São Paulo, quarta-feira, 24 de julho de 2002

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ARTIGO

O fim da bolha, o governo Bush e os porcos com asas

PAUL KRUGMAN

Parece que os autores de "Dow 36.000" (lembram-se desse livro?) talvez tenham aumentado seu título em um dígito. Nossa esperança é que o dígito adicional seja o três, e não um dos zeros.
A alta dos mercados acabou mesmo. Se ajustarmos o índice Standard & Poor's 500 (indicador muito melhor do que o excessivamente alardeado Dow Jones) pela inflação do período, ele está agora abaixo do nível de 1996, quando Alan Greenspan fez seu discurso sobre "exuberância irracional".
Assim, o que deveriam estar fazendo os líderes responsáveis pela economia -Greenspan, George W. Bush e aquele cara lá do Departamento do Tesouro de cujo nome não me lembro?
Um bom primeiro passo seria que parassem de tentar convencer o mercado a subir por meio de elogios ao vigor dos fundamentos econômicos. Para começar, isso já soa a desespero. Além disso, as avaliações das ações estão até altas demais, dados os lucros das empresas. O mais importante é que os fundamentos não são tão favoráveis quanto eles dizem.
As dúvidas quanto à governança corporativa crescem, em vez de desaparecer. Os governos estaduais e locais atravessam uma crise fiscal desesperada. Mesmo antes da súbita queda nos mercados, os dados apontavam não para um boom, mas para uma "recuperação sem empregos", na qual a economia cresceria lentamente demais para reduzir de maneira considerável o desemprego.
De fato, o relatório de apoio ao recente depoimento de Greenspan ao Congresso não projetava redução significativa para o desemprego este ano, e a redução prevista para o ano que vem também não era muito grande. Diante da queda acentuada dos mercados, é preciso que consideremos a hipótese de que até mesmo essas projeções mornas são de um otimismo exagerado.
Dadas as perspectivas econômicas desagradáveis, será que Greenspan não deveria pensar em um novo corte nas taxas de juros? É verdade que elas já estão muito baixas. Mas, se aprendemos alguma coisa com a experiência do Japão, é que quando surge o risco de uma armadilha deflacionária (cenário que ainda não se tornou provável, mas deixou de ser tão improvável quanto parecia há alguns meses) não faz sentido "economizar" munição na forma de potenciais cortes de juros para o futuro. O momento de enfrentar a deflação é antes que ela conquiste um espaço na psicologia nacional.
É verdade que o Fed preocupa-se com a possibilidade de que novo corte cause pânico nos mercados. Mas agora que o pânico dos mercados surgiu espontaneamente, não há nada mais a perder.
E o restante do governo? A reforma corporativa é essencial; se não for possível reassegurar os investidores de que estão sendo tratados de maneira equânime, eles tirarão seu dinheiro do mercado e irão embora. Mas não podemos contar que a reforma ofereça estímulo imediato à economia. A confiança, quando perdida, não pode ser restaurada em um momento. O que mais poderia o governo fazer?
Ignoremos as questões políticas e tentemos estudar a situação com objetividade. De um lado, graças em parte ao final da alta nas Bolsas, a perspectiva de longo prazo para o Orçamento federal se agravou a um ponto que supera as expectativas até mesmo dos maiores pessimistas (a exemplo do autor). Em termos realistas, teremos de encarar uma década de déficits, que um dia virão a representar problemas sérios para o seguro social e o Medicare.
Por outro lado, com a recuperação ainda cambaleando, não é hora de austeridade fiscal. Aliás, o governo federal deveria estar injetando ainda mais dinheiro na economia do que vem fazendo.
A resposta óbvia a esse suposto dilema é afrouxar as rédeas agora, mas estar preparado para retomá-las assim que a economia se tiver recuperado plenamente. Por exemplo, o governo Bush poderia agir com rapidez para auxiliar os governos estaduais em crise, evitando cortes severos (e depressivos) em programas essenciais. Enquanto isso, para atenuar as preocupações quanto à posição fiscal de longo prazo, os futuros cortes de impostos podem ter sua execução adiada.
E depois que o governo tomar essas medidas responsáveis, veremos milhares de porcos voando pelos céus de Washington.
Basta que entendamos as coisas da seguinte maneira. Os planos econômicos do governo Bush não mudaram significativamente desde o final de 1999, quando foram introduzidos como maneira de bloquear a tentativa de Steven Forbes de conquistar a candidatura republicana. No momento em que o projeto para um corte de impostos, que acabou se tornando lei, foi divulgado, "Dow 36.000" estava no topo das listas de livros mais vendidos. O ambiente econômico mudou completamente de lá para cá, mas os planos da administração continuam exatamente os mesmos.
Nossos problemas econômicos são reais, mas de forma alguma catastróficos. O que me assusta é a absoluta inflexibilidade das pessoas que deveriam resolvê-los.


Paul Krugman, economista e professor na Universidade Princeton (EUA), é colunista do "The New York Times".

Tradução de Paulo Migliacci


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