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OPINIÃO ECONÔMICA
Um artista da política
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Como varguista de quatro
costados, não posso deixar
de prestar a minha pequena homenagem a Leonel Brizola hoje.
Perdemos nesta semana um brasileiro excepcional. Brizola assustava os donos do poder. E por
quê? Fundamentalmente porque
reunia duas qualidades raras na
política brasileira (ou em qualquer política): a bravura e o uso
inspirado da palavra.
Foi essa combinação que impediu o golpe militar em 1961, depois da renúncia de Jânio Quadros. Se Jango tivesse o estofo de
Brizola, o golpe de 1964 não teria
sido vitorioso -talvez nem tivesse sido tentado.
Brizola era um perigo, não há
dúvida. Usava a televisão como
poucos. Diria mesmo: como ninguém. Logo se percebia que ele
era uma figura extraordinária.
Pelas tiradas e frases de impacto.
Por sua voz, gesticulação e olhar
penetrante. Pelo humor. Pela modulação da sua fala, pelas ênfases
e os silêncios, pela escolha das palavras e o recurso ocasional a termos inusitados. Nas suas palavras estava presente, com freqüência, um sopro daquilo que
Fernando Pessoa chamou certa
vez de "movimento hierático da
nossa clara língua majestosa".
Mas a retórica de Brizola não
era empolada nem baseada em
erudição. Ele foi, essencialmente,
um intuitivo, um emocional. Um
artista, em suma.
Todo grande político tem que
ter um pouco de artista. Sem esse
traço não há como liderar e mobilizar. Nem como resgatar em cada um de nós a energia para superar os momentos difíceis que
todas as nações atravessam.
Esse nosso artista não foi muito
celebrado. Não teve e não quis ter
vida fácil. O seu acesso aos meios
de comunicação, à televisão em
especial, era sempre rigorosamente controlado e racionado. "Et
pour cause." Passava por longos
períodos de exílio interno. "Mandaram-me para a Sibéria", dizia
ele.
Na terça-feira à noite, todos os
telejornais derramaram-se em
louvações a Brizola. Foi o tema
principal em todos os canais.
Lembrei-me do comentário sarcástico de Machado de Assis: "Está morto. Podemos elogiá-lo à
vontade".
Brizola não terá sucessores. É
natural. Fenômenos não fazem
escola. O político de hoje é, em geral, uma espécie de "produto",
disponível no "mercado eleitoral". Reinam a mediocridade e a
rotina. Não há inspiração, nem
entusiasmo, nem coragem. E a
língua portuguesa padece.
As qualidades de Brizola não
eram, evidentemente, resultado
da cuidadosa fabricação de marqueteiros. O seu brilho irradiava
lá do fundo do seu caráter e dos
seus impulsos vitais. A sua força
motriz era uma ligação apaixonada com o Brasil. Ora, para o
político brasileiro normal, o Brasil simplesmente não existe.
Sintomático o que aconteceu no
velório de Brizola no Rio de Janeiro, anteontem. O presidente da
República resolveu comparecer.
Foi recebido com vaias e gritos de
"traidor". Passou por um momento de grande constrangimento. "Brizola, presente, é o nosso
presidente", clamavam em coro
centenas de pessoas. Lula ficou alguns poucos minutos e se retirou
por recomendação da segurança,
que temia o rompimento do cordão de isolamento.
Vamos dizer a verdade: Lula teve o que mereceu. Que presidente
é esse que não pode comparecer
ao velório de um antigo aliado e
companheiro de lutas, sem ser
hostilizado e correr risco de agressão?
Se Brizola tivesse feito um último apelo ao presidente da República, poderia ter dito, imagino:
"Não faças, Lula, um governo
medíocre e acovardado. Não foi
para isso que o Brasil te elegeu".
Paulo Nogueira Batista Jr., 49, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "A Economia como Ela É..." (Boitempo Editorial, 3ª edição, 2002).
E-mail -
pnbjr@attglobal.net
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