São Paulo, terça-feira, 23 de novembro de 2004

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VISITA

Apesar de troca de elogios e apoio ao Brasil na ONU, presença de líder russo em Brasília não resolve maior contencioso comercial

Putin vê Lula e mantém embargo à carne

Lula Marques/Folha Imagem
Os presidentes Vladimir Putin (à esquerda) e Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia no Palácio do Planalto antes de almoço


ANDRÉ SOLIANI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A primeira visita de um chefe de Estado russo ao Brasil -do presidente Vladimir Putin- não resolveu o principal contencioso comercial entre os dois países: as exportações de carne brasileira. Putin viajou ontem à tarde para o Rio sem ter anunciado o fim do embargo ao produto brasileiro, imposto em setembro.
Os negociadores brasileiros também não conseguiram arrancar dos russos uma autorização para vender maiores quantidades de carne por ano. A maior parte -quase 80%- das cotas de carne do mercado russo foram entregues aos Estados Unidos e à União Européia. "A negociação continua", afirmou o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Marcio Fortes. Na avaliação do governo, as conversas estão bem encaminhadas.
"Não havia expectativa de que isso seria resolvido agora. Há continuidade de entendimentos, uma disposição nesse sentido", afirmou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
Em setembro, após a constatação de um foco de febre aftosa no Amazonas, a Rússia suspendeu a importação de carnes do Brasil. Dos US$ 2,055 bilhões que o país exportou para os russos, em 2003, quase 40% foram em carnes. A Rússia é o principal importador de carne suína do Brasil.
Na semana passada, num gesto considerado de boa vontade, a Rússia chegou a anunciar que havia liberado as exportações de carne de Santa Catarina. Ela manteve, no entanto, o embargo para o resto do país e enviou um missão veterinária, que ainda está no Brasil, para estudar o fim do embargo para os demais Estados.
Na última sexta-feira, por meio de nota, o ministro Roberto Rodrigues (Agricultura) chegou a dizer que não havia mais motivos para a manutenção do embargo, pois todas as questões técnicas já haviam sido resolvidas. O governo brasileiro argumenta que o foco da doença foi numa região fisicamente isolada dos centros exportadores e considerada pelas próprias autoridades do Brasil como de risco para febre aftosa.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a usar um mapa para mostrar a Putin a distância entre o foco da doença e as regiões exportadores. A expectativa da Agricultura é que, na próxima semana, após mais inspeções veterinárias, os russos decidam suspender o embargo. Essa foi a segunda vez no ano que a Rússia proibiu a importação de carne brasileira pelo mesmo motivo. A primeira durou menos de um mês.
No comunicado conjunto assinado pelos presidentes, o Brasil só conseguiu um compromisso para "intensificar os esforços com vistas a encontrar soluções mutuamente aceitáveis". Esse item, no entanto, não trata só das carnes. Fala também sobre a importação de trigo da Rússia, hoje proibida por questões sanitárias.
Os russos também deixaram Brasília sem conseguir nenhum tipo de compromisso sobre a compra dos caças russos Sukhoi pela Aeronáutica. Putin mencionou o assunto com Lula, que se limitou a dizer que o tema estava em análise. O brasileiro sinalizou que a decisão sobre a compra dos caças -um negócio de US$ 700 milhões- deverá ficar para 2005.
A mesma sinalização foi dada pelo vice-presidente e ministro da Defesa, José Alencar, ao afirmar ontem que o Brasil não tem pressa em definir a compra dos caças

Política
Apesar das dificuldades nas questões comerciais, as relações políticas entre os dois países vivem um excelente momento. No comunicado conjunto, Putin voltou a reiterar o seu apoio ao anseio do Brasil de se tornar membro permanente do Conselho de Segurança da ONU após reforma da instituição. Putin também elogiou a iniciativa de combate à fome mundial de Lula.
O governo brasileiro, por sua vez, voltou a dizer que é favorável à entrada da Rússia na OMC (Organização Mundial do Comércio). Na opinião de Marco Aurélio Garcia, assessor internacional de Lula, a entrada da Rússia poderá resolver o problema das cotas de carne para o Brasil, pois as restrições quantitativas ao mercado russo poderiam acabar.
No Planalto, durante o discurso de recepção a Putin, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, "na área comercial, as perspectivas são promissoras". O desempenho das economias do Brasil e da Rússia criam novas oportunidades de negócios, afirmou.
Segundo Lula, neste ano o intercâmbio comercial entre os dois países ultrapassará, pela primeira, vez US$ 2 bilhões. "Concordamos em usar o excelente entendimento entre o Brasil e a Rússia nos foros internacionais para promover regimes multilaterais políticos e econômicos mais representativos dos interesses da comunidade de nações", afirmou Lula.


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