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OPINIÃO ECONÔMICA
Veto ao caos
BENJAMIN STEINBRUCH
O acompanhamento da crise
do Real tem sido o grande tema
da imprensa nas primeiras semanas do novo governo Fernando Henrique. A velocidade e o
impacto das mudanças econômicas deram o tom da cobertura
jornalística e ampliaram os espaços para as notícias que a mídia eletrônica divulgava de hora em hora e, de outra parte,
obrigavam os grandes jornais a
atualizar diariamente não apenas as notícias -uma obrigação óbvia-, mas as análises
editoriais e os comentários de
seus articulistas e colaboradores.
De outro lado o que temos visto é uma participação crescente
da opinião pública no processo
seja pelo acompanhamento interessado das notícias, análises
e previsões, seja pela mobilização que começa a se materializar para impedir que se perca a
luta contra a inflação que foi,
afinal, a grande conquista do
povo no Plano Real.
O quadro da semana passada
foi pleno de fatos novos. De um
lado tivemos a classe política
demonstrando maturidade e espírito público em cenários importantes. O primeiro deles foi a
forma como os governadores
-oposicionistas ou governistas- estimularam o diálogo
construtivo como caminho para
a busca de soluções para a escassez (ou até a inexistência) de recursos que aflige mais da metade dos Estados da Federação.
O segundo cenário foi o Congresso Nacional que demonstrou forte apoio ao governo
aprovando, afinal, as contribuições previdenciárias, que terão
de ser pagas pelos funcionários
públicos, inclusive os aposentados. Medida dura e difícil que
havia sido rejeitada em votações anteriores, mas que agora
revelou uma importante maioria congressual. O mesmo Congresso, em trabalho simultâneo
concluiu, nas comissões, a montagem do Orçamento para 1999,
rejeitando emendas oportunistas, cortando gastos oficiais e
mantendo a previsão de um superávit fiscal de R$ 16,4 bilhões.
Se a classe política mostrou-se
à altura da crise, o Poder Executivo (e, especialmente, a equipe
econômica) também assumiu
com seriedades os deveres do
momento. Houve firmeza na decisão para grandes mudanças. E
muita coragem na admissão pública de erros. Confessou-se, por
exemplo, que o primeiro passo
das mudanças (ampliação das
minibandas), que resultou em
9% de desvalorização do real,
não tinha dado certo.
O grande salto seguinte, o da
liberdade cambial, foi recebido
com alívio por todos os que acreditavam que era preciso lancetar o tumor e preservar os conceitos essenciais do Plano Real
que, como lembrei em artigo anterior, não era só sinônimo de
"âncora cambial".
Diante de todo esse quadro é
que deve ser lido e meditado o
editorial que a Folha publicou
neste domingo, com destaque
pouco comum, em sua primeira
página, sob o título "Coragem
para mudar".
No texto o jornal afirma e adverte: "A livre flutuação do câmbio vem causando fortíssima
instabilidade e uma desvalorização excessiva do real. Pode
comprometer a grande conquista que foi a derrubada da inflação". A Folha diz que "é hora de
mudar de rumo, de abandonar
a crença no dom dos mercados
de organizar a economia que
não deve se submeter ao império
da especulação".
O jornal ressalta que esta é "a
hora de centralizar o câmbio",
fazendo o Banco Central racionar as operações com divisas.
Essa centralização possibilitará
a queda de juros, estimulando a
atividade econômica, que resultará em aumento da renda nacional e da arrecadação de impostos.
Ponderando que a centralização cambial "é providência temporária e insuficiente" a Folha
lembra que esta é a hora de
"abandonar a passividade no
comércio exterior, nas contas
públicas e nas políticas sociais".
Boa parte dessas teses coincidem com posições que temos defendido reiteradamente nesses
artigos das terças-feiras.
A verdade é que o país tem
pressa e não pode esperar os vários meses que os analistas oficiais julgam necessários para
que a relação "real x dólar" encontre seu ponto de equilíbrio.
Não podemos, também, ser cobaias da especulação, que já levou a queda do real a níveis exagerados, como se depreende das
referências de mais de uma dúzia de analistas ponderados que
afirmam que a "verdade cambial" não encontra apoios realistas para uma desvalorização
que supere R$ 1,60 para a compra do dólar.
As autoridades monetárias
precisam e devem liderar o mercado e não se conformar com
posições caudatárias. Não podem, portanto, ter medo de buscar para o Brasil soluções próprias. Se a centralização temporária do câmbio, a ser administrada com rigor e bom senso, for
o melhor caminho, que venha
logo, com toda urgência. Ela terá como consequência imediata
a queda dos juros determinada
pelo freio à saída dos dólares
que, mesmo com juros altos,
continuam escapando pelos dedos.
O editorial propõe que se ampliem os estímulos à exportação
e defende, inclusive, a proteção
especial a certos setores de nossa
economia não como defesa da
ineficiência, mas como forma de
lhes dar um tempo determinado
para que se tornem competitivos
para enfrentar os mercados globalizados.
A Folha assumiu a defesa de
teses que têm sido combatidas
menos pelo seu conteúdo que
por suas origens partidárias. Assim disse que "o governo não deve temer tabus na privatização", lembrando, como antes fizeram lideranças pefelistas, que
"a Petrobrás, o Banco do Brasil e
a Caixa Econômica Federal podem e devem ser privatizadas".
Ou, como há tempos os petistas
vêm propondo, sugere a adoção
de "programas de renda mínima com a participação de municípios, de Estados, da União e
das comunidades locais, que podem reduzir a miséria".
Os números trazem surpresas
diárias. Não dá, portanto, para
continuar essa dança. O Brasil
deve resistir às pressões, como já
vem fazendo. Mas precisa avançar, criando suas próprias pressões e definindo novos caminhos
que podem -e talvez devam-
começar pela centralização
temporária do câmbio.
O que não podemos fazer é ficar inertes ou converter o Brasil
em laboratório dos palpiteiros,
cujos conselhos, se atendidos
com passividade ou cegueira,
podem nos levar ao caos.
²
Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional
e da Companhia Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br
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