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OPINIÃO ECONÔMICA
O Mercosul tem futuro
MAILSON DA NÓBREGA
O Brasil recebeu por estes dias
a visita do ministro das Relações
Exteriores da Argentina, Adalberto Giavarini, e do comissário
de Comércio Internacional da
União Européia, Pascal Lamy,
que exerce um cargo equivalente
ao de ministro de Estado.
Participei de encontros com essas personalidades, às quais externei meu otimismo quanto ao
futuro do Mercosul, sem desconhecer seus imensos desafios.
O Mercosul guarda marcantes
diferenças com outras experiências de integração na América
Latina, lideradas por diplomatas
e burocratas dos ministérios econômicos.
O Mercosul, como lembrou o
ex-ministro Marcílio Marques
Moreira em um desses encontros,
resultou da primeira experiência
latino-americana de diplomacia
presidencial. Começou a nascer
em 1986 com os presidentes Sarney e Alfonsín.
Os dois chefes de Estado venceram resistências internas e assinaram um histórico acordo, ao
qual aderiria mais tarde o Uruguai, com o presidente Sanguinetti. Décadas de desconfiança
mútua foram deixadas para trás.
Em apenas quatro anos, o
acordo desembocou no Tratado
de Assunção, de 1990, marco institucional do Mercosul. Sarney e
Alfonsín já haviam cumprido
seus mandatos, deixado sua
inestimável contribuição ao processo de integração regional.
Fui parte, como ministro da
Fazenda, de algumas das negociações que precederam o Mercosul, nas quais o entusiasmo das
delegações superava a improvisação e as dúvidas próprias dos
começos.
O Mercosul é o primeiro esforço
de integração regional no qual as
conexões do mundo dos negócios
-cruciais para o seu florescimento- derivam do interesse
direto de empresas privadas, nacionais e multinacionais.
O Mercosul está sendo construído em momento único. Todos os seus Estados-membros vivem sólidas experiências democráticas, operam economias cada vez mais abertas, dão prioridade ao controle da inflação e à
responsabilidade fiscal, reformam o setor público e se orientam crescentemente pelo mercado.
O Mercosul já tem inúmeros
feitos a comemorar, apesar de
sua tenra idade. O comércio na
região quadruplicou. Aumentou
substancialmente o investimento
de empresas de um país em outras da região, particularmente
brasileiras e argentinas.
As resistências à integração se
reduziram. O Rio Grande do Sul,
onde líderes ligados à agricultura previam o apocalipse, se considera hoje, com razão, o centro
geográfico do Mercosul e se prepara para aproveitar as oportunidades que daí decorrem.
As empresas exportadoras assimilaram a idéia de uma integração permanente. Vender e comprar no Mercosul se tornou peça
natural de seu planejamento estratégico. Já se discute a integração dos mercados de capitais da
região.
Os presidentes do Brasil, da Argentina e do Uruguai tiveram recentemente participação decisiva no processo que evitou a deposição de um presidente eleito no
Paraguai. Dificilmente isso teria
ocorrido sem o Mercosul.
A visita dos presidentes Sarney
e Alfonsín às instalações nucleares de lá e daqui foi uma ação de
grande valor simbólico. Sinalizou o fim de anos de preparação
para a guerra, alimentada por
visões de segurança nacional dos
militares dos dois países.
Manobras militares conjuntas,
impensáveis antes do início desse
novo processo de integração, se
tornaram rotina. Brasil e Argentina reduziram seus "esforços" de
guerra, liberando recursos para
aplicação em projetos de maior
interesse social.
O otimismo é tanto que às vezes beira ao exagero. É o caso da
proposta de uma moeda única,
defendida pelo ex-presidente
Menem e tida como possível a
curto prazo por empresários da
região. A meu ver, levaremos de
10 a 15 anos até criarmos as condições necessárias para viabilizar esse passo.
A dificuldade de encontrar
uma saída satisfatória para o regime cambial argentino continua sendo um problema sério,
que se agravou com a desvalorização do real.
Apesar das tensões adicionais
criadas com a flutuação cambial
brasileira, as autoridades do
Brasil e da Argentina têm reafirmado seu compromisso com a
continuidade da integração.
Na opinião do comissário
Lamy, antes do euro a União Européia dificilmente teria se mantido unida diante de um choque
dessa magnitude. É mais uma
prova da resistência da idéia da
integração via Mercosul.
Não se devem desprezar os inúmeros obstáculos a vencer no caminho da consolidação do Mercosul. Até aqui, no entanto, tudo
indica que ele veio para ficar. Seu
destino é expandir-se com a breve adesão, como membros, do
Chile e da Bolívia.
Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da
Fazenda (governo José Sarney), sócio da
Tendências Consultoria Integrada, escreve
às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail: mailson@palavra.inf.br
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