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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
O resgate da esperança e da soberania
LUCIANO COUTINHO
O brasil teve o pior desempenho dentre as grandes
economias em desenvolvimento
na década de 90. Oportunidades
extraordinárias foram perdidas.
Diferentemente da China, da Coréia do Sul e do México, o país
não aproveitou a chance de capturar espaços no grande mercado
americano, em rápida expansão
na década passada. Como se pode
observar na tabela, as exportações chinesas subiram espetacularmente (800%!) entre 1985 e
2000. As exportações sul-coreanas
também explodiram (500%) no
mesmo período! China e Coréia
do Sul combinaram firmes políticas industriais voltadas para a
competitividade com estruturas
sólidas de financiamento interno
e externo, o que lhes permitiu ter
taxas de juros domésticas muito
baixas e taxas de crescimento do
PIB sustentadamente altas durante duas décadas.
A Coréia do Sul, é verdade, escorregou em meados dos anos 90
para uma política liberal e admitiu um aumento rápido e vulnerabilizador do endividamento externo de curto prazo, o que lhe valeu uma grave recessão em 1998,
após a crise asiática de 1997. Não
obstante, graças ao seu sistema
industrial competitivo, a Coréia
do Sul pode empreender uma espetacular reviravolta por meio da
obtenção de um portentoso superávit comercial, o qual lhe permitiu reduzir drasticamente o endividamento externo. Já o México,
colado à economia dos EUA, desfrutou do grande ciclo americano
dos 90. Até mesmo a Índia, apesar
do seu atraso relativo, conseguiu
um desempenho exportador que
pode ser classificado como bastante bom na última década e
meia.
Na era da globalização das finanças, a posição externa de uma
economia se tornou um condicionante-chave para o desempenho
macroeconômico. Países que têm
seus balanços de pagamentos
equilibrados ou superavitários,
com boa posição de reservas cambiais, podem crescer mais rapidamente -e com autonomia- a
partir de taxas de juros mais baixas e fator de risco-cambial bem
mais reduzido. Reservas cambiais
elevadas dão segurança aos investidores, fortalecem as moedas
nacionais (sem necessariamente
apreciá-las) e fornecem um colchão para as fases de aceleração
do crescimento quando engurgita
a demanda por importações de
bens de capital.
Os países asiáticos mencionados são exemplos dessa condição.
Ao contrário, países com persistente desequilíbrio em sua conta
de transações correntes, sem uma
posição sustentável de reservas de
divisas, ficam onerados por elevados riscos de câmbio-país e precisam manter taxas de juros muito
mais altas. Foi esse e continua
sendo o caso do Brasil e dos países
da América Latina -exceção do
Chile- desde os anos 90.
A única forma de reduzir irreversivelmente a vulnerabilidade
da nossa economia, criar condições confortáveis de solvência em
moeda forte e induzir uma queda
consistente do risco-Brasil é obter
um superávit comercial expressivo ao longo do tempo, sob uma
taxa de câmbio continuadamente estimulante para as exportações. O convencimento por parte
dos mercados de que a trajetória
do superávit comercial será efetivamente persistente e crescente é
indispensável para uma queda
segura, significativa e não-reversível da taxa de juros doméstica.
A queda segura e não-reversível
da taxa de juros doméstica, por
sua vez, parece ser a única opção
consistente para assegurar o equilíbrio fiscal intertemporal, posto
que a sustentação de um superávit fiscal muito elevado, por prazo
indefinido, se revela pouco racional do ponto de vista econômico e
indesejável do ângulo político e
social.
Por isso, 2003 será um ano crítico. A política macroeconômica do
governo Lula terá que, simultaneamente: 1) contornar qualquer
risco de asfixia cambial, mantendo as condições fiscais e monetárias sob controle; 2) evitar a instalação de expectativas inflacionárias aceleracionistas; 3) concretizar desde já investimentos competitivos para sustentar um superávit comercial crescente; 4) consolidar a confiança na sustentabilidade do crescimento, devolvendo esperança e auto-estima ao
povo e soberania ao Estado brasileiro. A dinamização das exportações é o único fio condutor que
pode compatibilizar esses objetivos no plano econômico.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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