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OPINIÃO ECONÔMICA
Crescer, crescer e crescer
ROBERTO NICOLSKY
O governo Lula adquiriu,
nesta eleição histórica, um
extraordinário capital de força
para empreender as mudanças de
que a nação está ávida para poder
crescer, gerar mais e melhores
empregos para a sua população e,
assim, distribuir a sua renda de
forma mais justa, promovendo a
inclusão social de amplas parcelas
da nossa sociedade. Crescer, pois,
é a chave de tudo. Isso é uma unanimidade nacional.
A questão fundamental, portanto, é como crescer de modo a absorver, a cada ano, o contingente
de jovens que chegam ao mercado de trabalho e, ainda, reincorporar às atividades produtivas os
milhões de brasileiros que buscam um trabalho sem encontrá-lo. Precisamos, pois, de uma taxa
de crescimento maior do que a do
mercado interno. Ou seja, precisamos de elevar as exportações
para ampliar o nosso mercado total. Além disso, o aumento das exportações gera saldos comerciais
que reduzirão a vulnerabilidade
externa da nossa economia. E isso
é outra unanimidade nacional.
Se tudo isso é uma unanimidade, por que não temos crescido
tanto quanto precisamos? De fato,
apesar de o valor do dólar ter dobrado de 1998 para 2001, a exportação foi a mesma, US$ 58 bilhões.
Neste ano, em que o dólar custa o
triplo do seu preço em relação a
1998, a exportação deve repetir os
mesmos US$ 58 bilhões. Por que
essa estagnação?
Para termos uma resposta, precisamos analisar a nossa pauta de
exportações. Esta se divide em
produtos sem marca própria, como soja, frango, carne, óleo, minério, aço etc., chamados de commodities, que são a grande maioria; e os de marca, como os aviões,
automóveis, compressores, motores elétricos, máquinas operatrizes, celulares etc., chamados de
manufaturados de alto valor agregado ou conteúdo tecnológico.
No primeiro grupo de produtos, principalmente os de origem
agropecuária, temos tido um significativo aumento da produtividade em razão das inovações tecnológicas introduzidas na produção por uma empresa, a Embrapa, em parceria com empresas e
produtores rurais. Assim, com a
mesma área plantada temos, hoje,
quase o dobro da produção de
grãos -ou 100 milhões de toneladas. Também estão nesse bloco
produtos básicos, como o minério e o aço, cuja alta produtividade
foi alcançada por investimentos
públicos em pesquisa e desenvolvimento (P&D), pois eram empresas estatais.
Mas em commodities o aumento da nossa produtividade e oferta
tem sido até anulado por mecanismos compensatórios. O primeiro desses é a redução do preço, por vezes em consequência de
subsídios dos países ricos aos seus
produtores. Outro é a sobretaxa,
como no caso de suco de laranja e
aço, que encarece os nossos produtos. Outro, ainda, é a fixação de
cotas, como para tecidos. Enfim, o
aumento das exportações desses
produtos passa, em muitos casos,
por difíceis negociações com os
países ricos.
O segundo grupo, o dos produtos com marcas, tem exportações
com alta sensibilidade à incorporação das inovações que atendam
à demanda dos consumidores externos. A Embraer, por exemplo,
com os jatos regionais, passou de
US$ 100 milhões, em 1994, para
US$ 2,7 bilhões, já a partir de
2000. Mas o que fez para ter sucesso? Fez projetos inovadores usando conhecimentos gerados em todo o mundo, os quais os seus
competentes engenheiros souberam incorporar.
Portanto, para crescermos como precisamos, é indispensável
gerarmos inovações tecnológicas
no setor manufatureiro, por meio
de fomento direto à pesquisa e ao
desenvolvimento tecnológico nas
empresas produtoras. Ou seja,
aplicarmos o apoio direto à empresa, que já deu muito certo entre nós, como, por exemplo, a
Embrapa, na agropecuária, a Petrobras, no petróleo, a Eletrobrás
(e outras), em energia elétrica, a
Embraer, na aeronáutica, a Far-Manguinhos, em fármacos para a
saúde pública, etc.
A questão, pois, é universalizar
a atuação da nossa indústria manufatureira na criação de inovações tecnológicas que façam os
seus produtos e processos competitivos no cenário mundial. Isso, porém, não se alcança por
meio das forças do mercado, pois,
como este exige a minimização
dos riscos, acaba levando as empresas a adquirir a tecnologia do
exterior. Essa conta tecnológica
cresceu de US$ 200 milhões, em
1992, para mais de US$ 3 bilhões,
em 2001. Mas o pior é que as tecnologias que nos são vendidas
não nos dão competitividade internacional, não aumentam a exportação.
O caminho necessário é uma
corajosa política pública de fomento direto às nossas indústrias
por meio do rateio no risco de
P&D. Os recursos para isso ou já
foram destacados das receitas das
empresas ou são a Cide incidente
nos pagamentos de royalties de
patentes e tecnologias compradas
do exterior, formando o que se
chama de fundos setoriais para
P&D. A via do fomento direto é a
única para crescermos, como
atestam as nossas experiências
acima.
Há 35 anos o país tenta a estranha via indireta, utilizando instituições acadêmicas, cuja missão é
formar recursos humanos qualificados e gerar conhecimento
(ciência), na tentativa de fazer
inovações tecnológicas na indústria, o que não nos fez competitivos. Nesse mesmo tempo, Taiwan
e Coréia do Sul, com o fomento
direto, tornaram-se o quarto e o
oitavo patenteadores nos Estados
Unidos. E por que tentamos essa
malsucedida via indireta? Porque,
diferentemente das exceções acima, as indústrias manufatureiras
nacionais não são estatais, mas
realizações de empreendedores,
com risco próprio.
Há pouco mais de 20 anos, a
China também adotou o fomento
direto com pleno êxito e cresceu
mais de 8% ao ano. Nesse período, enquanto nós só aumentamos
o PIB 50%, eles cresceram o seu
quase seis vezes, e a sua exportação deve alcançar US$ 300 bilhões
neste ano, crescendo mais de 20%
em relação a 2001.
E o que mais cresce na exportação da China são os produtos de
alto conteúdo tecnológico. O nosso laboratório da UFRJ importou
de lá 5.000 ímãs, de última geração, feitos com materiais que temos nas areias do norte fluminense, em Minas Gerais e no
Amazonas, mas não temos uma
empresa que domine a tecnologia. Soube que o presidente Lula
esteve na China e ficou muito impressionado. E espero que a visita
o tenha inspirado para uma vigorosa mudança: uma política de
parceria direta do Estado com a
indústria para inovar, competir,
exportar e crescer, crescer e crescer.
Roberto Nicolsky, 64, professor do Instituto de Física da UFRJ, é diretor-geral
da Sociedade Brasileira Pró-Inovação
Tecnológica - Protec.
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