São Paulo, Sábado, 24 de Julho de 1999
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LUÍS NASSIF

O rábula do Planalto

Em Brasília há um profissional bastante requisitado, que é o sujeito de formação jurídica capaz de enfiar gatos em tubas. No Congresso é dos profissionais mais valorizados. Prova disso foi a lei que prorrogou os incentivos da Zona Franca de Manaus. Foi feito um acordo entre a bancada paulista e a dos políticos que viviam da Suframa. Na hora de formalizar o acordo em um projeto de lei, vírgulas habilidosas mudaram o sentido do que foi combinado.
Nos últimos tempos, uma sucessão de casos parecidos tem brotado de medidas provisórias que emanam do Planalto. Recentemente, a revista "Veja" revelou a tentativa de ressuscitar, pela décima vez, a validade dos títulos públicos emitidos por Campos Salles no início do século.
A última ofensiva dos advogados tem sido invocar medida provisória que saiu da Casa Civil, teve dez dias de validade, até ser cassada, depois que se descobriu que na prática ressuscitaria o valor desses títulos. Aqueles dez dias em que esse monstrengo veio ao mundo serviram de álibi para se tentar derrubar toda a legislação e criar um passivo fiscal da ordem de US$ 50 bilhões.
Houve a denúncia, com a informação de que Fernando Henrique Cardoso havia revogado a MP assim que foi informado do seu conteúdo. Mas o misterioso rábula do Planalto não foi identificado.
Agora, tem-se o repeteco na medida provisória que instituiu o regime automotivo para o Nordeste. Nas reuniões interministeriais que decidiram pelos incentivos, ficou claro que a MP serviria apenas para as indústrias automobilísticas que apresentassem projetos para o Nordeste.
Na MP que saiu da Casa Civil, permitiu-se a todas as empresas que meramente apresentassem projetos até 31 de dezembro ter direito a 33% de abatimento do IPI até o ano 2010.
Assim como na Suframa, meia dúzia de espertalhões registrariam projetos variados e depois negociariam os direitos com empresas reais que quisessem se beneficiar dos incentivos.
Alertado, FHC tirou o gato da tuba. A questão que não foi respondida é: se o gato estava na tuba, é porque alguém o colocou lá. Não será difícil apurar a identidade do rábula. A reunião interministerial incumbiu alguém de redigir a MP. Se não se identificar rapidamente quem foi o autor do contrabando, a suspeita não poupará ninguém.

Coisas da ideologia
Identificado como um neoliberal racional, avesso a intervenções do Estado e da política na economia, o economista Paulo Guedes não escapa da irracionalidade quando entra a política no meio. Membro do PFL -partido do senador Antonio Carlos Magalhães-, em seu último artigo na revista "Exame" Guedes vai contra todos seus princípios liberais e defende a concessão de incentivos fiscais à Ford, com base em um argumento que não faz justiça à lógica de um eminente filho de Chicago.
Seu argumento é que os incentivos corresponderão a abatimentos de impostos que não seriam pagos se a fábrica não existisse. Portanto não haveria nenhuma perda fiscal.
A Ford se propõe a fabricar 250 mil automóveis por ano, dos quais 200 mil destinados ao mercado interno. A não ser na hipótese inviável de que, junto com a unidade, ela fabricaria 200 mil novos consumidores, esse lote de carros será retirado da fatia da concorrência. Portanto serão substituídos 200 mil carros que pagam 100% de IPI por 200 mil carros que pagam 70% de IPI.

IPI
Em um momento em que a reforma tributária tem como foco central desonerar os investimentos e as exportações, não tem a menor lógica a tentativa da Receita Federal de voltar a cobrar Imposto sobre Produtos Industrializados sobre compra de máquinas e equipamentos.
É um retrocesso sem tamanho, que colide frontalmente contra o objetivo anunciado do segundo governo FHC, de estimular o desenvolvimento e o emprego.


E-mail: lnassif@uol.com.br



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