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Crise muda alto escalão de Wall Street
Prejuízos bilionários relacionados à crise do mercado de crédito de alto risco derrubam executivos de grandes bancos
Instituições conservadoras,
como o Merrill Lynch, sofrem
perdas, e outras de passado
com problemas, como o
Credit Suisse, saem incólumes
JENNY ANDERSON
DO "NEW YORK TIMES"
Jamais na história de Wall
Street tantos ocupantes de posições tão altas caíram tão rápido. E não é de admirar. Citigroup, Merrill Lynch, Morgan Stanley e UBS sofreram prejuízos de bilhões de dólares à medida que a crise nascida no
mercado de crédito imobiliário
de alto risco ("subprime") se
espalhava pelos mercados. Há
tantos dedos em riste nos grandes bancos mundiais que uma
epidemia de tendinite parece
provável.
Neste ano, os líderes de algumas das mais respeitadas instituições financeiras do planeta
-que são pagos, antes de tudo,
para avaliar e administrar riscos- foram apanhados desprevenidos, ou mal informados,
sobre os gigantescos riscos assumidos por suas empresas.
Os engenheiros financeiros
dessas organizações criaram
instrumentos tão complexos
que nem mesmo os mais cerebrais dos especialistas conseguem descobrir quanto valem
os investimentos nesse títulos.
E os poucos bancos que compreenderam a situação perfeitamente, como o Goldman
Sachs, precisam enfrentar uma
pergunta cautelar: conseguirão
manobrar com a mesma agilidade da próxima vez?
A paisagem de Wall Street já
está mudando drasticamente.
Empresas no passado conhecidas pela competência de sua
administração de riscos, como
o Bear Stearns, ou pelo conservadorismo de seus corretores,
como o Merrill Lynch, foram
paralisadas pela compressão de
crédito. Enquanto isso, outras
companhias que enfrentaram
problemas no passado, como o
Credit Suisse, emergiram relativamente incólumes e agora
estão na luta por clientes e participação de mercado.
A bolha de crédito a cuja explosão estamos assistindo, como a bolha da internet que a
precedeu, é alimentada pela
fantasia do dinheiro fácil. Todo
mundo sabia que um dia a música iria parar, mas Charles
Prince, o presidente-executivo
demitido pelo Citibank, ganhou notoriedade ao dizer que,
até que isso acontecesse, o banco continuaria dançando. Qualquer operador esperto sabe que
contrariar a sabedoria tradicional muitas vezes representa a
mais segura das apostas.
Leia abaixo dez exemplos de
justificativas desgastadas de
Wall Street que muita gente desejaria ter questionado neste
ano.
1) ALTO SALÁRIO, BAIXO
RISCO - Os presidentes em
Wall Street recebem salários
principescos para administrar
riscos. Mas eles não só se concentraram em ativos complicados e difíceis de avaliar como
também pareciam incapazes
de acompanhar com precisão o
valor desses instrumentos, depois que começou a queda.
Enquanto presidente após
presidente perdia o posto, a situação começou a parecer uma
versão Wall Street do caso dos
dez negrinhos.
A corrida para substituir os
executivos demitidos por Citigroup, Merrill Lynch e UBS expôs a escassez de talento no
mercado financeiro.
Muitos dos astros em ascensão deixaram o setor tradicional para se associar a fundos de
"hedge" e grupos de capital privado. Os líderes, sequiosos de
poder, não estabeleceram planos sólidos de sucessão.
2) ESPALHAR RISCO É
VANTAJOSO - A idéia faz
sentido. Caso os grandes bancos fiquem sobrecarregados de
ativos de risco, não poderão fazer tantos empréstimos, o que
prejudica a economia. Mas as
instituições fianceiras já não
retêm os empréstimos que
concedem. Em lugar disso, formam pacotes com esses ativos
e os transformam em títulos,
espalhando o risco.
Ninguém sabe quem exatamente está exposto ao risco dos
empréstimos imobiliários
"subprime", por exemplo. Prejuízos gerados por esses investimentos surgiram em cidades
do círculo Ártico, escolas públicas da Flórida e grandes bancos
da Alemanha.
E, além disso, os bancos podem ter espalhado o risco, mas
terminaram com ele da mesma
maneira, o que explica por que
Wall Street já levou mais de
US$ 40 bilhões em prejuízo
com investimentos relacionados a crédito hipotecário.
3) O CONSELHO O PROTEGERÁ - A menos que você
seja E. Stanley O'Neal e acumule US$ 5 bilhões, ou melhor,
US$ 8 bilhões, ou, mais exatamente, US$ 12 bilhões em prejuízos. No Merrill Lynch,
O'Neal anunciou que grande
volume de ativos seria contabilizado como prejuízo e continuou elevando o montante envolvido. Ninguém compreendeu a razão pela qual Wall
Street não sofreu problemas
maiores em fevereiro, quando
o mercado de hipotecas "subprime" despencou.
