São Paulo, Terça-feira, 25 de Maio de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

Uma falsa dicotomia

BENJAMIN STEINBRUCH

Vamos fazer de conta que o Brasil é uma grande empresa, navegando em uma economia na qual não faltam ventanias e tufões originados ou alimentados pelas andanças do chamado capital virtual.
No mar encapelado, a direção dessa empresa tem que tomar decisões que visam aos mais diversos objetivos, mas que colocam diante dos gestores uma conhecida dicotomia: como proteger a empresa, nos seus vários flancos, dos efeitos danosos que se embutem no olho do furacão, comprometendo seus objetivos negociais, ameaçando o emprego de seus funcionários e evitando que algum raio surja de repente, ferindo de morte a organização.
De outra parte, como tirar partido da crise, transformando-a em oportunidade de crescimento, de conquista de novas fatias de mercado, de concretização de investimentos destinados a fazê-la maior e mais forte.
Na iniciativa privada os administradores sabem que precisam atacar em um esforço permanente de alocação de recursos que reflitam as duas equações e permitam à empresa, na virada da crise, sair mais à frente para a realização de seus objetivos econômicos e sociais.
Nos conselhos de administração, nos comitês executivos e nas diretorias dessas empresas a defesa dessas duas causas é sempre feita com vigor -e até com paixão-, enquanto o presidente, ou o principal executivo, assume a inescapável missão de balancear os problemas, buscar a posição de equilíbrio e alocar os recursos destinados a tornar segura e produtiva a difícil travessia. E claro que ele sabe que não tem gente, dinheiro ou espaço mercadológico para guerrear nas duas frentes. E também sabe que, se apontar todas as suas baterias em uma só direção, vai dar com os burros n'água e contribuir para o definhamento -ou a própria liquidação- do seu empreendimento.
Faço essas reflexões no momento em que a mídia abre grandes espaços para o debate (e até as estocadas) entre os que defendem o "desenvolvimentismo" e os que lutam pelo "monetarismo". Uma luta que se reflete mais nos títulos das reportagens do que em seu contexto.
Quem acompanha com isenção a história do Plano Real não tem como negar que a formulação que mudou a cara do país foi toda lastreada na busca do equilíbrio entre a estabilidade econômica (e a seriedade financeira) e a criação de condições destinadas a levar o Brasil a um desenvolvimento sustentado, a ser gerado principalmente pela iniciativa privada.
Com o Real, veio a negação aos velhos parâmetros de um falso "desenvolvimentismo", marcado pelas emissões de moeda, pela gastança irresponsável, pela geração permanente de subsídios públicos para as atividades privadas, pela adoração à ineficiência das estatais, que não tinham nenhum compromisso com o equilíbrio econômico. Veio também a necessidade de levar a opinião pública a entender por que a inflação, longe de ser só um "mal necessário", recai sobre toda a cidadania e pune mais, e de forma profunda, exatamente as camadas menos favorecidas.
Muito se avançou. As reformas não vieram à velocidade desejada. Mas o Brasil se abriu para o mundo, melhorou a sua capacidade de competir, modernizou suas empresas, privatizou com energia algumas das gigantes estatais. Não foram os avanços, no entanto, suficientes para impedir que os raios da tempestade dos capitais virtuais levassem à desvalorização do real e embutissem terríveis ameaças de nova inflação, de nova recessão, de um grande retrocesso que afinal não houve nem vai haver.
Isso porque a sociedade tem sabido interpretar as lutas políticas e ideológicas, colocando-as no devido contexto. E se mantém firme na sua decisão de impedir que o Plano Real se fragilize e, muito menos, seja interrompido.
É por isso que as cotações da Bolsa e a equação dólar/real não se deixam governar pelas manchetes domésticas, que o povo sabe avaliar como ninguém. Os tremores de terra da semana passada só ocorreram no país na medida em que refletiram fatos políticos e econômicos que atingiram a Argentina e têm obrigado o nosso grande vizinho a usar todas as suas armas para provar que eles não têm nenhuma semelhança com "tigres asiáticos".
O Brasil não pode ser obrigado a decidir entre uma política monetária, para a defesa da moeda, e uma política econômica, para devolver o país à trilha do progresso. Uma primeira leitura das opiniões dos formuladores ou torcedores da Unicamp, de São Paulo, e da FGV, do Rio, poderia levar a essa enganosa afirmação. As relações dos itens "desenvolvimentistas" e "monetaristas", como aparecem nas revistas, também são curiosas e ficariam até muito simpáticas se um analista distraído resolvesse trocar as colunas e ver que as diferenças não são, afinal, tão radicais.
Devemos reconhecer o espírito público e o patriotismo dos que defendem as duas teses, especialmente aqueles que estão em posições administrativas ou políticas de poder e influência. Mas seria bom que, em vez de sublinhar as possíveis diferenças que possam separá-los, esses combatentes lembrassem os pontos de contato e de convergência que os unem e são essenciais para a definição dos rumos do país.
O novo desenvolvimento, casado com uma séria administração da nossa moeda, não pode repetir velhos conceitos em que a base real do crescimento era apenas a injeção maciça de verbas do governo. Na verdade ele será o fruto do trabalho da sociedade e das empresas privadas de todos os portes. Ele surgirá de regras confiáveis que estimulem as ousadias criativas dos homens de empresa. Ele depende, fortemente, de uma reformulação do sistema tributário que elimine as confusões, as repetições, as iniquidades dos nossos impostos. Ele avançará à medida que a luta contra a ineficiência, especialmente aquela conhecida como "custo Brasil", se transforme em uma guerra nacional, em que a maior parte das armas seja usada para abater a nova burocracia nacional. Ele se solidificará à medida que o combate à corrupção, que tem feito avanços significativos, se transforme na mais nobre das causas a que podem se dedicar os políticos e administradores sérios do país.
Temos urgência para tudo isso. O povo brasileiro tem pressa. Essa pressa não significa, no entanto, que o problema seja desfocado pelos fogos de artifício que querem enfeitar uma dicotomia que, afinal, não existe nem deve existir.


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br


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