São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2000


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OPINIÃO ECONÔMICA

O Mercosul tem futuro

MAILSON DA NÓBREGA

O Brasil recebeu por estes dias a visita do ministro das Relações Exteriores da Argentina, Adalberto Giavarini, e do comissário de Comércio Internacional da União Européia, Pascal Lamy, que exerce um cargo equivalente ao de ministro de Estado.
Participei de encontros com essas personalidades, às quais externei meu otimismo quanto ao futuro do Mercosul, sem desconhecer seus imensos desafios.
O Mercosul guarda marcantes diferenças com outras experiências de integração na América Latina, lideradas por diplomatas e burocratas dos ministérios econômicos.
O Mercosul, como lembrou o ex-ministro Marcílio Marques Moreira em um desses encontros, resultou da primeira experiência latino-americana de diplomacia presidencial. Começou a nascer em 1986 com os presidentes Sarney e Alfonsín.
Os dois chefes de Estado venceram resistências internas e assinaram um histórico acordo, ao qual aderiria mais tarde o Uruguai, com o presidente Sanguinetti. Décadas de desconfiança mútua foram deixadas para trás.
Em apenas quatro anos, o acordo desembocou no Tratado de Assunção, de 1990, marco institucional do Mercosul. Sarney e Alfonsín já haviam cumprido seus mandatos, deixado sua inestimável contribuição ao processo de integração regional.
Fui parte, como ministro da Fazenda, de algumas das negociações que precederam o Mercosul, nas quais o entusiasmo das delegações superava a improvisação e as dúvidas próprias dos começos.
O Mercosul é o primeiro esforço de integração regional no qual as conexões do mundo dos negócios -cruciais para o seu florescimento- derivam do interesse direto de empresas privadas, nacionais e multinacionais.
O Mercosul está sendo construído em momento único. Todos os seus Estados-membros vivem sólidas experiências democráticas, operam economias cada vez mais abertas, dão prioridade ao controle da inflação e à responsabilidade fiscal, reformam o setor público e se orientam crescentemente pelo mercado.
O Mercosul já tem inúmeros feitos a comemorar, apesar de sua tenra idade. O comércio na região quadruplicou. Aumentou substancialmente o investimento de empresas de um país em outras da região, particularmente brasileiras e argentinas.
As resistências à integração se reduziram. O Rio Grande do Sul, onde líderes ligados à agricultura previam o apocalipse, se considera hoje, com razão, o centro geográfico do Mercosul e se prepara para aproveitar as oportunidades que daí decorrem.
As empresas exportadoras assimilaram a idéia de uma integração permanente. Vender e comprar no Mercosul se tornou peça natural de seu planejamento estratégico. Já se discute a integração dos mercados de capitais da região.
Os presidentes do Brasil, da Argentina e do Uruguai tiveram recentemente participação decisiva no processo que evitou a deposição de um presidente eleito no Paraguai. Dificilmente isso teria ocorrido sem o Mercosul.
A visita dos presidentes Sarney e Alfonsín às instalações nucleares de lá e daqui foi uma ação de grande valor simbólico. Sinalizou o fim de anos de preparação para a guerra, alimentada por visões de segurança nacional dos militares dos dois países.
Manobras militares conjuntas, impensáveis antes do início desse novo processo de integração, se tornaram rotina. Brasil e Argentina reduziram seus "esforços" de guerra, liberando recursos para aplicação em projetos de maior interesse social.
O otimismo é tanto que às vezes beira ao exagero. É o caso da proposta de uma moeda única, defendida pelo ex-presidente Menem e tida como possível a curto prazo por empresários da região. A meu ver, levaremos de 10 a 15 anos até criarmos as condições necessárias para viabilizar esse passo.
A dificuldade de encontrar uma saída satisfatória para o regime cambial argentino continua sendo um problema sério, que se agravou com a desvalorização do real.
Apesar das tensões adicionais criadas com a flutuação cambial brasileira, as autoridades do Brasil e da Argentina têm reafirmado seu compromisso com a continuidade da integração.
Na opinião do comissário Lamy, antes do euro a União Européia dificilmente teria se mantido unida diante de um choque dessa magnitude. É mais uma prova da resistência da idéia da integração via Mercosul.
Não se devem desprezar os inúmeros obstáculos a vencer no caminho da consolidação do Mercosul. Até aqui, no entanto, tudo indica que ele veio para ficar. Seu destino é expandir-se com a breve adesão, como membros, do Chile e da Bolívia.


Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail: mailson@palavra.inf.br



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