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ARTIGO
Por que é tão difícil consertar os defeitos do capitalismo moderno
MARTIN WOLF
DO "FINANCIAL TIMES"
A história relembrará a década passada como uma
"atrocidade" no que tange à remuneração dos executivos de primeiro escalão dos EUA. Esse é o
veredicto de Robert Monks e
Allen Sykes, dois críticos do capitalismo anglo-americano contemporâneo. Ao longo da década
de 90, os executivos de primeiro
escalão desviaram uma riqueza
espantosa dos acionistas da corporação para os seus bolsos. A
maior bolha nos mercados de
ações da história do país explica
boa parte da questão. Mas defeitos já antigos no sistema de governança corporativa também tiveram seu papel. O desafio é enfrentar a busca de soluções funcionais.
Alan Greenspan, presidente do
Fed, classificou o que aconteceu
de "ganância infecciosa". Eu prefiro o adjetivo "obsceno". Uma
investigação conduzida pelo "Financial Times" concluiu que importantes executivos haviam extraído US$ 3,3 bilhões de empresas que eles levaram à falência.
Mas os barões da bancarrota são
os exemplos extremos.
O comportamento indevido
tem se espalhado. Abarca a concessão de opções de ações sem
vínculo para com o desempenho
dos executivos; a subversão de padrões contábeis e de auditoria; e
uma série de tomadas de controle
acionário altamente destrutivas
do valor das empresas envolvidas.
A exuberância irracional fomenta o excesso. Quando o público acredita em qualquer coisa, os
executivos conseguem realizar
quase tudo, sem obstáculos. Isso
seria muito mais difícil agora,
porque os investidores desiludidos não crêem em quase nada.
Por algum tempo, administradores, contadores e até banqueiros
de investimento têm motivos para se comportar da melhor forma
possível. Mas a correção que eles
começam a exibir está longe de
ser suficiente. O que houve nos últimos anos reflete mais que a alta
das Bolsas. E não se trata, tampouco, de alguns maus elementos
contaminando um bom ambiente. Em seu cerne, argumentam
Monks e Sykes, o capitalismo não
tem propriedade efetiva.
A razão para que seja tão difícil
remediar esses defeitos é que eles
são a imagem invertida do maior
sucesso do capitalismo anglo-americano: o casamento entre
corporações controladas pela iniciativa privada e posse disseminada de ações. Os economistas classificam as dificuldades que abalam esse modelo como "relação
principal-agente", "informação
assimétrica" e "ação coletiva". O
problema da relação principal-agente é a dificuldade em controlar as pessoas a quem se concede o
poder de agir em nosso nome. A
dificuldade da informação assimétrica é o acesso privilegiado
dos agentes definidos acima à informação. E o desafio da ação coletiva deriva dos casos em que terceiros viajem de carona nos esforços de alguém. Monks e Sykes resumem esses pontos sob três categorias: prestação de contas insuficiente; falta de transparência; e falhas institucionais.
Tudo é agravado ainda mais pela pletora de conflitos de interesse:
os conglomerados financeiros estão mais preocupados em satisfazer os administradores das corporações do que com a maximização do valor dos fundos que controlam; os diretores externos devem mais lealdade aos executivos
que os selecionam do que aos
acionistas que representam; e os
contadores e os auditores devem
mais às pessoas que os empregam
do que aos investidores que dependem de seu trabalho.
Os seis poderes indevidos
Para aumentar a precisão das
acusações, os autores listam seis
poderes indevidos de que desfrutam os executivos das corporações. A saber, o direito de escolher
conselheiros supostamente independentes; o de selecionar auditores também em tese isentos; o de
determinar os consultores de remuneração; o de desencorajar os
curadores de fundos de pensão a
exercer papel ativo na governança
corporativa; o de exercer poderes
de beneficência com relação aos
executivos de fundos de investimento dos conglomerados financeiros com que suas empresas se
relacionam; e o de desencorajar
intervenção externa na forma de
assessoria aos conselheiros quanto aos méritos de propostas de tomada de controle acionário.
As propostas que eles oferecem
se concentram na ausência de
propriedade efetiva. Cabe aos governos estabelecer o princípio de
que uma presença efetiva dos
acionistas nas empresas é de interesse nacional. Os governos deveriam legislar de modo a garantir
que os curadores de fundos de
pensão ajam só no interesse de
longo prazo de seus beneficiários.
Deveriam responsabilizar os acionistas institucionais pelo exercício do direito de voto. E deveriam
conceder aos acionistas o direito e
a obrigação exclusivos de nomear
os conselheiros das empresas.
Como proprietários
Monks e Sykes acreditam que
essas sugestões forçariam os intermediários financeiros a agir
como proprietários. Esperam que
surjam novas instituições, que
eles classificam como "investidores especializados" e "de relacionamento". Os primeiros seriam
fundos de investimento que deteriam participações substanciais
em número limitado de empresas. Os segundos amalgamariam
os votos de diversas administradoras de fundos com o objetivo
de exercer mais influência sobre
as companhias. Ambas seriam regulamentadas de modo a garantir
ganhos relativos a uma propriedade bem informada.
Essas propostas funcionariam?
Continuo cético, porque não vejo
de que maneira qualquer conjunto de leis possa forçar os intermediários a agir de maneira responsável perante os proprietários mal
informados. Os conflitos de interesse que os afligem são excessivos. Por isso, outras mudanças
deveriam ser consideradas. Em
especial, as auditorias deveriam
ser financiadas com verbas fornecidas pelas Bolsas em que as
ações das empresas sejam negociadas. Esses mercados responderiam pela escolha dos auditores. Os contadores deveriam ser
impedidos de fornecer quaisquer
outros serviços às empresas que
auditam; um organismo independente, semelhante a um banco central autônomo, deve responder pelos padrões contábeis.
Sensatez
Todos os incentivos tributários
e contábeis à concessão de opções de ações deveriam ser eliminados. O pagamento em ações
restritas é muito mais sensato. Se
as propostas de Monks e Sykes
forem aplicadas e funcionarem, a
remuneração deveria ser estabelecida por um comitê de conselheiros indicado pelos acionistas.
Mas será que essas mudanças
resolveriam de vez os problemas
da governança corporativa? A
resposta é necessariamente
"não". O objetivo precisa ser
mais limitado a restringir a extensão do domínio dos executivos. É preciso que a contabilidade
seja tratada de maneira sã, que
haja auditorias independentes e
mais pressão sobre os intermediários para que ajam no interesse dos beneficiários. As respostas
jamais serão perfeitas. Mas isso
não é desculpa para deixar tudo
como está.
Tradução de Paulo Migliacci
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