São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2004

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Falência pessoal deve superar recorde

CÍNTIA CARDOSO
DE NOVA YORK

O número de pedidos de falências pessoais deve superar neste ano o recorde de 1,64 milhão de 2003. Esses indicadores parecem mostrar que os benefícios da recuperação da economia americana ainda não atingiram a classe média e os assalariados com rendimentos mais baixos. A projeção do número de falências parte da consultoria Global Insight e encontra respaldo em outros centros de estudos, como o Instituto Americano de Falência.
Hoje, estima-se que 90% das pessoas que entram com um pedido de falência pessoal tenham um rendimento anual médio entre US$ 25 mil e US$ 99 mil. Esse contingente de americanos falidos se expande desde 2001, ano da recessão iniciada após o estouro da bolha do mercado de ações nos EUA. O que preocupa os economistas, porém, é o fato de a massa de endividados aumentar num momento em que o cenário econômico americano apresenta elevadas taxas de crescimento do PIB e uma taxa básica de juros baixa (1%). Caso o Fed decida elevar esse índice, o número de endividados pode crescer ainda mais.
"É evidente que a economia não cresce num ritmo rápido o suficiente para atingir essas pessoas. O nível de geração de empregos é muito baixo", disse Mark Lauritano, economista da Global Insight.
Em dezembro, foram abertos apenas mil postos de emprego nos EUA ante um total de 8,4 milhões de desempregados no país.

Muleta de crédito
O vilão do endividamento americano é o cartão de crédito. Analistas afirmam que o instrumento tem sido usado como uma muleta para completar a renda ou para substituir o salário em caso de desemprego.
O resultado é que o valor médio das faturas supera US$ 6.000, segundo o Fed. Por ano, a taxa média de juros cobrada pelas administradoras de cartão beira 15%.
A armadilha do cartão de crédito levou o ex-bancário Donald Marshall, 60, a pedir falência pessoal baseado no capítulo 7 do Código de Falências dos EUA.
Com uma dívida acumulada de US$ 50 mil, Marshall se viu obrigado a recorrer à Justiça. "Eu pagava o aluguel, a hipoteca de uma outra casa e comecei a atrasar o pagamento dos cartões. Foi uma bola de neve", conta.
O processo já foi encerrado e a dívida total de Marshall, perdoada. Hoje, o ex-bancário afirma ter dois cartões de crédito, mas usa apenas um.

Armadilha
A explicação mais óbvia para o aumento de falências e de endividamento seria acreditar que os americanos estão gastando com supérfluos. A co-autora do livro "Two-Income Trap" (algo em português como "a armadilha dos dois salários"), Elizabeth Warren, argumenta que ocorre o contrário. Atualmente, diz, uma família americana com quatro pessoas gasta 21% a menos com roupas e 22% a menos com alimentação do que há uma geração.
Warren, que também é professora de Direito da Universidade Harvard, diz ainda no seu trabalho que duas fontes de renda -do marido e da mulher- não têm sido suficientes para um padrão de vida "folgado".
A autora afirma que, na maioria dos casos estudados, o salário inteiro de um dos membros do casal cobre o pagamento da moradia e o outro, todas as demais despesas.
Alexandre Bort, da Consolidated Credit Counseling, empresa de aconselhamento financeiro, aponta uma outra razão. "Falta educação financeira", afirmou.
Os percalços financeiros dos americanos têm preocupado os economistas. O motivo é que o consumo representa dois terços da atividade econômica do país. A cifra chega a US$ 7,5 trilhões por ano. "Por enquanto, essa situação [número crescente de falências e endividamento alto] não vai atrapalhar a recuperação da economia. Esperamos o aumento dos investimentos das empresas neste ano, o que deve gerar mais empregos", diz Lauritano.



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