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OPINIÃO ECONÔMICA
Brasil: uma economia maior de idade
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Sou um apaixonado pela economia brasileira. Não uma
dessas paixões violentas e de curta duração, mas uma admiração
madura e curtida ao longo de
muitos anos -já são mais de
35- de vida em comum. Paixão
pela capacidade de sobreviver a
uma série infinita de crises terríveis, com o enterro já contratado
e encomendado, que aconteceram nos últimos anos. Paixão pela resistência de nosso sistema
produtivo a experiências econômicas insanas que economistas,
da direita e da esquerda, de tempos em tempos, exercitam quando estão no poder. Paixão pela
forma como o brasileiro suporta
esses tempos difíceis, sempre
prontos a encarar com otimismo
cada nova oportunidade de melhora que aparece. E, olhando para trás, entendemos o porquê desse comportamento quase esquizofrênico do brasileiro: estamos
sempre melhorando e progredindo, apesar de tudo.
Agora mesmo estamos vivendo
um desses períodos de renascimento. O Banco Central divulgou
ontem os resultados de nossa balança de pagamentos, referentes
ao mês de setembro. São impressionantes! Deveremos ter um déficit em conta corrente neste ano da
ordem de US$ 11 bilhões -ou cerca de 2,42% do PIB. Mantido para o ano que vem o processo de
ajuste em curso, o déficit em conta corrente, informa o BC, deverá
ser de US$ 9 bilhões -ou algo como 1,9% do PIB. Para que o leitor
da Folha possa julgar essa mudança, lembro que esse déficit já
foi de mais de US$ 30 bilhões, ou
mais de 4% do PIB. Para que isso
ocorra, o departamento econômico do BC está prevendo um superávit comercial da ordem de US$
15 bilhões em 2003. Um número
viável.
Nesse cenário, o Brasil vai certamente sair do grupo de risco dos
países com trajetória explosiva
em suas contas externas. Vamos
poder respirar novamente e voltar, a partir de 2004, a cuidar de
forma responsável de nossos problemas estruturais. Os pessimistas
de sempre vão argumentar que
esse ajuste está sendo feito, a partir de uma recessão interna muito
grave, com um alto desemprego e
uma queda do salário dos trabalhadores. A eles respondo com outra pergunta: existe outra forma
de enfrentarmos a crise atual?
Felizmente o PT -que a partir
do próximo domingo será poder
no Brasil-, a acreditar no que
estamos ouvindo nestes últimos
dias de alguns de seus líderes-,
não estará mais do lado das barricadas esquerdistas que tanto
barulho fizeram, nos últimos
anos. A direção do partido parece
perceber que o sucesso de sua longa caminhada em direção ao poder político do país implica a manutenção do quadro recessivo
atual por mais algum tempo.
As lições do fracasso eleitoral de
FHC e seu candidato são muito
claras. Um governo que deseja
manter-se no poder precisa administrar a economia sempre com
um olho no calendário eleitoral.
Enfrentar as urnas com uma economia com problemas sérios é o
atalho mais fácil para uma derrota humilhante. Como ser vitorioso quando o índice de desemprego na zona metropolitana mais
importante do país bate o recorde
de 20 anos? Como enfrentar uma
oposição aguerrida e eficiente nas
urnas com os salários caindo pelo
20º mês consecutivo? Como ser
vencedor quando a inflação volta
a aparecer depois de decretada
oficialmente sua morte morrida?
Melhor para um novo governo
administrar em seu primeiro ano
as insatisfações e críticas com um
quadro econômico não muito diferente do governo, que foi por ele
tão satanizado, do que cair na
mesma armadilha de FHC. Principalmente um governo que vem
dando amostras inequívocas de
uma disciplina partidária não conhecida na história política do
Brasil. Um verdadeiro stalinismo
com tintas claras de Gramsci. Como aprendi mais jovem com o dr.
