São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002

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MUNDO REAL

Em um ano e meio, a SocialCred fez 1.106 empréstimos, num total de R$ 2,2 mi, para pequenos comerciantes

Microcrédito une opostos na Cidade de Deus

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Nome e cenário do filme que estréia dia 30, Cidade de Deus é uma imensa favela na periferia oeste do Rio, onde predominam exclusão, violência e gente humilde na luta pela sobrevivência.
Nesse universo prolifera um comércio miúdo, predominantemente informal, excluído do sistema financeiro, porém sempre em crescimento.
Tanto que é ali que se concentra a maioria dos clientes da SocialCred, a principal empresa de microcrédito do país e uma das que desfrutam do programa de financiamento do BNDES para que se criem sociedades de crédito ao microempreendedor. Ela aproxima situações opostas na Cidade de Deus: quem tem dinheiro a oferecer de quem precisa dele para manter seu negócio.
O conceito do microcrédito surgiu em 1974 em Bangladesh, por iniciativa do professor de economia Muhammad Yunus, 62. Naquele ano, ele emprestou o equivalente a US$ 27 a 42 mulheres. Ganhou o apelido de "banqueiro dos pobres". Quatro amigos moradores do Rio levaram a sério essa experiência de Yunus.
Os quatro, liderados por Rubens de Andrade Neto, 44, hoje presidente da SocialCred, fundaram a empresa há pouco mais de um ano e meio. "Emprestar dinheiro com juro baixo a quem nem tem conta corrente é importante do ponto de vista da evolução da sociedade", diz Andrade.
Nesse tempo, a SocialCred fez 1.106 empréstimos, num valor total de R$ 2,2 milhões. O investimento até agora foi de R$ 400 mil.
Uma peça-chave desse negócio é o agente de crédito, papel desempenhado na Cidade de Deus por Sirlene Ferreira, 34. Ex-enfermeira, ela faz uso frequente da habilidade no trato pessoal para se relacionar com os clientes, hoje mais de uma centena. "Porque a gente tem que orientar as pessoas, ajudá-las a entender seu próprio negócio para ver se vão conseguir pagar o financiamento, e eu, para ver se dá para conceder."
Assim é que Sirlene acaba se tornando amiga dos clientes, como é o caso de Severina Luciano Barbosa, 46. A história de Severina é exemplo da capacidade de sobrevivência da população da Cidade de Deus: ela foi mendiga, aprendeu a fazer salgadinhos, sanduíches e hoje é dona de um restaurante modestíssimo, mas que serve cerca de cem refeições todos os dias. Quando vendia sanduíches, conseguiu o primeiro empréstimo com Sirlene (R$ 500). Agora quer mais, para um balcão frigorífico. "O movimento aumentou, mas pode melhorar ainda mais", diz ela na porta do restaurante Pai das Luzes.
Quem também já pegou financiamento uma vez (R$ 1.000) e quer repetir a dose é Sônia Regina Gomes, 32, que comanda uma lojinha que vende pão, salsichas, catchup, maionese etc., ou seja, tudo o que é necessário para abastecer vendedores de cachorro-quente e outros sanduíches.
A venda de alimentos na Cidade de Deus é um bom negócio, e o de Zelina Pereira Narciso, 43, cresceu tanto que ela já encaminhou seu terceiro pedido de empréstimo desde que deixou de ser balconista de uma lanchonete no bairro do Grajaú e abriu a sua própria na Cidade de Deus. Ela já tomou R$ 500 e R$ 1.500, este o mesmo valor do próximo, que usará para comprar mercadorias à vista, com preços melhores.
Mas roupa também dá dinheiro no pequeno comércio da Cidade de Deus e a loja "Meninos e Meninas", de Rosângela Olímpio dos Santos, 36, é prova: para incrementar seu estoque de vestimenta para bebês e crianças, ela pediu R$ 500. Deve receber em breve.
E é verdade que gente de baixa renda paga direito: das cerca de cem pessoas que tomaram empréstimos na Cidade de Deus, só duas estão inadimplentes.


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