São Paulo, sexta-feira, 24 de setembro de 2004

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OPINIÃO ECONÔMICA

Um recuo inesperado no Copom

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Confesso a meu leitor que o ministro Palocci me surpreende com freqüência pelo seu bom senso e pela capacidade de lidar com as expectativas do mercado financeiro. A incrível mudança de atitude do Banco Central em relação à meta de inflação para 2005, e que foi explicitada na ata da última reunião do Copom, é um exemplo da forma de agir do nosso ministro da Fazenda. Ele pegou o mercado de surpresa, tirou da frente um obstáculo importante para o sucesso da política econômica em 2005 e corrigiu um erro incrível cometido há alguns meses pela direção do Banco Central.
Além disso, ao anunciar um dia antes a decisão de buscar para 2004 um superávit fiscal maior do que o previsto inicialmente, calou a boca dos setores mais radicais, que poderiam acusar o governo de estar amolecendo no combate à inflação. Uma combinação perfeita de bom senso econômico, coragem política e conhecimento da psicologia dos operadores dos mercados financeiros, aqui no Brasil e no exterior. Como filigrana final dessa manobra, ousada e correta, aponto a ocorrência de algumas bravatas em relação ao combate sem tréguas à inflação que ele permitiu que os radicais do BC inserissem no longo texto produzido pelo Copom e, com isso, pudessem voltar para casa sem perder a face, como dizem os chineses.
Na minha última coluna, escrita no dia 3, refleti sobre a inviabilidade técnica e operacional da meta de inflação para o próximo ano e chamei a atenção para os custos gratuitos de uma tentativa infantil de levar à frente esse compromisso. Como eu, a grande maioria dos analistas de mercado tinha essa mesma opinião, mas ficávamos sem jeito em externar, publicamente, essa posição e de parecer, com isso, complacentes com a inflação. Agora que esse erro foi reconhecido pelo próprio Banco Central, ficará mais solto e racional o debate sobre o sistema de metas de inflação no Brasil.
A ata do Copom mostra que existem limites à ação da política monetária no curto prazo e que o sistema de metas precisa incorporar mecanismos de transição quando ocorrerem choques de preços externos em razão de uma certa rigidez institucional (inércia) que ainda existe em nossa economia. Tivemos em 2004 choques de preços importantes e que devem fazer o IPCA terminar o ano com um aumento da ordem de 7,5%. Não foi uma inflação gerada por excesso de moeda na economia ou provocada por desequilíbrios fiscais irresponsáveis, mas sim fruto de aumentos localizados nos mercados ligados ao nosso comércio exterior e pelo rebate inercial da inflação de 2003, sobre uma cesta importante de preços públicos e privados, que são regulados por contratos indexados ao IGP-M.
Passar desse nível de inflação para algo próximo de 4,5% -que era o compromisso rasgado na última reunião do Copom-, em apenas 12 meses e ainda sob o impacto da correção de mais de 11% sobre os preços atrelados ao IGP-M, era coisa impossível de ser obtida neste mundo de Deus e dos homens, e isso até as pedras sabiam. Mas só agora o Copom reconhece essa limitação e define como centro da meta para o próximo ano o número mais viável de 5,1%. Esse novo valor ainda está abaixo do que considero razoável, principalmente porque o arrasto inercial calculado pelo Banco Central entre 2004 e 2005 não está corretamente calculado. Ele é maior!
Mas vamos ser nobres e reconhecer que a nova posição do Copom já reflete uma mudança no sentido correto e que deve ter custado muitas horas de sono e análise aos diretores do Banco Central. Afinal, não é fácil assumir um erro dessa magnitude quando se está no governo e as coisas estão dando certo. Continuo achando que ao longo dos primeiros meses de 2005 o Copom vai caminhar no sentido de perseguir uma inflação da ordem de 6% ao ano e que a Selic deve ficar próxima de 17% ao ano até o fim do primeiro semestre.
Com esse nível de inflação, teremos uma redução de 20% em 12 meses, resultado que pode ser considerado excelente. Isso sem que se obrigue a economia a entrar em recessão novamente e sem onerar o Tesouro com gastos ainda maiores com o pagamento dos juros.
Fica, entretanto, a lição de que, apesar de as coisas estarem dando certo, é preciso uma reflexão mais profunda sobre alguns dos dogmas da política econômica atual. O sistema de metas de inflação e a questão do arrasto inercial, que obrigou agora o Copom a uma capitulação sem muita glória, era um deles. Mas existem outros.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 61, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br


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