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OPINIÃO ECONÔMICA
Regulação, para quê?
DAVID ZYLBERSZTAJN
O brasil , por determinação
de seus legisladores e amplo
consenso social, optou por dotar
o Estado de mecanismos adequados ao compartilhamento, entre
setor estatal e setor privado, do
desenvolvimento e da expansão
dos serviços públicos concedidos.
Entendam-se, nesse caso, os serviços de telefonia, energia elétrica,
petróleo, transportes e saneamento. Já são consensuais os argumentos de que ao Estado cabe
prover, e não necessariamente
executar obras ou operar diretamente os serviços ditos públicos
e, de forma equivocada, confundidos como estatais.
À exceção de atividades "indelegáveis" de governo, como segurança pública, Forças Armadas,
saúde, educação, relações externas e política monetária, mecanismos de conduta recíproca, definidos em "marco regulatório", proporcionam as condições adequadas à execução, pelo governo ou
pelo setor privado, do que se convencionou batizar como as melhores práticas de cada uma das
atividades acima listadas.
Entenda-se marco regulatório
como o conjunto de leis, decretos
ou normas necessárias para a definição das regras e parâmetros
que norteiam o padrão de eficiência e metas a serem alcançadas pelos agentes de um setor regulado.
A partir da observância de normas programáticas, princípios e
prescrições estabelecidas, muito
se poderia falar acerca dos desafios que ainda se colocam para os
diversos agentes públicos e privados dos setores regulados, notadamente aqueles voltados à infra-estrutura do país, no sentido de
possibilitar o aperfeiçoamento do
modelo hoje vigente. Esse modelo, alicerçado em órgãos reguladores (as agências), prescreve a
neutralidade no acompanhamento e na fiscalização dos contratos
de concessão, obtidos, segundo a
Lei de Concessões, a partir de processo licitatório.
No momento, impõe-se destacar, como maior desafio, a preservação da autonomia do órgão regulador, política e financeira, para
que este, por meio de regras claras
e estáveis, continue a agir na busca da máxima eficiência alocativa
e da máxima eficiência produtiva,
sempre voltado ao difícil equilíbrio entre as relações de produção
e consumo. Impedindo, portanto,
o deslocamento de questões técnicas até então decididas em regime colegiado e por inspiração técnica para o âmbito político e monocrático dos ministérios.
Nesse contexto, todas as atenções devem estar centradas de
forma a contribuir com o governo
e a sociedade, no sentido de esclarecer e entender qual o marco institucional vigente. A partir desse
entendimento, propor os ajustes
que se fizerem necessários, sem
deixar de reconhecer o enorme
avanço obtido com a reforma
promovida no Estado brasileiro
nos últimos anos, reconhecendo
os inegáveis benefícios econômicos e sociais advindos dessa reengenharia institucional.
De acordo com a reforma efetivada a partir da legislação em vigor, poderíamos dizer que a atuação institucional do Estado se dá
em dois níveis marcadamente
distintos: no nível político, do
chefe do Poder Executivo e dos
ministérios; e, no nível técnico,
por meio das agências reguladoras.
Com as necessárias ressalvas referentes àquilo que já está previsto na própria Constituição e na lei
em termos principiológicos, compete ao governo formular as políticas públicas.
Essa atribuição foi concebida
justamente com o objetivo de permitir ao governo estabelecer, com
absoluta liberdade e de acordo
com sua proposta para cada setor,
as políticas que julgar convenientes para o alcance do interesse nacional.
Ela é realizada em espaço institucional que não se confunde
com o regulatório, mas o condiciona enquanto vetor que direciona a atividade do órgão regulador.
Ela envolve, por exemplo, aspectos como a análise de desempenho do mercado, o interesse em
promover um determinado segmento da indústria, o estímulo a
determinados investimentos, entre outros tantos. Nessa atividade,
o elemento político é inerente, natural e até desejável.
Já ao órgão regulador compete
praticar os atos regulatórios necessários ao alinhamento do mercado a essas políticas traçadas pelo Poder Executivo. Sua motivação deve ser exclusivamente técnica. Aqui, as decisões devem estar descontaminadas do elemento
político, pois ele poderia conduzir
a soluções de menor eficiência e
em prejuízo do interesse público,
retratado na política indicada.
Estabelecida essa distinção e reconhecida a sua necessidade e
pertinência, caberia então perguntar qual a razão do intenso debate que se vem travando a respeito das agências reguladoras, de
seu papel no Estado brasileiro, de
sua autonomia e legitimidade.
Passa-se, de maneira equivocada,
à sociedade brasileira a impressão
de que são órgãos cuja suposta independência excessiva fez com
que as questões de absoluto interesse nacional ficassem dissociadas e fora do âmbito de competência do chefe do Poder Executivo, que foi eleito para traduzir o
que a sociedade entende por interesse nacional.
Definitivamente, órgãos reguladores não estabelecem políticas
públicas, que são atribuição de
leis e do governo. Órgãos reguladores não definem tarifas. Seguindo os pressupostos legais e de
acordo com suas especificidades,
acompanham e fiscalizam a execução dos contratos de concessão.
Isso não significa dizer que as
agências não precisem de aperfeiçoamento. Muito pode ainda ser
feito. Entretanto, mais do que estabilidade de regras, o que a sociedade brasileira precisa é de estabilidade de propósitos, especialmente com relação àqueles que
ela esculpiu na Constituição da
República, como é o caso do marco regulatório e institucional referente às atividades públicas concedidas.
David Zilbersztajn, doutor em economia da energia pela Universidade de
Grenoble (França), foi secretário de Energia do Estado de São Paulo (governo Mário Covas) e diretor da ANP (Agência Nacional do Petróleo) É diretor-presidente
da DZ Negócios com Energia e professor
da PUC/RJ.
Luiz Carlos Mendonça de Barros,
titular desta coluna às sextas-feiras,
está em férias.
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