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OPINIÃO ECONÔMICA
Uma falsa dicotomia
BENJAMIN STEINBRUCH
Vamos fazer de conta que o Brasil
é uma grande empresa, navegando
em uma economia na qual não faltam ventanias e tufões originados
ou alimentados pelas andanças do
chamado capital virtual.
No mar encapelado, a direção
dessa empresa tem que tomar decisões que visam aos mais diversos
objetivos, mas que colocam diante
dos gestores uma conhecida dicotomia: como proteger a empresa, nos
seus vários flancos, dos efeitos danosos que se embutem no olho do
furacão, comprometendo seus objetivos negociais, ameaçando o emprego de seus funcionários e evitando que algum raio surja de repente,
ferindo de morte a organização.
De outra parte, como tirar partido da crise, transformando-a em
oportunidade de crescimento, de
conquista de novas fatias de mercado, de concretização de investimentos destinados a fazê-la maior e
mais forte.
Na iniciativa privada os administradores sabem que precisam atacar em um esforço permanente de
alocação de recursos que reflitam as
duas equações e permitam à empresa, na virada da crise, sair mais à
frente para a realização de seus objetivos econômicos e sociais.
Nos conselhos de administração,
nos comitês executivos e nas diretorias dessas empresas a defesa dessas
duas causas é sempre feita com vigor -e até com paixão-, enquanto o presidente, ou o principal executivo, assume a inescapável missão de balancear os problemas, buscar a posição de equilíbrio e alocar
os recursos destinados a tornar segura e produtiva a difícil travessia.
E claro que ele sabe que não tem
gente, dinheiro ou espaço mercadológico para guerrear nas duas frentes. E também sabe que, se apontar
todas as suas baterias em uma só
direção, vai dar com os burros n'água e contribuir para o definhamento -ou a própria liquidação-
do seu empreendimento.
Faço essas reflexões no momento
em que a mídia abre grandes espaços para o debate (e até as estocadas) entre os que defendem o "desenvolvimentismo" e os que lutam
pelo "monetarismo". Uma luta que
se reflete mais nos títulos das reportagens do que em seu contexto.
Quem acompanha com isenção a
história do Plano Real não tem como negar que a formulação que
mudou a cara do país foi toda lastreada na busca do equilíbrio entre
a estabilidade econômica (e a seriedade financeira) e a criação de condições destinadas a levar o Brasil a
um desenvolvimento sustentado, a
ser gerado principalmente pela iniciativa privada.
Com o Real, veio a negação aos
velhos parâmetros de um falso "desenvolvimentismo", marcado pelas
emissões de moeda, pela gastança
irresponsável, pela geração permanente de subsídios públicos para as
atividades privadas, pela adoração
à ineficiência das estatais, que não
tinham nenhum compromisso com
o equilíbrio econômico. Veio também a necessidade de levar a opinião pública a entender por que a
inflação, longe de ser só um "mal
necessário", recai sobre toda a cidadania e pune mais, e de forma profunda, exatamente as camadas menos favorecidas.
Muito se avançou. As reformas
não vieram à velocidade desejada.
Mas o Brasil se abriu para o mundo, melhorou a sua capacidade de
competir, modernizou suas empresas, privatizou com energia algumas das gigantes estatais. Não foram os avanços, no entanto, suficientes para impedir que os raios da
tempestade dos capitais virtuais levassem à desvalorização do real e
embutissem terríveis ameaças de
nova inflação, de nova recessão, de
um grande retrocesso que afinal
não houve nem vai haver.
Isso porque a sociedade tem sabido interpretar as lutas políticas e
ideológicas, colocando-as no devido
contexto. E se mantém firme na sua
decisão de impedir que o Plano
Real se fragilize e, muito menos, seja interrompido.
É por isso que as cotações da Bolsa
e a equação dólar/real não se deixam governar pelas manchetes domésticas, que o povo sabe avaliar
como ninguém. Os tremores de terra da semana passada só ocorreram
no país na medida em que refletiram fatos políticos e econômicos
que atingiram a Argentina e têm
obrigado o nosso grande vizinho a
usar todas as suas armas para provar que eles não têm nenhuma semelhança com "tigres asiáticos".
O Brasil não pode ser obrigado a
decidir entre uma política monetária, para a defesa da moeda, e uma
política econômica, para devolver o
país à trilha do progresso. Uma primeira leitura das opiniões dos formuladores ou torcedores da Unicamp, de São Paulo, e da FGV, do
Rio, poderia levar a essa enganosa
afirmação. As relações dos itens
"desenvolvimentistas" e "monetaristas", como aparecem nas revistas, também são curiosas e ficariam
até muito simpáticas se um analista
distraído resolvesse trocar as colunas e ver que as diferenças não são,
afinal, tão radicais.
Devemos reconhecer o espírito
público e o patriotismo dos que defendem as duas teses, especialmente
aqueles que estão em posições administrativas ou políticas de poder
e influência. Mas seria bom que, em
vez de sublinhar as possíveis diferenças que possam separá-los, esses
combatentes lembrassem os pontos
de contato e de convergência que os
unem e são essenciais para a definição dos rumos do país.
O novo desenvolvimento, casado
com uma séria administração da
nossa moeda, não pode repetir velhos conceitos em que a base real do
crescimento era apenas a injeção
maciça de verbas do governo. Na
verdade ele será o fruto do trabalho
da sociedade e das empresas privadas de todos os portes. Ele surgirá
de regras confiáveis que estimulem
as ousadias criativas dos homens de
empresa. Ele depende, fortemente,
de uma reformulação do sistema
tributário que elimine as confusões,
as repetições, as iniquidades dos
nossos impostos. Ele avançará à
medida que a luta contra a ineficiência, especialmente aquela conhecida como "custo Brasil", se
transforme em uma guerra nacional, em que a maior parte das armas seja usada para abater a nova
burocracia nacional. Ele se solidificará à medida que o combate à corrupção, que tem feito avanços significativos, se transforme na mais nobre das causas a que podem se dedicar os políticos e administradores
sérios do país.
Temos urgência para tudo isso. O
povo brasileiro tem pressa. Essa
pressa não significa, no entanto,
que o problema seja desfocado pelos
fogos de artifício que querem enfeitar uma dicotomia que, afinal, não
existe nem deve existir.
Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing
financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é
presidente dos conselhos de administração da
Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br
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