São Paulo, terça-feira, 25 de dezembro de 2007

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Crise muda alto escalão de Wall Street

Prejuízos bilionários relacionados à crise do mercado de crédito de alto risco derrubam executivos de grandes bancos

Instituições conservadoras, como o Merrill Lynch, sofrem perdas, e outras de passado com problemas, como o Credit Suisse, saem incólumes

JENNY ANDERSON
DO "NEW YORK TIMES"

Jamais na história de Wall Street tantos ocupantes de posições tão altas caíram tão rápido. E não é de admirar. Citigroup, Merrill Lynch, Morgan Stanley e UBS sofreram prejuízos de bilhões de dólares à medida que a crise nascida no mercado de crédito imobiliário de alto risco ("subprime") se espalhava pelos mercados. Há tantos dedos em riste nos grandes bancos mundiais que uma epidemia de tendinite parece provável.
Neste ano, os líderes de algumas das mais respeitadas instituições financeiras do planeta -que são pagos, antes de tudo, para avaliar e administrar riscos- foram apanhados desprevenidos, ou mal informados, sobre os gigantescos riscos assumidos por suas empresas.
Os engenheiros financeiros dessas organizações criaram instrumentos tão complexos que nem mesmo os mais cerebrais dos especialistas conseguem descobrir quanto valem os investimentos nesse títulos.
E os poucos bancos que compreenderam a situação perfeitamente, como o Goldman Sachs, precisam enfrentar uma pergunta cautelar: conseguirão manobrar com a mesma agilidade da próxima vez?
A paisagem de Wall Street já está mudando drasticamente. Empresas no passado conhecidas pela competência de sua administração de riscos, como o Bear Stearns, ou pelo conservadorismo de seus corretores, como o Merrill Lynch, foram paralisadas pela compressão de crédito. Enquanto isso, outras companhias que enfrentaram problemas no passado, como o Credit Suisse, emergiram relativamente incólumes e agora estão na luta por clientes e participação de mercado.
A bolha de crédito a cuja explosão estamos assistindo, como a bolha da internet que a precedeu, é alimentada pela fantasia do dinheiro fácil. Todo mundo sabia que um dia a música iria parar, mas Charles Prince, o presidente-executivo demitido pelo Citibank, ganhou notoriedade ao dizer que, até que isso acontecesse, o banco continuaria dançando. Qualquer operador esperto sabe que contrariar a sabedoria tradicional muitas vezes representa a mais segura das apostas.
Leia abaixo dez exemplos de justificativas desgastadas de Wall Street que muita gente desejaria ter questionado neste ano.
1) ALTO SALÁRIO, BAIXO RISCO - Os presidentes em Wall Street recebem salários principescos para administrar riscos. Mas eles não só se concentraram em ativos complicados e difíceis de avaliar como também pareciam incapazes de acompanhar com precisão o valor desses instrumentos, depois que começou a queda.
Enquanto presidente após presidente perdia o posto, a situação começou a parecer uma versão Wall Street do caso dos dez negrinhos.
A corrida para substituir os executivos demitidos por Citigroup, Merrill Lynch e UBS expôs a escassez de talento no mercado financeiro. Muitos dos astros em ascensão deixaram o setor tradicional para se associar a fundos de "hedge" e grupos de capital privado. Os líderes, sequiosos de poder, não estabeleceram planos sólidos de sucessão.
2) ESPALHAR RISCO É VANTAJOSO - A idéia faz sentido. Caso os grandes bancos fiquem sobrecarregados de ativos de risco, não poderão fazer tantos empréstimos, o que prejudica a economia. Mas as instituições fianceiras já não retêm os empréstimos que concedem. Em lugar disso, formam pacotes com esses ativos e os transformam em títulos, espalhando o risco.
Ninguém sabe quem exatamente está exposto ao risco dos empréstimos imobiliários "subprime", por exemplo. Prejuízos gerados por esses investimentos surgiram em cidades do círculo Ártico, escolas públicas da Flórida e grandes bancos da Alemanha.
E, além disso, os bancos podem ter espalhado o risco, mas terminaram com ele da mesma maneira, o que explica por que Wall Street já levou mais de US$ 40 bilhões em prejuízo com investimentos relacionados a crédito hipotecário.
