UOL


São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS

O resgate da esperança e da soberania

LUCIANO COUTINHO

O brasil teve o pior desempenho dentre as grandes economias em desenvolvimento na década de 90. Oportunidades extraordinárias foram perdidas. Diferentemente da China, da Coréia do Sul e do México, o país não aproveitou a chance de capturar espaços no grande mercado americano, em rápida expansão na década passada. Como se pode observar na tabela, as exportações chinesas subiram espetacularmente (800%!) entre 1985 e 2000. As exportações sul-coreanas também explodiram (500%) no mesmo período! China e Coréia do Sul combinaram firmes políticas industriais voltadas para a competitividade com estruturas sólidas de financiamento interno e externo, o que lhes permitiu ter taxas de juros domésticas muito baixas e taxas de crescimento do PIB sustentadamente altas durante duas décadas.
A Coréia do Sul, é verdade, escorregou em meados dos anos 90 para uma política liberal e admitiu um aumento rápido e vulnerabilizador do endividamento externo de curto prazo, o que lhe valeu uma grave recessão em 1998, após a crise asiática de 1997. Não obstante, graças ao seu sistema industrial competitivo, a Coréia do Sul pode empreender uma espetacular reviravolta por meio da obtenção de um portentoso superávit comercial, o qual lhe permitiu reduzir drasticamente o endividamento externo. Já o México, colado à economia dos EUA, desfrutou do grande ciclo americano dos 90. Até mesmo a Índia, apesar do seu atraso relativo, conseguiu um desempenho exportador que pode ser classificado como bastante bom na última década e meia.
Na era da globalização das finanças, a posição externa de uma economia se tornou um condicionante-chave para o desempenho macroeconômico. Países que têm seus balanços de pagamentos equilibrados ou superavitários, com boa posição de reservas cambiais, podem crescer mais rapidamente -e com autonomia- a partir de taxas de juros mais baixas e fator de risco-cambial bem mais reduzido. Reservas cambiais elevadas dão segurança aos investidores, fortalecem as moedas nacionais (sem necessariamente apreciá-las) e fornecem um colchão para as fases de aceleração do crescimento quando engurgita a demanda por importações de bens de capital.
Os países asiáticos mencionados são exemplos dessa condição. Ao contrário, países com persistente desequilíbrio em sua conta de transações correntes, sem uma posição sustentável de reservas de divisas, ficam onerados por elevados riscos de câmbio-país e precisam manter taxas de juros muito mais altas. Foi esse e continua sendo o caso do Brasil e dos países da América Latina -exceção do Chile- desde os anos 90.
A única forma de reduzir irreversivelmente a vulnerabilidade da nossa economia, criar condições confortáveis de solvência em moeda forte e induzir uma queda consistente do risco-Brasil é obter um superávit comercial expressivo ao longo do tempo, sob uma taxa de câmbio continuadamente estimulante para as exportações. O convencimento por parte dos mercados de que a trajetória do superávit comercial será efetivamente persistente e crescente é indispensável para uma queda segura, significativa e não-reversível da taxa de juros doméstica. A queda segura e não-reversível da taxa de juros doméstica, por sua vez, parece ser a única opção consistente para assegurar o equilíbrio fiscal intertemporal, posto que a sustentação de um superávit fiscal muito elevado, por prazo indefinido, se revela pouco racional do ponto de vista econômico e indesejável do ângulo político e social.
Por isso, 2003 será um ano crítico. A política macroeconômica do governo Lula terá que, simultaneamente: 1) contornar qualquer risco de asfixia cambial, mantendo as condições fiscais e monetárias sob controle; 2) evitar a instalação de expectativas inflacionárias aceleracionistas; 3) concretizar desde já investimentos competitivos para sustentar um superávit comercial crescente; 4) consolidar a confiança na sustentabilidade do crescimento, devolvendo esperança e auto-estima ao povo e soberania ao Estado brasileiro. A dinamização das exportações é o único fio condutor que pode compatibilizar esses objetivos no plano econômico.


Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e Tecnologia (1985-88).

Texto Anterior: Opinião econômica: Hierarquia da fome
Próximo Texto: Opinião econômica: Agências de risco contribuem para a crise de confiança
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.