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OPINIÃO ECONÔMICA
Tributo imposto
FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA
Devo, não nego... Mas não
pagarei os impostos, se possível! Afinal, o que o governo me
dá em troca?!
Você pode ter acesso a serviços
públicos na área de saúde, educação, segurança etc. Além disso,
com as contribuições à Previdência Social, terá, quando se aposentar, direito a pensão.
Mas eu tenho de pagar plano de
saúde, escola e faculdade particulares, segurança privada, previdência complementar!
Não se esqueça de que, na verdade, você tem deduções dessas
despesas no seu Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). Então,
o governo permite aos contribuintes (não-isentos) a dedução
de boa parte do que eles pagam
para adquirir serviços privados,
pretensamente, com melhor qualidade. Isso sem considerar as
isenções dadas aos planos de saúde e às escolas e faculdades particulares que se declaram "sem fim
lucrativo" e as renúncias concedidas pela Previdência a "entidades
filantrópicas", clubes de futebol e
empresas que fazem parte do sistema de imposto simplificado
(Simples).
Será que, se não houvesse todas
essas deduções, esse sistema privado se sustentaria? As camadas
médias e altas de renda não iriam,
de fato, acessar e exigir maior
qualidade nos serviços públicos?
O governo, arrecadando mais, teria condições de pagar mais e contratar melhores profissionais?
Esse tipo de diálogo é comum.
O cidadão brasileiro, com o aumento da carga tributária (32,3%
do PIB em 2000: recorde histórico), está começando a se preocupar com o destino de suas contribuições, impostos e taxas. Passa a
perceber também que, quando
muitos sonegam, arca com mais
impostos.
O Brasil encerrou 2001 com um
déficit nominal de R$ 42,8 bilhões, ou seja, a necessidade de financiamento do setor público representou 3,54% do PIB. O resultado é a diferença entre o superávit primário de R$ 43,6 bilhões e
os gastos com pagamento de juros nominais de R$ 86,4 bilhões.
O superávit primário -diferença
entre receitas e despesas fiscais-
é recorde desde 1991.
Mesmo assim, o governo não
conseguiu impedir o crescimento
de sua dívida. A dívida líquida do
setor público somou R$ 660,8 bilhões, em dezembro de 2001, o
que representa 53,3% do PIB. Em
dezembro de 2000, a dívida pública era de R$ 563,2 bilhões. O aumento de R$ 97,7 bilhões no total
da dívida, na comparação de um
ano com o anterior, foi gerado por
um conjunto de fatores. A desvalorização cambial de 18,7% no
ano aumentou a dívida em R$
29,2 bilhões (30% do aumento). O
reconhecimento de dívidas ("esqueletos", como os que levaram o
Tesouro a assumir ativos da Caixa
Econômica Federal, do Banco do
Brasil e do INSS) representou R$
26,7 bilhões (28%). A necessidade
de financiamento do setor público aumentou a dívida líquida em
R$ 42,8 bilhões (44%), enquanto
privatizações reduziram o déficit
em R$ 980 milhões.
O governo poderia cortar mais
gastos? Os gastos com o funcionalismo público, em 2001, foram
equivalentes a 27,8% da receita
corrente. Na realidade, do total
das despesas não-financeiras do
governo, 80% são pagamentos a
pessoas, sob alguma forma de salário, aposentadoria ou benefício.
O Orçamento da União é quase
uma folha de pagamentos. Além
dos gastos com pessoal, também
os outros dois grandes grupos de
despesas ou são intocáveis (transferências a Estados) ou já estão
comprimidos (despesas de custeio e investimento). Mais da metade dessas despesas está vinculada a gastos com saúde e educação.
A quantidade e a qualidade, nesses serviços públicos, dependem,
essencialmente, de pessoal.
O maior conjunto de despesas
correntes é com o pagamento de
benefícios previdenciários. A Previdência Social -com déficit de
R$ 12,8 bilhões em 2001- paga
benefícios para 19,9 milhões de
pessoas, sendo que 6,6 milhões
estão na área rural e cada benefício atinge, em média, 3,5 pessoas.
Os benefícios da Previdência Social são a principal fonte de renda
de 78,5% das pessoas que vivem
na área rural da região do semi-árido do Nordeste. O pagamento
desses benefícios é o principal fator de dinamismo para as economias dessa região. Há uma política de transferência de renda por
meio da Previdência.
Os encargos da dívida tiveram
um considerável aumento, quando comparados com outras despesas orçamentárias (educação,
saúde, previdência e pessoal). O
maior aperto fiscal significou programas nas áreas de saneamento,
educação, ambiente, transportes,
irrigação e até segurança pública
com execução inferior a 70% do
previsto, em 2001. Então, são os
gastos com encargos financeiros,
relacionados com a política de juros e de câmbio, que deveriam ser
cortados. A taxa de juros não deveria permanecer intocável...
Além disso, a fiscalização da Receita Federal encontrou R$ 33,1
bilhões que deixaram de ser pagos, em 2001. Cerca de R$ 31,9 bilhões são créditos que deveriam
ser pagos por pessoas jurídicas. O
setor financeiro foi o mais autuado; dentro dele, mais os fundos de
pensão que os bancos.
Ninguém gosta de pagar tributo; senão, ele não seria "imposto"... Mas os contribuintes pagariam com mais gosto se soubessem que outros não estão sonegando e que suas contribuições
estão indo para os bolsos dos mais
pobres, e não para os dos que vivem de juros.
Fernando Nogueira da Costa, 50, professor associado do IE-Unicamp, coordenador da área de economia da Fapesp, é
autor dos livros "Economia em 10 Lições" e "Economia Monetária e Financeira: Uma Abordagem Pluralista".
E-mail -
fercos@eco.unicamp.br
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