São Paulo, sexta-feira, 25 de outubro de 2002

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OPINIÃO ECONÔMICA

Brasil: uma economia maior de idade

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Sou um apaixonado pela economia brasileira. Não uma dessas paixões violentas e de curta duração, mas uma admiração madura e curtida ao longo de muitos anos -já são mais de 35- de vida em comum. Paixão pela capacidade de sobreviver a uma série infinita de crises terríveis, com o enterro já contratado e encomendado, que aconteceram nos últimos anos. Paixão pela resistência de nosso sistema produtivo a experiências econômicas insanas que economistas, da direita e da esquerda, de tempos em tempos, exercitam quando estão no poder. Paixão pela forma como o brasileiro suporta esses tempos difíceis, sempre prontos a encarar com otimismo cada nova oportunidade de melhora que aparece. E, olhando para trás, entendemos o porquê desse comportamento quase esquizofrênico do brasileiro: estamos sempre melhorando e progredindo, apesar de tudo.
Agora mesmo estamos vivendo um desses períodos de renascimento. O Banco Central divulgou ontem os resultados de nossa balança de pagamentos, referentes ao mês de setembro. São impressionantes! Deveremos ter um déficit em conta corrente neste ano da ordem de US$ 11 bilhões -ou cerca de 2,42% do PIB. Mantido para o ano que vem o processo de ajuste em curso, o déficit em conta corrente, informa o BC, deverá ser de US$ 9 bilhões -ou algo como 1,9% do PIB. Para que o leitor da Folha possa julgar essa mudança, lembro que esse déficit já foi de mais de US$ 30 bilhões, ou mais de 4% do PIB. Para que isso ocorra, o departamento econômico do BC está prevendo um superávit comercial da ordem de US$ 15 bilhões em 2003. Um número viável.
Nesse cenário, o Brasil vai certamente sair do grupo de risco dos países com trajetória explosiva em suas contas externas. Vamos poder respirar novamente e voltar, a partir de 2004, a cuidar de forma responsável de nossos problemas estruturais. Os pessimistas de sempre vão argumentar que esse ajuste está sendo feito, a partir de uma recessão interna muito grave, com um alto desemprego e uma queda do salário dos trabalhadores. A eles respondo com outra pergunta: existe outra forma de enfrentarmos a crise atual?
Felizmente o PT -que a partir do próximo domingo será poder no Brasil-, a acreditar no que estamos ouvindo nestes últimos dias de alguns de seus líderes-, não estará mais do lado das barricadas esquerdistas que tanto barulho fizeram, nos últimos anos. A direção do partido parece perceber que o sucesso de sua longa caminhada em direção ao poder político do país implica a manutenção do quadro recessivo atual por mais algum tempo.
As lições do fracasso eleitoral de FHC e seu candidato são muito claras. Um governo que deseja manter-se no poder precisa administrar a economia sempre com um olho no calendário eleitoral. Enfrentar as urnas com uma economia com problemas sérios é o atalho mais fácil para uma derrota humilhante. Como ser vitorioso quando o índice de desemprego na zona metropolitana mais importante do país bate o recorde de 20 anos? Como enfrentar uma oposição aguerrida e eficiente nas urnas com os salários caindo pelo 20º mês consecutivo? Como ser vencedor quando a inflação volta a aparecer depois de decretada oficialmente sua morte morrida?
Melhor para um novo governo administrar em seu primeiro ano as insatisfações e críticas com um quadro econômico não muito diferente do governo, que foi por ele tão satanizado, do que cair na mesma armadilha de FHC. Principalmente um governo que vem dando amostras inequívocas de uma disciplina partidária não conhecida na história política do Brasil. Um verdadeiro stalinismo com tintas claras de Gramsci. Como aprendi mais jovem com o dr. Fernão Bracher, no governo é melhor passar vergonha por algum tempo do que ter de administrar uma crise terminal por um longo período. Mas vamos tentar desenhar esse cenário de vergonha ou de estelionato eleitoral que Lula terá de administrar para poder governar em paz em seus últimos três anos de mandato.
Precisamos entender primeiro a natureza do processo de ajuste atual de nossas contas externas. Ele está ocorrendo apesar do governo! Em outras palavras, da mesma forma como aconteceu a flutuação de nossa moeda, em 1999, foi o mercado que detonou esse ajuste. Ele não é fruto de uma decisão autônoma do presidente de República e de sua equipe econômica. Quando a ameaça de uma vitória eleitoral do velho PT ficou mais clara, por volta de maio, começou um processo de fuga de ativos brasileiros por parte dos investidores internacionais, principalmente dos grandes bancos. Esse movimento defensivo fez o chamado risco Brasil iniciar uma trajetória explosiva de alta. Em um cenário internacional já bastante nervoso pela quebra da Argentina e pela crise nas economias do Primeiro Mundo, a possibilidade de um "default" brasileiro criou um verdadeiro pânico no mercado. A disponibilidade de crédito para financiar nosso déficit externo veio perto de zero e o risco de dificuldades sérias na administração de nossa dívida externa aumentou exponencialmente.
Esse sentimento de deterioração percebida de nossa situação de solvência acelerou-se, criando uma espiral de desvalorização do real. Por outro lado, as empresas brasileiras passaram a remeter dólares para o exterior, via contas CC-5, para recomprar suas dívidas a preços de barganha. Os grandes vendedores foram os bancos internacionais, que procuravam a todo custo mostrar uma redução de sua exposição ao Brasil. Isso agravou ainda mais a desvalorização de nossa moeda.
Nesse momento, como nossa economia não estava à morte, o lado positivo da crise começou a mostrar sua força: as exportações explodiram, respondendo à taxa de câmbio desvalorizada, e as importações caíram, sob o efeito da recessão e da produção interna mais competitiva. Os números divulgados pelo BC na última quinta-feira já captam com clareza esse processo. Já suas previsões para 2003 assumem a manutenção do quadro conjuntural atual por mais tempo. Dependem, portanto, do desenho da política econômica do governo Lula.
As primeiras previsões sobre o comportamento de nossa economia, nesse cenário de continuidade do ajuste externo durante 2003, estão saindo do forno. Timidamente, para evitar o patrulhamento do PT nestes momentos que antecedem o segundo turno, as principais consultorias econômicas estão divulgando seus números. Todos apontam um crescimento nulo ou negativo de nosso PIB, no primeiro ano do governo da estrela. Mostram também um quadro ainda pior para o mercado de trabalho -aumento do desemprego e queda do salário real- e uma inflação entre 13% para o IPCA e 18% para o IGP-M. O lado positivo é que acenam com a cenoura de uma retomada gradual do crescimento de nossa economia e uma queda da inflação a partir de 2004.
O comportamento dos mercados no momento em que escrevo esta minha coluna -queda do dólar e do risco Brasil- parece indicar que o PT está ganhando pontos na guerra das expectativas. Esse processo de melhora do humor dos mercados vai depender dos próximos passos de Lula e de seus companheiros. O discurso de aceitação de sua vitória logo após as eleições, a definição da equipe de transição e, principalmente, as divulgações dos nomes da equipe econômicas do governo serão eventos analisados com lupa pelos principais agentes econômicos. Somente a partir dessas informações é que o quadro atual de mais esperanças pode se consolidar. Serão dias tensos e de importância vital para todos os brasileiros.


Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59, engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações (governo FHC).

Internet: www.primeiraleitura.com.br

E-mail - lcmb2@terra.com.br


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