São Paulo, quinta-feira, 24 de junho de 2004

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LUÍS NASSIF

A retomada do projeto nacional

Já está em discussão no centro mais recôndito do Planalto o embrião da montagem de uma proposta de projeto nacional que tire o governo Lula do imobilismo atual. O presidente já foi conquistado para a proposta.
O projeto se sustenta em dois pontos centrais. O primeiro, na constatação de que não há retorno ao velho modelo de economia fechada. Posto que a globalização é inevitável, o caminho a seguir é definir a estratégia mais adequada para o país -que passa pela melhoria da competitividade interna, pela criação de um ambiente econômico favorável e pela inserção planejada da empresa brasileira na economia global. Em suma, substituir a integração financeira, que colocou o país na atual sinuca de bico, pela integração comercial e produtiva.
A essa idéia se casa uma segunda, de integração latino-americana, de maneira a criar maior sinergia e competitividade na região, para enfrentar a competição global.
Essa segunda idéia foi esboçada já no governo passado, na integração física do Mercosul -um fórum constituído por ministros do Planejamento de diversos países da região, que não teve a mesma visibilidade das reuniões comerciais. Depois, ganhou dimensão política quando a atual diretoria do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) decidiu avançar no discurso de ampliar o papel do banco, conferindo-lhe dimensão continental.
São curiosos os caminhos percorridos pelas idéias até virarem bandeira política.
A idéia da integração competitiva foi exposta em meados dos anos 80 por um grupo de economistas do BNDES, da Eletrobrás e da Petrobras, liderados por Júlio Mourão. O ponto central é que o Brasil havia atingido a maturidade industrial, a partir dos grandes superávits comerciais de 1985, conseqüência do programa de investimentos da era Geisel. O desafio, agora, consistia em uma abertura gradativa e planejada da economia, de maneira a induzir as empresas brasileiras a buscar parcerias e tecnologia internacionais e definir padrões globais de competitividade.
Esse modelo acabou torpedeado pela esquerda acadêmica -que tinha como idéia-chave a moratória para enfrentar a dívida- e pela direita financeira -que tinha como proposta única a recessão, para pagar a dívida.
A idéia foi retomada no governo Collor e resultou no mais consistente programa econômico dos anos 90, com redução gradativa das tarifas de importação, ao mesmo tempo em que se lançavam as bases para a melhoria da competitividade das empresas brasileiras -por meio da criação do Programa Nacional de Qualidade e Produtividade.
Esse movimento resistiu ao governo Itamar e foi sufocado pela apreciação do real, em julho de 1994. De lá para cá, o projeto nacional foi substituído por um pensamento raso, simplificador, do grupo de economistas que dominou o embate ideológico a partir da mística dos pacotes econômicos.
Agora, é a própria esquerda, modernizada, que começa a se articular em torno de pontos concretos para a montagem de um projeto nacional. Diferentemente da pesada politização dos anos 80 e 90, as idéias defendidas agora são projeto de país, não mais bandeira ideológica.
Que tem consistência, tem. Se vai caminhar, só Deus sabe.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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