São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

Mundos e fundos no pacote luliano

Plano Lula 2 começa a tomar rosto, mas falta explicar mudanças de regras e a conta da redução dos impostos

A "NOVA POLÍTICA econômica" do presidente Lula parece ter agora um "retrato falado", um esboço em que se pode notar o formato de nariz, olhos e boca. Mas, por enquanto, o retrato ainda aparece com a língua de fora. A língua de fora deve-se ao tamanho da conta, que não se sabe bem quem vai pagar.
"Retrato falado" sugere crime, mas não é disso que se trata -por ora, ao menos. Há muito desconto de imposto para empresas ("renúncia fiscal"). Se bem-feitos e capazes de estimular novos empreendimentos relevantes, pode ser boa coisa. Mas isenção fiscal, por vezes, redunda apenas em aumento localizado de rentabilidade para algumas empresas, que embolsam o ganho, com piora da situação das contas públicas e escasso impacto na expansão ou na produtividade econômica.
A medida mais inovadora, para não dizer mesmo espantosa, é a intenção do governo de usar cerca de R$ 10 bilhões dos R$ 20 bilhões que "sobram" no caixa do FGTS para pagar parte das prestações da casa própria de famílias com renda até R$ 1.750. O subsídio seria de 50% a 66% do valor da prestação. Tais famílias em geral não pegariam mesmo financiamentos. Não têm como pagá-lo. Mas o dinheiro não vai voltar para o FGTS? Vai ser mesmo "dado"?
Outros R$ 5 bilhões que "sobram" no FGTS iriam para um fundo de investimento em saneamento. Mas quem faria as obras? Estatais, Estados e municípios não podem fazer mais dívida. Empresas privadas?
Mas as novas regras para o setor estão paradas no Congresso. E como seria o negócio? Seria um fundo de empréstimos para as empresas?
Quanto aos descontos de impostos, um deles viria na forma de antecipação de uso de créditos de tributos (como a Cofins) para empresa que invista em obras e novos negócios (as empresas vão pagar menos imposto, em suma). Outro desconto é a ampliação do prazo de recolhimento de outras contribuições sociais (em vez de mensalmente, poderiam sem recolhidas por trimestre. Quanto mais tempo o dinheiro fica no caixa, mais a empresa ganha, por precisar de menos capital de giro ou aplicar em juros, por exemplo).
Mais compras de máquinas e equipamentos industriais (investimento produtivo) seriam isentas de impostos. Outra isenção em estudo, desconto quase total de impostos federais, deve ir para fundos de investimento em infra-estrutura.
As isenções para novos negócios em infra-estrutura e o "Bolsa-casa" podem ter impacto fiscal nulo e redundar em melhoria social e produtiva. Mas o diabo está nos detalhes, e os detalhes ora também estão escondidos ou indefinidos.
O governo quer também aumentar a capacidade de investimento da Eletrobrás, a estatal que fornece e transporta 60% da energia elétrica do país. Por norma legal, a estatal sofre vários impedimentos para tomar empréstimos (no BNDES, no exterior) e investir (o que investe entra na conta do déficit). Petrobras e Eletrobrás são responsáveis por um quarto do superávit primário do governo federal. Como vai ficar a conta do déficit?
O retrato falado do plano Lula 2 está com uma cara boa, por ora. É preciso saber se o esboço vai virar uma carantonha quando passar pela calculadora.


vinit@uol.com.br

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