4) O COMPUTADOR SALVARÁ - A menos que não o faça. A despeito de contar com os
serviços de doutores em ciências do mundo inteiro, as instituições financeiras norte-americanas se esqueceram de que
modelos de computador, por
mais algoritmos que utilizem,
não são capazes de prever tudo.
Os chamados "eventos cisne
negro" acontecem com freqüência maior do que as pessoas imaginam. E, em 2007,
eventos inesperados dessa categoria surgiram em fevereiro,
agosto e novembro.
5) A ALAVANCAGEM É
UM PROBLEMA - Por enquanto não, ao menos. Por boa
parte de 2007, muita gente
considerava que os empréstimos irresponsáveis concedidos
para financiar aquisições alavancadas quebrariam Wall
Street. Mas o perigo era os investimentos em instrumentos
financeiros complexos lastreados por hipotecas.
A julgar pelos resultados
postados pelo Goldman Sachs e
Lehman Brothers neste trimestre, o mercado de empréstimos para aquisições está se
recuperando. Empresas sobrecarregadas de dívidas geradas
por aquisições podem tropeçar
se a economia cair em recessão.
6) A CULPA É DE FUNDOS DE HEDGE - Não. Wall
Street é que detonou o sistema.
Muitos fundos de hedge saíram
da crise com os cofres abarrotados. Outros fecharam as portas. É justo dizer que os bancos
de Wall Street e os fundos de
hedge começam a se parecer.
Os fundos de hedge cobram taxas de 2% dos ativos que têm
sob administração e recolhem
20% dos lucros auferidos para
cobrir os riscos que assumem
(riscos calculados, eles diriam).
Wall Street recebe taxa de incentivo de 50% para assumir
riscos, ocasionalmente irresponsáveis, e seus custos são
sustentados pelos acionistas, e
não pelos presidentes das empresas.
7) HÁ UMA CRISE DE LIQUIDEZ - Não é verdade.
Existe muito dinheiro circulando. Basta ver os US$ 25 bilhões que grupos chineses e do
Oriente Médio investiram para
adquirir participações no Citigroup, no Morgan Stanley e no
UBS. Partes do mercado se paralisaram porque os vendedores não querem arcar com
grandes prejuízos em ativos
deteriorados. Existe liquidez,
mas ela não está sendo direcionada a quem dela precisa.
8) PREÇO DE CASAS NÃO
CAI - Ao menos em base nacional, não procede. Mas é melhor
não dizer "nunca". Em 2005,
Ben Bernanke, então assessor
econômico do presidente Bush
(e hoje presidente do Federal
Reserve, o BC dos EUA), disse
que a alta nos preços das casas
estava embasada nos fundamentos econômicos. "Jamais
tivemos queda nacional nos
preços das casas", disse.
Na verdade, os preços das casas começaram a cair em todo o
país no ano passado. A queda já
chegou aos 5%, e a estimativa
de consenso é que se estenda
até a região dos 10%.
9) FUNDOS DE HEDGE
DÃO LUCRO - Certamente
para as pessoas que os dirigem.
Mas os acionistas até agora não
lucraram. Os bancos de Wall
Street avaliaram alto demais as
empresas de aquisições e fundos de hedge que abriram seu
capital neste ano, ainda que essas empresas estejam no mesmo negócio que os bancos.
O Fortress Investment
Group liderou a parada das
ofertas públicas, seguido pelo
Blackstone e pelo Och-Ziff.
Mas as ações de todos esses
grupos despencaram. Por que
Wall Street avaliou esses papéis tão alto, com múltiplos de
até 25 vezes o valor dos lucros,
quando o negócio dos bancos
produz múltiplos pífios?
10) FESTAS SÃO BACANAS - Stephen Schwarzman,
que dirige a Blackstone, decidiu que seria divertido fazer
uma grandiosa festa de aniversário enquanto contemplava a
possibilidade de abrir o capital.
Má idéia. Logo surgiram projetos de lei elevando impostos
sobre as administradoras de
capital privado. O Congresso
nega que tenha sido atraído pela idéia de aumentar os impostos sobre esse segmento devido
à festinha de US$ 5 milhões
que Schwarzman promoveu,
mas ninguém nega que informações sobre a festa ajudaram
a angariar apoio à medida.
Os projetos de lei não foram
aprovados, mas 2008 é um novo ano, talvez um ano de recessão. E que melhor fonte de receitas tributárias adicionais do que um sujeito que se dá uma
festa como aquela?
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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