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São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

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OPINIÃO ECONÔMICA

Agências de risco contribuem para a crise de confiança

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

O fórum Econômico Mundial deste ano, em Davos, definiu como um de seus eixos temáticos a questão da confiança (o slogan do encontro é "building trust", construindo a confiança).
O tema ganhou muito peso acadêmico nos últimos anos, com ênfase em questões como a "governança corporativa" ou o interesse nos efeitos econômicos da corrupção e da regulação.
De modo geral, toda a dimensão institucional da atividade econômica veio para primeiro plano, sobretudo com a transição dos antigos países socialistas para economias de mercado.
O foco em Davos, no entanto, não é acadêmico. O desafio é prático e urgente, pois o capitalismo global enfrenta a sua mais grave crise de confiança e crédito desde o colapso de 1929.
O problema talvez pareça apenas financeiro, mas essa é apenas a sua dimensão mais evidente. O debate é muito mais amplo. Como se faz para construir confiança ou, pior ainda, recuperar a confiança perdida?
Certamente é um desafio que vai além dos indicadores econômicos.
Há mais de cem anos, Walter Bagehot já analisava o mercado financeiro londrino alertando que, se uma pessoa precisa demonstrar que merece crédito, então já não é tão digna de recebê-lo. Em tese, quanto mais ela tiver de "se explicar", mais desconfiança vai gerar entre os potenciais credores.
Mas predomina o raciocínio oposto no cotidiano dos mercados financeiros e mesmo nos modelos financeiros e econômicos dominantes. Segundo a ortodoxia, quanto mais informação disponível, melhor o funcionamento do mercado.
O problema é saber quem garante a qualidade da informação. Se não existem garantias, o modelo de aperfeiçoamento do sistema com base no aumento de sua transparência é inviável.
As informações oferecidas pelo devedor em busca de mais crédito são sempre suspeitas. Como os credores precisam de informação independente, abre-se uma oportunidade para agências de classificação de risco. Nos últimos anos, assim como as grandes empresas de consultoria, as agências de rating erraram ou tomaram decisões suspeitas, colocando em risco a própria credibilidade. Elas agora estão na mira da SEC (agência reguladora do mercado de capitais nos EUA). A mesma SEC que passou nas últimas semanas por uma grave turbulência política por suspeita de falta de idoneidade da sua direção.
O assunto esquentou em Davos, na última sexta, com as declarações da principal autoridade de supervisão financeira britânica, Howard Davies (cabeça da "Financial Services Authority"). Ele declarou que agências como a Standard & Poor's ou Moody's deveriam ser reguladas ou perder seu "papel central" na definição de indicadores de saúde financeira de instituições públicas ou privadas.
O sistema norte-americano é contraditório. De um lado, agências de risco estão completamente fora do alcance de organismos reguladores. De outro, as agências ganham mercado com base num atestado oficial.
Davies resumiu essa relação ambígua entre as agências e os reguladores como "meia gravidez". Os reguladores não fiscalizam, mas sancionam o poder de mercado conquistado por essas organizações. E, como se viu no escândalo da Enron, a reclassificação é "ponderada" segundo o "peso" da entidade analisada.
A conclusão é dramática: não há como confiar nas entidades que atualmente dominam o mercado da informação essencial para a construção da confiança.

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