São Paulo, quarta-feira, 25 de outubro de 2006

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PAULO RABELLO DE CASTRO

A educação de um presidente

O presidente educado perceberá que a aceleração do crescimento é um jogo de desentupir gargalos

TODOS APRENDEMOS fazendo. Só o trabalho ensina. Assim também aprendem os presidentes, sejam candidatos ou já incumbidos. É bonito ver o aprendizado presidencial acontecendo à frente dos olhos dos espectadores (nós), que aprendemos também, se tivermos a paciência de acompanhar os debates, ler programas de governo e, principalmente, conseguir enxergar, a nós mesmos, como povo e sociedade, encarnados nos personagens que, na telinha, representam nossos medos e mitos.
A educação de um presidente é caríssima. É feita com a caneta na mão, sem o beneficio de "simuladores", aqueles sofisticados aparelhos que ajudam a treinar pilotos. O resultado é o aumento do risco, quer de desastres ou, quase igual, de oportunidades perdidas, que custam muitos bilhões. Presidentes têm custado muito ao Brasil.
Presidentes também aprendem. Lentamente. Por dois motivos o aprendizado presidencial é lerdo. A primeira razão, óbvia, é que ninguém lhes terá avisado para ficar de olhos bem abertos. Pelo contrário: o deslumbramento do cargo e o incensamento do ego turvam a visão, prejudicando a percepção e o processamento das experiências. Daí ser tão comum a frase presidencial: "Eu, de fato, não sabia...".
No presidencialismo, além do mais, não há repetência nem dispensa antecipada do aprendiz, como ocorreria no parlamentarismo. O presidente fica, durante todo o mandato, interagindo com a realidade que o cerca, com seus colegas de ofício, quando viaja a serviço, por meio dos informes e dos relatórios oficiais, das atitudes e reações do Congresso, da imprensa e da opinião pública. Tudo faz parte da educação de um presidente.
Ele aprenderá, por exemplo, que não basta proteger a bolsa do consumidor, que também aprendeu a detestar a inflação e a corrosão do poder aquisitivo do seu salário. Essa foi, certamente, a principal lição do nosso passado recente. Não foi aprendida por nenhum presidente do período militar, apesar de toda a preparação técnica que parecia envolver os presidentes-generais. A grande inflação engoliu letrados e espertalhões, durante mais de 20 anos. No entanto, curiosamente, foi na humildade dos presidentes dispostos a ouvir e aconselhar-se que surgiram formas de combate mais eficaz à inflação brasileira. Daí o Plano Real. Lula foi mais longe: "terceirizou" a questão da inflação para o Banco Central.
Mas o saudável embate deste segundo turno traz para o público, e para os próprios candidatos, novas perguntas incômodas: E o Brasil que não cresce? Por que as empresas hoje tomam tão pouco crédito e pagam tanto imposto? A estabilidade sem crescimento, é isso mesmo que queremos?
Um novo enfoque se impõe no "programa de curso" dos presidenciáveis: aprender a importância de bem planejar e gerenciar o crescimento da economia. Esse objetivo não comporta respostas evasivas do tipo "o tempo tomará conta disso" ou "o mercado indicará a hora de crescer" ou, ainda, "isso é quando o Banco Central deixar".
O presidente bem-educado saberá que ele, seu governo, as medidas que tomará, as reformas que encaminhará (ou não), tudo fará parte do jogo de expectativas econômicas a determinar o ritmo dos futuros investimentos. Além disso, o presidente educado perceberá que a aceleração do crescimento é um jogo de desentupir gargalos ("desembolar o jogo") e calibrar rentabilidades esperadas. Desentupir gargalos, no plano físico, significa criar infra-estruturas, algo que as privatizações -com todos os seus defeitos de DNA- ajudaram a fazer, e, no plano financeiro, ajustar passivos, realizando "encontros de contas" com os muitos ativos públicos existentes, algo que precisa ser feito, por exemplo, em relação à Previdência Social e ao FGTS.
Mais do que tudo, e antes de tudo, o presidente educado compreenderá que nenhum sistema econômico de mercado opera bem quando os preços dos ativos estão mal calibrados, isto é, quando os rendimentos dos títulos do próprio governo pagam mais do que as rendas auferidas pelos empreendimentos de risco. Quando o próximo presidente bem-educado calibrar a rentabilidade de cada ativo ao nível do seu risco efetivo, estará conseguindo realizar um pequeno milagre: diminuir, para si e para a sociedade, a chance de haver, à frente da República, alguém que, mesmo não sabendo, tampouco pergunta.


PAULO RABELLO DE CASTRO, 57, doutor em economia pela Universidade de Chicago (EUA), é vice-presidente do Instituto Atlântico e chairman da SR Rating, classificadora de riscos. Preside também a RC Consultores, consultoria econômica, e o Conselho de Planejamento Estratégico da Fecomercio SP. Escreve às quartas-feiras, a cada 15 dias, nesta coluna.
rabellodecastro@uol.com.br


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