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MP provoca mal-estar entre Lula e Alencar
GABRIELA ATHIAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
DO ENVIADO A NOVA YORK
A liberação dos transgênicos
provocou um novo mal-estar entre Lula e José Alencar. No Brasil,
na condição de presidente interino, José Alencar manifestou sua
contrariedade em assinar a medida provisória liberando o plantio
de soja transgênica no país.
"Um pobre coitado de um presidente em exercício, lá de Minas
Gerais, tem que assinar essa medida provisória", disse ele, após
comparar a discussão dos transgênicos a um "atropelamento".
De Nova York, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva mandou
o seu recado ao interino, dizendo
que ele "sabe o que fazer e vai fazer do jeito que tem de fazer".
Ontem, Alencar passou o dia
em reuniões sobre o tema. Logo
cedo, no Itamaraty, explicitou a
pressão que está sentindo: "Conversei com técnicos da Embrapa
[Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária], não há risco. Mas
os ambientalistas afirmam que
há. É uma situação difícil. Vocês
devem estar com pena de mim".
Ele afirmou ainda que precisava
tomar uma decisão o mais rápido
possível: "O tempo urge, e agora,
chegando a 1º de outubro, já começam as chuvas e isso indica
tempo de plantio".
O presidente interino falou sobre transgênicos em seu discurso
de abertura do seminário "Saber
Global: Centro e Periferia na Sociedade do Conhecimento", dirigido aos membros do Conselho
de Desenvolvimento Econômico
e Social, coordenado pelo ministro Tarso Genro (Desenvolvimento Econômico e Social).
Alencar chegou a falar dos comentários de que ele estaria resistindo a assinar a MP, divulgados
em reportagem de TV ontem pela
manhã, o que teria irritado o ministro José Dirceu (Casa Civil).
"Quem levanta cedo deve ter visto
na televisão alguma coisa que até
me condenava: "Que diabo, o presidente em exercício não assinou
a medida provisória?'".
Em seguida, procurando justificar sua decisão de não assinar a
medida provisória anteontem,
afirmou: "Mineiro demora um
pouco para tomar decisão. Não
estou demorando tanto".
Terminou o dia sem assinar a
MP, contrariando o desejo de Dirceu, que embarca hoje para Cuba
onde fará parte da comitiva de
Lula na viagem ao país.
Não só o de José Dirceu, mas
também o de Lula. Dos EUA, o
presidente havia dito que "eles sabem o que fazer", ao afirmar que
conversara sobre a liberação dos
transgênicos com Dirceu, Marina
Silva (Meio Ambiente) e Roberto
Rodrigues (Agricultura).
Lula procurou evitar, porém,
adotar um tom duro para não alimentar uma crise com o vice. O
presidente, que na semana passada já havia tido reuniões para discutir a posição do governo, não
assinou a MP pois viajou aos
EUA. Em março, ele assinou outra MP permitindo que a soja
transgênica colhida da safra passada seja comercializada no país
até janeiro de 2004.
Em entrevista, Lula fez questão
de dizer que não responderia a
Alencar. Mas deu todos os recados em sentido contrário ao vice.
"O Zé Alencar é o presidente da
República em exercício. Estou a
8.000, 9.000 quilômetros de distância", dizendo que conversaria
com Alencar ao voltar ao Brasil.
Nos bastidores, porém, a reação
de Lula foi mais dura. Ele não gostou de saber que Alencar, mais
uma vez, destoara de uma decisão
de governo e do ministro Dirceu.
Benedita Marina Silva
Alencar começou a falar sobre
transgênicos -tema sem ligação
com o seminário Saber Global-
após chamar a ministra Benedita
da Silva (Assistência e Promoção
Social), presente à abertura do
evento no Itamaraty, de Marina
Silva, que estava ausente e é contra a liberação de transgênicos.
"Estou abrindo aqui um parêntese porque aconteceu, por acaso,
em vez de cumprimentar a ministra Benedita, a chamei de Marina.
E isso me ocorreu porque realmente eu tenho que assinar essa
medida provisória", justificou-se.
Alencar pediu a ajuda dos
membros do conselho. "Exercitem sua inteligência como aliados
deste pobre marquês, e quem sabe o ministro Tarso Genro me leve alguma informação". A "ajuda" seria um sinal verde para respaldar a assinatura da MP. Alencar disse que gostaria de receber
do conselho a seguinte orientação: "Assine a medida provisória,
porém diga por quê". Ele afirmou
que o conselho poderá ajudá-lo "a
errar menos" na assinatura da lei.
Alencar disse que "provavelmente" terá de acrescentar ao texto da MP as razões pelas quais ela
será assinada. Ele quer incluir no
texto da lei uma exposição de motivos para esclarecer porque autorizará o plantio de transgênicos.
Pela manhã, quando recebeu
deputados do PT e representantes
do movimento agrário, Alencar
disse "vestir a mesma camisa"
que eles, referindo-se a cinco integrantes do Via Campesina que
usavam uma camisa com o slogan
"Não sou cobaia. Não aos transgênicos". Após isso, Alencar completou: "A camisa do Brasil".
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