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CONJUNTURA
AL deve torcer para que a economia dos EUA tenha um pouso suave, ainda que o desaquecimento traga prejuízos
Juro alto nos EUA ameaça o Brasil, diz FMI
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
A possibilidade de aumentos
fortes dos juros norte-americanos
representa hoje o risco mais palpável à economia brasileira, segundo o vice-diretor-gerente do
FMI (Fundo Monetário Internacional), Stanley Fischer.
Em entrevista à Folha, Fischer
disse ainda que a desvalorização
do real, em janeiro de 1999, proporcionou-lhe um dos dois piores
dias de trabalho desde que assumiu o cargo, em 1994. "Tudo que
poderia ter acontecido de errado
aconteceu."
O número dois do FMI disse
que os países da América Latina
devem torcer para um pouso suave da economia dos EUA, mesmo
que um desaquecimento possa
prejudicá-los em alguns aspectos,
e elogiou a decisão do Banco Central de reduzir os juros, mesmo no
atual contexto mundial.
Fischer afirmou ainda que o déficit em conta corrente brasileiro e
as remessas crescentes de lucros
para o exterior não devem ser vistos com preocupação.
Folha - A economia dos EUA já começou a desaquecer? Há sinais inequívocos nesse sentido?
Stanley Fischer - Há alguns sinais de desaquecimento. O crescimento do comércio varejista está
menor, assim como a construção
de novas casas. Mais do que qualquer índice, o que será verdadeiramente observado de perto são
os preços. Inflação é a maior preocupação do Fed. Diria que, comparado com várias semanas atrás,
há hoje mais sinais de desaquecimento, mas política monetária
funciona a longo prazo, e ninguém tem certeza do que está
acontecendo. A decisão do Fed na
terça-feira será por uma diferença
apertada de votos.
Folha - Supondo que o desaquecimento já tenha começado, o sr.
acha que os mercados emergentes
estão preparados para a redução
de suas exportações aos EUA, juros
mais altos e um dólar mais fraco?
Fischer - O impacto da economia
norte-americana nos mercados
em desenvolvimento é complexo.
Há três fatores, todos relacionados: juros, o nível de atividade e o
valor do dólar. Para países como o
México, o nível de atividade e os
juros norte-americanos são muito importantes. No Brasil, país cujo comércio com os EUA é menor,
os juros são muito importantes,
mais do que o nível de atividade.
Para a Argentina, cujo comércio
com os EUA é ainda menor e que
tem um sistema de câmbio fixo, o
dólar e os juros são importantes,
nessa ordem -uma desvalorização do dólar beneficia a Argentina. Então, os fatores são diferentes para cada país.
Folha - O desaquecimento, então,
também representa um risco para
a América Latina?
Fischer - O importante não é definir se o desaquecimento é bom
ou não para a América Latina e
para o resto do mundo, mas quais
são as alternativas. Sempre analisamos o mundo com base numa
idéia de perfeição, mas não estamos lidando com situações perfeitas. Se a economia dos EUA
não desaquecer e apresentar sinais de inflação, haverá taxas de
juros ainda maiores e, talvez, uma
queda abrupta da economia que
colocaria a economia mundial em
risco. Então, acho que o melhor
cenário para os países em desenvolvimento continua sendo o
"soft landing" da economia norte-americana, com os juros subindo pouco, o dólar se desvalorizando e o nível de atividade nos EUA
crescendo numa velocidade menor. Seria um cenário muito bom.
É mais importante para o resto do
mundo que a prosperidade dos
EUA continue, talvez até com um
novo aumento de 0,25 ponto percentual dos juros.
Folha - O FMI tem dito que o crescimento das economias européia e
japonesa terá de compensar a redução do nível de atividade nos
EUA para reduzir os riscos para o
mundo. Isso já está acontecendo?
Fischer - A Europa está bem,
particularmente a Alemanha. Fala-se numa expansão do PIB de
3% no continente, o que é muito
bom. No Japão, os sinais não são
tão claros, mas pessoas que respeito dizem que há indícios encorajadores.
Folha - O sr. disse que, no caso do
Brasil, os juros nos EUA são mais
importantes do que o nível de atividade da economia norte-americana. O sr. poderia explicar melhor?
Fischer - O Brasil tem uma taxa
de câmbio flexível. Um dólar mais
fraco seria menos importante para o país porque o real pode
acompanhar a variação da moeda
norte-americana. O que acho é
que, se tiver de ranquear a importância desses três fatores da economia dos EUA para a América
Latina, diria que, no caso do Brasil, os juros são mais importantes.
Folha - Qual é o nível dos juros
norte-americanos que poderia passar a prejudicar seriamente a economia brasileira?
Fischer - Não poderia dizer. O
que posso afirmar é que a recuperação da economia brasileira está
cada vez mais forte, sólida.
Folha - Dentro desse contexto, foi
oportuno o Brasil ter reduzido os
juros neste momento?
Fischer - O Banco Central brasileiro construiu um histórico de
condução cautelosa da política
monetária sob o sistema de metas
inflacionárias. Esse histórico permitiu que a meta de inflação de
dezembro de 99 fosse atingida. Os
prognósticos (de controle da inflação) para este ano também são
bons. A decisão de cortar os juros
parece estar de acordo com essa
avaliação.
