São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2000


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LUÍS NASSIF

O MEC e os softwares

O Ministério da Educação está jogando no mínimo R$ 100 milhões pela janela, em sua política de compra de softwares. O episódio da compra de softwares para aparelhar a rede pública de ensino básico -dentro do programa Proinfo- é a prova mais contundente da importância de que seja criada rapidamente uma política de software para a área pública, para impedir a queima de dinheiro.
Em 1998, o MEC assinou com a TBA -representante da Microsoft em Brasília e politicamente muito influente- contrato para a aquisição de 100 mil licenças de Office da empresa para colocar nos computadores da rede pública. Não houve licitação, sob a alegação de "falta de similar" -quando existem programas similares da Sun (StarOffice), da Lotus (SmartSuite) e da Corel. Houve murmúrios na imprensa e o processo foi interrompido. Mas 30 mil cópias já tinham sido adquiridas pela Secretaria de Educação à Distância do MEC quando, no ano passado, houve um conjunto de ações simultâneas na área de ensino. Numa ponta, uma fortíssima ofensiva da Microsoft, por meio da Abes (Associação Brasileira de Empresas de Software), visando a legalização de softwares. Foi um jogo pesado, beirando o terrorismo, com ameaças de prisão para quem utilizasse softwares piratas. O alvo prioritário da campanha foram as Ifes (Instituições Federais de Ensino Superior) -tanto as universidades quanto os Centros Tecnológicos Federais (Cefets).
Aproveitando a brecha, a Lotus e a Sun procuraram universidades com uma proposta: o StarOffice e o Linux (sistema operacional rival do Windows e do NT) eram oferecidos de graça pela Sun; já a Lotus oferecia a plataforma Lotus completa, mais o SmartSuite, por R$ 15 o aluno. Em setembro de 1999 a proposta da Lotus foi apresentada ao Conselho Nacional dos Centros Tecnológicos, aprovada pelos diretores técnicos. Foi marcada uma reunião em Brasília, para a formalização do contrato.
Na reunião, contudo, as negociações foram interrompidas pelo secretário-geral do MEC, Luciano Oliva Patrício, que diz que o caso já estaria resolvido com a TBA. Bastaria cada Cefet apresentar nos dias seguintes uma relação de todos os softwares ilegais para imediatamente o MEC providenciar a legalização, dentro do contrato firmado com a TBA, para o Proinfo -que dispunha de 70 mil softwares encalhados. Não havia sequer a atualização de softwares nem a entrega de CDs com o Office. A TBA oferecia apenas um documento legalizando o software e imediatamente receberia o pagamento do MEC.
No mesmo movimento, o MEC abriu para as universidades a possibilidade de entrar embaixo do guarda-chuva do contrato com a TBA, mas aí pagando com seus próprios recursos. Cada cópia do Office sairia por R$ 150 -quase a mesma quantia cobrada de professores que adquirem unidades do Office.
Em outubro de 1999, a Universidade Federal de Minas Gerais promoveu um evento para estudar as alternativas de compras de software. A TBA ofereceu o preço de R$ 150 por programa. A Lotus contra-atacou, oferecendo o SmartSuite a R$ 1 por aluno e toda a plataforma Lotus por US$ 5,00 o aluno.
A plataforma incluía o Lotus Notes (programa de automação de escritório e de controle de fluxo de documentos, adotado pela maioria das grandes organizações), o Domino (servidor de Web que permite colocar as informações do Notes automaticamente na Internet), o Domino.doc (sistema de gestão eletrônica de documentos e teses), o QuickPlace (software para trabalhos compartilhados entre grupos de pessoas), o SmartSuite, o Sametime (software para conversas em tempo real) e o LearninSpace (software de educação à distância).
A UFMG adquiriu o sistema, mas o MEC continuou amarrado ao contrato com a TBA. Até hoje, não houve resposta às propostas da Lotus e da Sun.
Duas providências se fazem necessárias, para resolver esse imbróglio:
1) intervenção pessoal do ministro Paulo Renato, chamando a si a análise do caso e apreciando não apenas a proposta da Lotus, mas a da Sun -o sistema Linux-StarOffice, de graça. E também analisando as razões que levaram o MEC a proporcionar o monopólio das vendas de software ao sistema TBA-Microsoft;
2) aceleração dos estudos visando a padronização de uma política de aquisição de softwares, para impedir essas excrescências de, num país pobre, gastar tal volume de dinheiro na compra de sistemas, quando existem similares muito mais baratos.

Os aplicativos
O Office é um conjunto de softwares, representado pela planilha eletrônica Excel, processador de texto Word, banco de dados Acess, software de apresentação PowerPoint, específico para automação de escritórios. O sistema, adquirido para alunos da rede pública, é o mesmo utilizado por altos executivos financeiros. Os alunos provavelmente não utilizarão 5% desse potencial. O SmartSuite, da Lotus, e o StarOffice, da Sun (este, software aberto e gratuito), têm as mesmas ferramentas. Em geral conseguem trabalhar com arquivos da Microsoft, permitindo a quem escreve em Word, por exemplo, continuar o trabalho em WordPro (o Word da Lotus) ou no StarOffice.
Por baixo desses aplicativos, tem o sistema operacional, o coração dos microcomputadores. O da Microsoft é o Windows NT (próprio para redes) ou o Windows -para computadores pessoais. O sistema concorrente é o Linux, aberto e gratuito, que está sendo adotado pela maioria das instituições superiores.
Já aplicativos como o Notes servem para automatizar escritórios. São líderes da área. O concorrente da Microsoft é o Exchange.
A proposta de compra não passou pelo ministro Paulo Renato, que não sabia do acordo geral firmado com a TBA. O ministro incumbiu o secretário Patrício de esclarecer a Folha. Segundo suas explicações, para conseguir as vantagens proporcionadas pela TBA, o MEC teve que assegurar a ela exclusividade nas compras do Office. Ora, além de não ter havido licitação, o preço obtido pelo MEC (e oferecido às universidades) é de R$ 150 por unidade, quase o mesmo valor oferecido aos professores para compras individuais. E seria caro mesmo se tivesse pago os R$ 60 por Office, que Valente assegura constar do contrato com a TBA.

Licença
O colunista Luís Nassif solicitou licença da coluna por 45 dias, mas continuará escrevendo eventualmente no período, sempre que tiver um tema relevante.


E-mail: lnassif@uol.com.br



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