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São Paulo, sexta-feira, 25 de abril de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Regulação, para quê?

DAVID ZYLBERSZTAJN

O brasil , por determinação de seus legisladores e amplo consenso social, optou por dotar o Estado de mecanismos adequados ao compartilhamento, entre setor estatal e setor privado, do desenvolvimento e da expansão dos serviços públicos concedidos. Entendam-se, nesse caso, os serviços de telefonia, energia elétrica, petróleo, transportes e saneamento. Já são consensuais os argumentos de que ao Estado cabe prover, e não necessariamente executar obras ou operar diretamente os serviços ditos públicos e, de forma equivocada, confundidos como estatais.
À exceção de atividades "indelegáveis" de governo, como segurança pública, Forças Armadas, saúde, educação, relações externas e política monetária, mecanismos de conduta recíproca, definidos em "marco regulatório", proporcionam as condições adequadas à execução, pelo governo ou pelo setor privado, do que se convencionou batizar como as melhores práticas de cada uma das atividades acima listadas.
Entenda-se marco regulatório como o conjunto de leis, decretos ou normas necessárias para a definição das regras e parâmetros que norteiam o padrão de eficiência e metas a serem alcançadas pelos agentes de um setor regulado.
A partir da observância de normas programáticas, princípios e prescrições estabelecidas, muito se poderia falar acerca dos desafios que ainda se colocam para os diversos agentes públicos e privados dos setores regulados, notadamente aqueles voltados à infra-estrutura do país, no sentido de possibilitar o aperfeiçoamento do modelo hoje vigente. Esse modelo, alicerçado em órgãos reguladores (as agências), prescreve a neutralidade no acompanhamento e na fiscalização dos contratos de concessão, obtidos, segundo a Lei de Concessões, a partir de processo licitatório.
No momento, impõe-se destacar, como maior desafio, a preservação da autonomia do órgão regulador, política e financeira, para que este, por meio de regras claras e estáveis, continue a agir na busca da máxima eficiência alocativa e da máxima eficiência produtiva, sempre voltado ao difícil equilíbrio entre as relações de produção e consumo. Impedindo, portanto, o deslocamento de questões técnicas até então decididas em regime colegiado e por inspiração técnica para o âmbito político e monocrático dos ministérios.
Nesse contexto, todas as atenções devem estar centradas de forma a contribuir com o governo e a sociedade, no sentido de esclarecer e entender qual o marco institucional vigente. A partir desse entendimento, propor os ajustes que se fizerem necessários, sem deixar de reconhecer o enorme avanço obtido com a reforma promovida no Estado brasileiro nos últimos anos, reconhecendo os inegáveis benefícios econômicos e sociais advindos dessa reengenharia institucional.
De acordo com a reforma efetivada a partir da legislação em vigor, poderíamos dizer que a atuação institucional do Estado se dá em dois níveis marcadamente distintos: no nível político, do chefe do Poder Executivo e dos ministérios; e, no nível técnico, por meio das agências reguladoras.
Com as necessárias ressalvas referentes àquilo que já está previsto na própria Constituição e na lei em termos principiológicos, compete ao governo formular as políticas públicas.
Essa atribuição foi concebida justamente com o objetivo de permitir ao governo estabelecer, com absoluta liberdade e de acordo com sua proposta para cada setor, as políticas que julgar convenientes para o alcance do interesse nacional.
Ela é realizada em espaço institucional que não se confunde com o regulatório, mas o condiciona enquanto vetor que direciona a atividade do órgão regulador. Ela envolve, por exemplo, aspectos como a análise de desempenho do mercado, o interesse em promover um determinado segmento da indústria, o estímulo a determinados investimentos, entre outros tantos. Nessa atividade, o elemento político é inerente, natural e até desejável.
Já ao órgão regulador compete praticar os atos regulatórios necessários ao alinhamento do mercado a essas políticas traçadas pelo Poder Executivo. Sua motivação deve ser exclusivamente técnica. Aqui, as decisões devem estar descontaminadas do elemento político, pois ele poderia conduzir a soluções de menor eficiência e em prejuízo do interesse público, retratado na política indicada.
Estabelecida essa distinção e reconhecida a sua necessidade e pertinência, caberia então perguntar qual a razão do intenso debate que se vem travando a respeito das agências reguladoras, de seu papel no Estado brasileiro, de sua autonomia e legitimidade. Passa-se, de maneira equivocada, à sociedade brasileira a impressão de que são órgãos cuja suposta independência excessiva fez com que as questões de absoluto interesse nacional ficassem dissociadas e fora do âmbito de competência do chefe do Poder Executivo, que foi eleito para traduzir o que a sociedade entende por interesse nacional.
Definitivamente, órgãos reguladores não estabelecem políticas públicas, que são atribuição de leis e do governo. Órgãos reguladores não definem tarifas. Seguindo os pressupostos legais e de acordo com suas especificidades, acompanham e fiscalizam a execução dos contratos de concessão.
Isso não significa dizer que as agências não precisem de aperfeiçoamento. Muito pode ainda ser feito. Entretanto, mais do que estabilidade de regras, o que a sociedade brasileira precisa é de estabilidade de propósitos, especialmente com relação àqueles que ela esculpiu na Constituição da República, como é o caso do marco regulatório e institucional referente às atividades públicas concedidas.


David Zilbersztajn, doutor em economia da energia pela Universidade de Grenoble (França), foi secretário de Energia do Estado de São Paulo (governo Mário Covas) e diretor da ANP (Agência Nacional do Petróleo) É diretor-presidente da DZ Negócios com Energia e professor da PUC/RJ.

Luiz Carlos Mendonça de Barros, titular desta coluna às sextas-feiras, está em férias.


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