São Paulo, domingo, 25 de junho de 2000


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CONJUNTURA
AL deve torcer para que a economia dos EUA tenha um pouso suave, ainda que o desaquecimento traga prejuízos
Juro alto nos EUA ameaça o Brasil, diz FMI

MARCIO AITH
DE WASHINGTON

A possibilidade de aumentos fortes dos juros norte-americanos representa hoje o risco mais palpável à economia brasileira, segundo o vice-diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Stanley Fischer.
Em entrevista à Folha, Fischer disse ainda que a desvalorização do real, em janeiro de 1999, proporcionou-lhe um dos dois piores dias de trabalho desde que assumiu o cargo, em 1994. "Tudo que poderia ter acontecido de errado aconteceu."
O número dois do FMI disse que os países da América Latina devem torcer para um pouso suave da economia dos EUA, mesmo que um desaquecimento possa prejudicá-los em alguns aspectos, e elogiou a decisão do Banco Central de reduzir os juros, mesmo no atual contexto mundial.
Fischer afirmou ainda que o déficit em conta corrente brasileiro e as remessas crescentes de lucros para o exterior não devem ser vistos com preocupação.

Folha - A economia dos EUA já começou a desaquecer? Há sinais inequívocos nesse sentido?
Stanley Fischer -
Há alguns sinais de desaquecimento. O crescimento do comércio varejista está menor, assim como a construção de novas casas. Mais do que qualquer índice, o que será verdadeiramente observado de perto são os preços. Inflação é a maior preocupação do Fed. Diria que, comparado com várias semanas atrás, há hoje mais sinais de desaquecimento, mas política monetária funciona a longo prazo, e ninguém tem certeza do que está acontecendo. A decisão do Fed na terça-feira será por uma diferença apertada de votos.

Folha - Supondo que o desaquecimento já tenha começado, o sr. acha que os mercados emergentes estão preparados para a redução de suas exportações aos EUA, juros mais altos e um dólar mais fraco?
Fischer -
O impacto da economia norte-americana nos mercados em desenvolvimento é complexo. Há três fatores, todos relacionados: juros, o nível de atividade e o valor do dólar. Para países como o México, o nível de atividade e os juros norte-americanos são muito importantes. No Brasil, país cujo comércio com os EUA é menor, os juros são muito importantes, mais do que o nível de atividade. Para a Argentina, cujo comércio com os EUA é ainda menor e que tem um sistema de câmbio fixo, o dólar e os juros são importantes, nessa ordem -uma desvalorização do dólar beneficia a Argentina. Então, os fatores são diferentes para cada país.

Folha - O desaquecimento, então, também representa um risco para a América Latina?
Fischer -
O importante não é definir se o desaquecimento é bom ou não para a América Latina e para o resto do mundo, mas quais são as alternativas. Sempre analisamos o mundo com base numa idéia de perfeição, mas não estamos lidando com situações perfeitas. Se a economia dos EUA não desaquecer e apresentar sinais de inflação, haverá taxas de juros ainda maiores e, talvez, uma queda abrupta da economia que colocaria a economia mundial em risco. Então, acho que o melhor cenário para os países em desenvolvimento continua sendo o "soft landing" da economia norte-americana, com os juros subindo pouco, o dólar se desvalorizando e o nível de atividade nos EUA crescendo numa velocidade menor. Seria um cenário muito bom. É mais importante para o resto do mundo que a prosperidade dos EUA continue, talvez até com um novo aumento de 0,25 ponto percentual dos juros.

Folha - O FMI tem dito que o crescimento das economias européia e japonesa terá de compensar a redução do nível de atividade nos EUA para reduzir os riscos para o mundo. Isso já está acontecendo?
Fischer -
A Europa está bem, particularmente a Alemanha. Fala-se numa expansão do PIB de 3% no continente, o que é muito bom. No Japão, os sinais não são tão claros, mas pessoas que respeito dizem que há indícios encorajadores.

Folha - O sr. disse que, no caso do Brasil, os juros nos EUA são mais importantes do que o nível de atividade da economia norte-americana. O sr. poderia explicar melhor?
Fischer -
O Brasil tem uma taxa de câmbio flexível. Um dólar mais fraco seria menos importante para o país porque o real pode acompanhar a variação da moeda norte-americana. O que acho é que, se tiver de ranquear a importância desses três fatores da economia dos EUA para a América Latina, diria que, no caso do Brasil, os juros são mais importantes.

Folha - Qual é o nível dos juros norte-americanos que poderia passar a prejudicar seriamente a economia brasileira?
Fischer -
Não poderia dizer. O que posso afirmar é que a recuperação da economia brasileira está cada vez mais forte, sólida.

Folha - Dentro desse contexto, foi oportuno o Brasil ter reduzido os juros neste momento?
Fischer -
O Banco Central brasileiro construiu um histórico de condução cautelosa da política monetária sob o sistema de metas inflacionárias. Esse histórico permitiu que a meta de inflação de dezembro de 99 fosse atingida. Os prognósticos (de controle da inflação) para este ano também são bons. A decisão de cortar os juros parece estar de acordo com essa avaliação.

