São Paulo, terça, 26 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OPINIÃO ECONÔMICA
Veto ao caos

BENJAMIN STEINBRUCH

O acompanhamento da crise do Real tem sido o grande tema da imprensa nas primeiras semanas do novo governo Fernando Henrique. A velocidade e o impacto das mudanças econômicas deram o tom da cobertura jornalística e ampliaram os espaços para as notícias que a mídia eletrônica divulgava de hora em hora e, de outra parte, obrigavam os grandes jornais a atualizar diariamente não apenas as notícias -uma obrigação óbvia-, mas as análises editoriais e os comentários de seus articulistas e colaboradores.
De outro lado o que temos visto é uma participação crescente da opinião pública no processo seja pelo acompanhamento interessado das notícias, análises e previsões, seja pela mobilização que começa a se materializar para impedir que se perca a luta contra a inflação que foi, afinal, a grande conquista do povo no Plano Real.
O quadro da semana passada foi pleno de fatos novos. De um lado tivemos a classe política demonstrando maturidade e espírito público em cenários importantes. O primeiro deles foi a forma como os governadores -oposicionistas ou governistas- estimularam o diálogo construtivo como caminho para a busca de soluções para a escassez (ou até a inexistência) de recursos que aflige mais da metade dos Estados da Federação.
O segundo cenário foi o Congresso Nacional que demonstrou forte apoio ao governo aprovando, afinal, as contribuições previdenciárias, que terão de ser pagas pelos funcionários públicos, inclusive os aposentados. Medida dura e difícil que havia sido rejeitada em votações anteriores, mas que agora revelou uma importante maioria congressual. O mesmo Congresso, em trabalho simultâneo concluiu, nas comissões, a montagem do Orçamento para 1999, rejeitando emendas oportunistas, cortando gastos oficiais e mantendo a previsão de um superávit fiscal de R$ 16,4 bilhões.
Se a classe política mostrou-se à altura da crise, o Poder Executivo (e, especialmente, a equipe econômica) também assumiu com seriedades os deveres do momento. Houve firmeza na decisão para grandes mudanças. E muita coragem na admissão pública de erros. Confessou-se, por exemplo, que o primeiro passo das mudanças (ampliação das minibandas), que resultou em 9% de desvalorização do real, não tinha dado certo.
O grande salto seguinte, o da liberdade cambial, foi recebido com alívio por todos os que acreditavam que era preciso lancetar o tumor e preservar os conceitos essenciais do Plano Real que, como lembrei em artigo anterior, não era só sinônimo de "âncora cambial".
Diante de todo esse quadro é que deve ser lido e meditado o editorial que a Folha publicou neste domingo, com destaque pouco comum, em sua primeira página, sob o título "Coragem para mudar".
No texto o jornal afirma e adverte: "A livre flutuação do câmbio vem causando fortíssima instabilidade e uma desvalorização excessiva do real. Pode comprometer a grande conquista que foi a derrubada da inflação". A
Folha diz que "é hora de mudar de rumo, de abandonar a crença no dom dos mercados de organizar a economia que não deve se submeter ao império da especulação".
O jornal ressalta que esta é "a hora de centralizar o câmbio", fazendo o Banco Central racionar as operações com divisas. Essa centralização possibilitará a queda de juros, estimulando a atividade econômica, que resultará em aumento da renda nacional e da arrecadação de impostos.
Ponderando que a centralização cambial "é providência temporária e insuficiente" a
Folha lembra que esta é a hora de "abandonar a passividade no comércio exterior, nas contas públicas e nas políticas sociais". Boa parte dessas teses coincidem com posições que temos defendido reiteradamente nesses artigos das terças-feiras.
A verdade é que o país tem pressa e não pode esperar os vários meses que os analistas oficiais julgam necessários para que a relação "real x dólar" encontre seu ponto de equilíbrio. Não podemos, também, ser cobaias da especulação, que já levou a queda do real a níveis exagerados, como se depreende das referências de mais de uma dúzia de analistas ponderados que afirmam que a "verdade cambial" não encontra apoios realistas para uma desvalorização que supere R$ 1,60 para a compra do dólar.
As autoridades monetárias precisam e devem liderar o mercado e não se conformar com posições caudatárias. Não podem, portanto, ter medo de buscar para o Brasil soluções próprias. Se a centralização temporária do câmbio, a ser administrada com rigor e bom senso, for o melhor caminho, que venha logo, com toda urgência. Ela terá como consequência imediata a queda dos juros determinada pelo freio à saída dos dólares que, mesmo com juros altos, continuam escapando pelos dedos.
O editorial propõe que se ampliem os estímulos à exportação e defende, inclusive, a proteção especial a certos setores de nossa economia não como defesa da ineficiência, mas como forma de lhes dar um tempo determinado para que se tornem competitivos para enfrentar os mercados globalizados.
A
Folha assumiu a defesa de teses que têm sido combatidas menos pelo seu conteúdo que por suas origens partidárias. Assim disse que "o governo não deve temer tabus na privatização", lembrando, como antes fizeram lideranças pefelistas, que "a Petrobrás, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal podem e devem ser privatizadas". Ou, como há tempos os petistas vêm propondo, sugere a adoção de "programas de renda mínima com a participação de municípios, de Estados, da União e das comunidades locais, que podem reduzir a miséria".
Os números trazem surpresas diárias. Não dá, portanto, para continuar essa dança. O Brasil deve resistir às pressões, como já vem fazendo. Mas precisa avançar, criando suas próprias pressões e definindo novos caminhos que podem -e talvez devam- começar pela centralização temporária do câmbio.
O que não podemos fazer é ficar inertes ou converter o Brasil em laboratório dos palpiteiros, cujos conselhos, se atendidos com passividade ou cegueira, podem nos levar ao caos.
²


Benjamin Steinbruch, 45, empresário, graduado em administração de empresas e marketing financeiro pela Fundação Getúlio Vargas (SP), é presidente dos conselhos de administração da Companhia Siderúrgica Nacional e da Companhia Vale do Rio Doce.
E-mail: bvictoria@psi.com.br




Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.