Fernão Bracher, no governo é melhor passar vergonha por algum
tempo do que ter de administrar
uma crise terminal por um longo
período. Mas vamos tentar desenhar esse cenário de vergonha ou
de estelionato eleitoral que Lula
terá de administrar para poder
governar em paz em seus últimos
três anos de mandato.
Precisamos entender primeiro a
natureza do processo de ajuste
atual de nossas contas externas.
Ele está ocorrendo apesar do governo! Em outras palavras, da
mesma forma como aconteceu a
flutuação de nossa moeda, em
1999, foi o mercado que detonou
esse ajuste. Ele não é fruto de uma
decisão autônoma do presidente
de República e de sua equipe econômica. Quando a ameaça de
uma vitória eleitoral do velho PT
ficou mais clara, por volta de
maio, começou um processo de
fuga de ativos brasileiros por parte dos investidores internacionais,
principalmente dos grandes bancos. Esse movimento defensivo fez
o chamado risco Brasil iniciar
uma trajetória explosiva de alta.
Em um cenário internacional já
bastante nervoso pela quebra da
Argentina e pela crise nas economias do Primeiro Mundo, a possibilidade de um "default" brasileiro criou um verdadeiro pânico no
mercado. A disponibilidade de
crédito para financiar nosso déficit externo veio perto de zero e o
risco de dificuldades sérias na administração de nossa dívida externa aumentou exponencialmente.
Esse sentimento de deterioração
percebida de nossa situação de
solvência acelerou-se, criando
uma espiral de desvalorização do
real. Por outro lado, as empresas
brasileiras passaram a remeter
dólares para o exterior, via contas
CC-5, para recomprar suas dívidas a preços de barganha. Os
grandes vendedores foram os
bancos internacionais, que procuravam a todo custo mostrar uma
redução de sua exposição ao Brasil. Isso agravou ainda mais a desvalorização de nossa moeda.
Nesse momento, como nossa
economia não estava à morte, o
lado positivo da crise começou a
mostrar sua força: as exportações
explodiram, respondendo à taxa
de câmbio desvalorizada, e as importações caíram, sob o efeito da
recessão e da produção interna
mais competitiva. Os números divulgados pelo BC na última quinta-feira já captam com clareza esse processo. Já suas previsões para
2003 assumem a manutenção do
quadro conjuntural atual por
mais tempo. Dependem, portanto, do desenho da política econômica do governo Lula.
As primeiras previsões sobre o
comportamento de nossa economia, nesse cenário de continuidade do ajuste externo durante
2003, estão saindo do forno. Timidamente, para evitar o patrulhamento do PT nestes momentos
que antecedem o segundo turno,
as principais consultorias econômicas estão divulgando seus números. Todos apontam um crescimento nulo ou negativo de nosso
PIB, no primeiro ano do governo
da estrela. Mostram também um
quadro ainda pior para o mercado de trabalho -aumento do desemprego e queda do salário
real- e uma inflação entre 13%
para o IPCA e 18% para o IGP-M.
O lado positivo é que acenam com
a cenoura de uma retomada gradual do crescimento de nossa economia e uma queda da inflação a
partir de 2004.
O comportamento dos mercados no momento em que escrevo
esta minha coluna -queda do
dólar e do risco Brasil- parece
indicar que o PT está ganhando
pontos na guerra das expectativas. Esse processo de melhora do
humor dos mercados vai depender dos próximos passos de Lula e
de seus companheiros. O discurso
de aceitação de sua vitória logo
após as eleições, a definição da
equipe de transição e, principalmente, as divulgações dos nomes
da equipe econômicas do governo
serão eventos analisados com lupa pelos principais agentes econômicos. Somente a partir dessas informações é que o quadro atual
de mais esperanças pode se consolidar. Serão dias tensos e de importância vital para todos os brasileiros.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, 59,
engenheiro e economista, é sócio e editor do site de economia e política Primeira Leitura. Foi presidente do BNDES e
ministro das Comunicações (governo
FHC).
Internet: www.primeiraleitura.com.br
E-mail - lcmb2@terra.com.br
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