São Paulo, quarta-feira, 24 de outubro de 2007

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Brasil tem entraves para fundo soberano, dizem economistas

Com excesso de dinheiro em caixa, países criaram fundos para investir em ações, títulos e participação em empresas

Governo discute destinar parcela de recursos das reservas internacionais para investimentos de maior risco e maior rentabilidade

DA REPORTAGEM LOCAL

Motivo de debate dentro do governo, a proposta de criação de um fundo soberano -aplicação de parte das reservas internacionais em investimentos de maior risco e retorno- deve requerer mais tempo para que o país esteja menos vulnerável, afirmam economistas.
Com US$ 165,099 bilhões em caixa, o país é dono hoje da oitava maior reserva internacional do mundo. As reservas são um recurso utilizado como espécie de seguro contra crises externas, mas que tem como efeito colateral o baixo rendimento, já que a maior parte está aplicada em títulos dos EUA, que rendem por volta de 4,5% ao ano.
Como China, Cingapura, Emirados Árabes e Arábia Saudita, o Brasil também discute a melhor forma de usar esse dinheiro. A solução adotada por esses países foi criar um fundo de investimento (chamado soberano) com parte do dinheiro que iria para as reservas. A China, por exemplo, aplica US$ 300 bilhões em ações, além de ter participações em bancos e em empresas pelo mundo.
O governo brasileiro debate quanto de dinheiro levar para um fundo de risco, em quais empresas e papéis aplicar, como e quem vai gerenciar os investimentos e quando aplicar parte dessas reservas.
A proposta divide economistas dentro e fora do governo. Mas há um ponto com o qual a maioria dos especialistas concorda: a implementação de um fundo soberano não deve acontecer tão rápido, pelo menos não antes de o país receber o chamado grau de investimento, selo de bom pagador, quando em tese o Brasil estaria menos vulnerável a turbulências. A previsão do governo é que essa nova "nota", dada por agências de classificação, saia em 2008.
Para Vitoria Saddi, economista-sênior para a América Latina da consultoria americana RGE Monitor, o Brasil teria pouco a ganhar com essa proposta de fundo soberano. Para ela, os maiores beneficiados são países dependentes de uma commodity em particular, como Chile e Noruega, que produzem principalmente cobre e petróleo, respectivamente.
Ela explica que esses países utilizam fundos soberanos para receber fora do país recursos obtidos com a exportação, para evitar a entrada de capital e impedir a apreciação de suas moedas. "Mas, se você colocar uma parte das reservas em fundos no exterior e houver uma diminuição das exportações, o país terá de usá-las [rapidamente], e o fundo inviabiliza isso", disse.

Infra-estrutura
O ministro Guido Mantega (Fazenda) chegou a aventar a possibilidade de parte dos recursos do fundo soberano ser aplicada em infra-estrutura -idéia rechaçada por setores mais conservadores da área econômica do governo, que só aceitam a criação de um fundo de risco maior para elevar a rentabilidade das reservas.
Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, afirma que a discussão caminha com "foco desviado e para o lado errado". "Para que servem as reservas? É um seguro. Seria útil no Brasil contra um colapso no preço das commodities, uma desaceleração na economia mundial. Qual a proteção se esse dinheiro for parar em empresas brasileiras que serão prejudicadas em caso de crise?"
Para o economista Fernando Cardim, da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), no entanto, a proposta de Mantega de destinar cerca de 5% das reservas para infra-estrutura preserva a função de blindar o país contra crises. "Se o dinheiro vai ficar parado, que financie o desenvolvimento. Os países que adotam esses fundos já fazem isso e assumem riscos maiores. Se fosse um percentual maior, seria uma loucura."
O ex-diretor do BC diz que a criação de um fundo soberano seria justificada para dar mais rentabilidade às reservas. Para ele, um modelo seria admitir uma porcentagem das reservas em ativos de maior risco. "Hoje as reservas estão restritas a títulos AAA [classificação para papéis de risco próximo de zero]. Teria de se admitir uma parcela, talvez de 15%, para AA e A [ainda de baixíssimo risco, mas inferiores ao AAA]."

Transparência
Outra discussão apontada por analistas é a regulamentação desses fundos soberanos. Caso um deles decida vender parte de seus ativos, pode levar a queda de preços, afirmam. "Se a China vender títulos dos EUA, pode aumentar significativamente o déficit público americano. Os EUA têm medo dos fundos soberanos porque falta transparência a eles", afirma Saddi, da RGE.
Para o economista José Luiz Rossi, professor de finanças internacionais do Ibmec-SP, é cedo para o Brasil discutir a criação de seu fundo soberano. "Há uma pressão para se buscar um nível melhor de rentabilidade, mas temos inúmeras perguntas sem resposta", diz.
Rossi afirma que uma opção de gestão para um fundo soberano seria abrir uma concorrência internacional em que vencesse o banco que garantisse melhor rendimento, com o menor risco e a taxa mais baixa de administração.


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