Folha - No último relatório do FMI sobre economia mundial, o déficit em conta corrente dos países da América Latina é visto como um risco. O Brasil ainda tem déficit de quase 4% do PIB (embora esse resultado seja parcialmente influência da desvalorização da moeda, que reduziu, em valor, o tamanho da economia). De que tamanho é esse risco para a região?
Fischer -
Os países estão em posições diferentes. No Brasil, os investimentos diretos estão cobrindo o déficit em conta corrente. Os fluxos de investimento direto têm se mantido estáveis. Não saíram do país nem durante a crise. As pessoas querem investir no Brasil.

Folha - Mas, então, qual é o risco?
Fischer -
A preocupação se resume à hipótese de choques externos, com uma eventual recessão mundial. Se o choque vier de dentro, o balanço de pagamentos de países com déficit em conta corrente pode até melhorar. Mas, se for um choque de fora, a posição externa poderia se deteriorar. Essa é a preocupação, mas não daria muita importância a ela.

Folha - Algumas pessoas vêem dois problemas sérios no fluxo de investimentos diretos. Um deles é que eles dependem do programa de privatizações e acabariam depois que o país vendesse sua última estatal. O outro é que a remessa de lucros crescente desses investidores poderia afetar as contas externas. O que o senhor acha?
Fischer -
A primeira preocupação é louca. Não faz nenhum sentido. Existe um volume enorme de investimentos diretos entrando nos EUA e não acho que estejam relacionados com a privatização. A economia brasileira continua se fortalecendo. Dado o potencial do país -e sei que é perigoso falar em potencial do Brasil porque as pessoas fazem piadas sobre o Brasil como um país do futuro-, poderemos observar investimentos diretos por um longo período de tempo no país.
No caso da remessa de lucros, trata-se de uma questão, mas não é tão grave quanto pode parecer, mesmo quando os números impressionam. Com o tempo, grande parte dos lucros passa a ser reinvestida.

Folha - O governo brasileiro recentemente pediu ao FMI que alterasse a forma de cômputo do déficit público no país. Segundo o presidente Fernando Henrique Cardoso, a atual fórmula inibe investimentos em saneamento básico.
Fischer -
Não tenho uma posição sobre essa discussão.

Folha - Não é mais somente uma discussão. Parece tratar-se agora de um pedido formal do governo brasileiro ao FMI.
Fischer -
Não tenho uma posição sobre esse assunto.

Folha - Na última quarta-feira, o ex-diretor-gerente do FMI Michel Camdessus fez uma revelação interessante em Paris. Ele disse que, no dia em que o fundo "hedge" LTCM (Long Term Capital Management) quase quebrou, em setembro de 98, ele achou que a economia mundial entraria em colapso. Quais foram os seus piores momentos no FMI desde que o sr. passou a ocupar esse cargo, em setembro de 94?
Fischer -
Tive dois dias parecidos com esse de Camdessus. Um foi na desvalorização russa. Sabia que teria consequências, mas não imaginava a rapidez com a qual poderia impactar a América Latina. A segunda foi a desvalorização do real. Infelizmente, estava completamente errado. Você sempre raciocina com vários cenários, desde aquele em que tudo dá certo até o outro, em que tudo dá errado. Até o dia em que o Brasil desvalorizou, em janeiro de 99, tudo o que eu achava que poderia dar errado deu errado. Uma hipótese ruim era a de que a crise na Tailândia poderia se tornar uma crise na Ásia. Ela ocorreu. Outra era a de que a crise na Ásia poderia se expandir para a Rússia. Foi o que ocorreu. Depois, cogitava-se que a crise na Rússia poderia se alastrar para a América Latina. E foi o que ocorreu. Aí veio o Brasil. Foi o ápice e, ao mesmo tempo, o fim da crise, porque eu imaginava uma hipótese ainda pior: temia que a crise no Brasil pudesse voltar para a Ásia e afetar os países que começavam a se recuperar. Na verdade, a recuperação no Brasil foi impressionante.

Folha - Então a crise do LTCM não pareceu ao sr. tão assustadora...
Fischer -
Na verdade, tudo está relacionado com o ótimo relato de Camdessus, porque o colapso do LTCM veio logo depois da crise russa. O que a crise do LTCM mostrou foi que a crise mundial começava a dar sinais de vida dentro do único motor da economia mundial, que é a economia dos EUA. Foi por essa razão que o Fed cortou tão drasticamente os juros e tomou as rédeas da operação. Então, acho que a descrição de Camdessus é perfeita porque mostrou que as crises em países em desenvolvimento poderiam tornar-se globais.

Folha - Em 99, quando as companhias de Internet ainda eram vistas como símbolos de uma nova economia, à prova de recessões, o sr. dizia que a idéia não era correta. Como o sr. vê esse assunto hoje?
Fischer -
É inegável que existe algo impressionante ocorrendo no mundo. A produtividade dos EUA aumentou como um fator real até na opinião dos mais pessimistas, e essa revolução ainda está na metade do caminho, levando-se em consideração as inovações que ainda podem ser usadas pelas empresas para aumentar a produção. Mas isso não afasta o risco de recessões no mundo. O ciclo de negócios continua vivo.


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