3) O CONSELHO O PROTEGERÁ - A menos que você seja E. Stanley O'Neal e acumule US$ 5 bilhões, ou melhor, US$ 8 bilhões, ou, mais exatamente, US$ 12 bilhões em prejuízos. No Merrill Lynch, O'Neal anunciou que grande volume de ativos seria contabilizado como prejuízo e continuou elevando o montante envolvido. Ninguém compreendeu a razão pela qual Wall Street não sofreu problemas maiores em fevereiro, quando o mercado de hipotecas "subprime" despencou.
4) O COMPUTADOR SALVARÁ - A menos que não o faça. A despeito de contar com os serviços de doutores em ciências do mundo inteiro, as instituições financeiras norte-americanas se esqueceram de que modelos de computador, por mais algoritmos que utilizem, não são capazes de prever tudo.
Os chamados "eventos cisne negro" acontecem com freqüência maior do que as pessoas imaginam. E, em 2007, eventos inesperados dessa categoria surgiram em fevereiro, agosto e novembro.
5) A ALAVANCAGEM É UM PROBLEMA - Por enquanto não, ao menos. Por boa parte de 2007, muita gente considerava que os empréstimos irresponsáveis concedidos para financiar aquisições alavancadas quebrariam Wall Street. Mas o perigo era os investimentos em instrumentos financeiros complexos lastreados por hipotecas.
A julgar pelos resultados postados pelo Goldman Sachs e Lehman Brothers neste trimestre, o mercado de empréstimos para aquisições está se recuperando. Empresas sobrecarregadas de dívidas geradas por aquisições podem tropeçar se a economia cair em recessão.
6) A CULPA É DE FUNDOS DE HEDGE - Não. Wall Street é que detonou o sistema. Muitos fundos de hedge saíram da crise com os cofres abarrotados. Outros fecharam as portas. É justo dizer que os bancos de Wall Street e os fundos de hedge começam a se parecer.
Os fundos de hedge cobram taxas de 2% dos ativos que têm sob administração e recolhem 20% dos lucros auferidos para cobrir os riscos que assumem (riscos calculados, eles diriam).
Wall Street recebe taxa de incentivo de 50% para assumir riscos, ocasionalmente irresponsáveis, e seus custos são sustentados pelos acionistas, e não pelos presidentes das empresas.
7) HÁ UMA CRISE DE LIQUIDEZ - Não é verdade. Existe muito dinheiro circulando. Basta ver os US$ 25 bilhões que grupos chineses e do Oriente Médio investiram para adquirir participações no Citigroup, no Morgan Stanley e no UBS. Partes do mercado se paralisaram porque os vendedores não querem arcar com grandes prejuízos em ativos deteriorados. Existe liquidez, mas ela não está sendo direcionada a quem dela precisa.
8) PREÇO DE CASAS NÃO CAI - Ao menos em base nacional, não procede. Mas é melhor não dizer "nunca". Em 2005, Ben Bernanke, então assessor econômico do presidente Bush (e hoje presidente do Federal Reserve, o BC dos EUA), disse que a alta nos preços das casas estava embasada nos fundamentos econômicos. "Jamais tivemos queda nacional nos preços das casas", disse.
Na verdade, os preços das casas começaram a cair em todo o país no ano passado. A queda já chegou aos 5%, e a estimativa de consenso é que se estenda até a região dos 10%.
9) FUNDOS DE HEDGE DÃO LUCRO - Certamente para as pessoas que os dirigem. Mas os acionistas até agora não lucraram. Os bancos de Wall Street avaliaram alto demais as empresas de aquisições e fundos de hedge que abriram seu capital neste ano, ainda que essas empresas estejam no mesmo negócio que os bancos.
O Fortress Investment Group liderou a parada das ofertas públicas, seguido pelo Blackstone e pelo Och-Ziff.
Mas as ações de todos esses grupos despencaram. Por que Wall Street avaliou esses papéis tão alto, com múltiplos de até 25 vezes o valor dos lucros, quando o negócio dos bancos produz múltiplos pífios?
10) FESTAS SÃO BACANAS - Stephen Schwarzman, que dirige a Blackstone, decidiu que seria divertido fazer uma grandiosa festa de aniversário enquanto contemplava a possibilidade de abrir o capital.
Má idéia. Logo surgiram projetos de lei elevando impostos sobre as administradoras de capital privado. O Congresso nega que tenha sido atraído pela idéia de aumentar os impostos sobre esse segmento devido à festinha de US$ 5 milhões que Schwarzman promoveu, mas ninguém nega que informações sobre a festa ajudaram a angariar apoio à medida.
Os projetos de lei não foram aprovados, mas 2008 é um novo ano, talvez um ano de recessão. E que melhor fonte de receitas tributárias adicionais do que um sujeito que se dá uma festa como aquela?


Tradução de PAULO MIGLIACCI


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