP, sócio-diretor da Tendências e ex-presidente do Cade.
Internet: www.gesneroliveira.com.br
E-mail - gesner@fgvsp.br
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