Folha - No último relatório do FMI
sobre economia mundial, o déficit
em conta corrente dos países da
América Latina é visto como um risco. O Brasil ainda tem déficit de
quase 4% do PIB (embora esse resultado seja parcialmente influência da desvalorização da moeda,
que reduziu, em valor, o tamanho
da economia). De que tamanho é
esse risco para a região?
Fischer - Os países estão em posições diferentes. No Brasil, os investimentos diretos estão cobrindo o déficit em conta corrente. Os
fluxos de investimento direto têm
se mantido estáveis. Não saíram
do país nem durante a crise. As
pessoas querem investir no Brasil.
Folha - Mas, então, qual é o risco?
Fischer - A preocupação se resume à hipótese de choques externos, com uma eventual recessão
mundial. Se o choque vier de dentro, o balanço de pagamentos de
países com déficit em conta corrente pode até melhorar. Mas, se
for um choque de fora, a posição
externa poderia se deteriorar. Essa é a preocupação, mas não daria
muita importância a ela.
Folha - Algumas pessoas vêem
dois problemas sérios no fluxo de
investimentos diretos. Um deles é
que eles dependem do programa
de privatizações e acabariam depois que o país vendesse sua última
estatal. O outro é que a remessa de
lucros crescente desses investidores poderia afetar as contas externas. O que o senhor acha?
Fischer - A primeira preocupação é louca. Não faz nenhum sentido. Existe um volume enorme
de investimentos diretos entrando nos EUA e não acho que estejam relacionados com a privatização. A economia brasileira continua se fortalecendo. Dado o potencial do país -e sei que é perigoso falar em potencial do Brasil
porque as pessoas fazem piadas
sobre o Brasil como um país do
futuro-, poderemos observar
investimentos diretos por um
longo período de tempo no país.
No caso da remessa de lucros,
trata-se de uma questão, mas não
é tão grave quanto pode parecer,
mesmo quando os números impressionam. Com o tempo, grande parte dos lucros passa a ser
reinvestida.
Folha - O governo brasileiro recentemente pediu ao FMI que alterasse a forma de cômputo do déficit público no país. Segundo o presidente Fernando Henrique Cardoso, a atual fórmula inibe investimentos em saneamento básico.
Fischer - Não tenho uma posição
sobre essa discussão.
Folha - Não é mais somente uma
discussão. Parece tratar-se agora
de um pedido formal do governo
brasileiro ao FMI.
Fischer - Não tenho uma posição
sobre esse assunto.
Folha - Na última quarta-feira, o
ex-diretor-gerente do FMI Michel
Camdessus fez uma revelação interessante em Paris. Ele disse que, no
dia em que o fundo "hedge" LTCM
(Long Term Capital Management)
quase quebrou, em setembro de
98, ele achou que a economia mundial entraria em colapso. Quais foram os seus piores momentos no
FMI desde que o sr. passou a ocupar
esse cargo, em setembro de 94?
Fischer - Tive dois dias parecidos
com esse de Camdessus. Um foi
na desvalorização russa. Sabia
que teria consequências, mas não
imaginava a rapidez com a qual
poderia impactar a América Latina. A segunda foi a desvalorização
do real. Infelizmente, estava completamente errado. Você sempre
raciocina com vários cenários,
desde aquele em que tudo dá certo até o outro, em que tudo dá errado. Até o dia em que o Brasil
desvalorizou, em janeiro de 99,
tudo o que eu achava que poderia
dar errado deu errado. Uma hipótese ruim era a de que a crise na
Tailândia poderia se tornar uma
crise na Ásia. Ela ocorreu. Outra
era a de que a crise na Ásia poderia se expandir para a Rússia. Foi
o que ocorreu. Depois, cogitava-se que a crise na Rússia poderia se
alastrar para a América Latina. E
foi o que ocorreu. Aí veio o Brasil.
Foi o ápice e, ao mesmo tempo, o
fim da crise, porque eu imaginava
uma hipótese ainda pior: temia
que a crise no Brasil pudesse voltar para a Ásia e afetar os países
que começavam a se recuperar.
Na verdade, a recuperação no
Brasil foi impressionante.
Folha - Então a crise do LTCM não
pareceu ao sr. tão assustadora...
Fischer - Na verdade, tudo está
relacionado com o ótimo relato
de Camdessus, porque o colapso
do LTCM veio logo depois da crise russa. O que a crise do LTCM
mostrou foi que a crise mundial
começava a dar sinais de vida
dentro do único motor da economia mundial, que é a economia
dos EUA. Foi por essa razão que o
Fed cortou tão drasticamente os
juros e tomou as rédeas da operação. Então, acho que a descrição
de Camdessus é perfeita porque
mostrou que as crises em países
em desenvolvimento poderiam
tornar-se globais.
Folha - Em 99, quando as companhias de Internet ainda eram vistas
como símbolos de uma nova economia, à prova de recessões, o sr. dizia que a idéia não era correta. Como o sr. vê esse assunto hoje?
Fischer - É inegável que existe algo impressionante ocorrendo no
mundo. A produtividade dos
EUA aumentou como um fator
real até na opinião dos mais pessimistas, e essa revolução ainda está
na metade do caminho, levando-se em consideração as inovações
que ainda podem ser usadas pelas
empresas para aumentar a produção. Mas isso não afasta o risco de
recessões no mundo. O ciclo de
negócios continua vivo.
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