São Paulo, terça, 26 de janeiro de 1999

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ARTIGO
É hora de acabar com o DPVAT

ANTONIO PENTEADO MENDONÇA

O DPVAT, aquele seguro que todo mundo paga (alguns no licenciamento, outros com o IPVA), mas que quase ninguém sabe para o que serve, nasceu cheio de boas intenções, no final de 1974. Veio para substituir outro seguro obrigatório que se transformara no escândalo do setor, e por isso trouxe em seu bojo mudanças conceituais importantes, como a ausência de culpa. Quer dizer, ao contrário da maioria dos outros seguros, o DPVAT indeniza mesmo quando o veículo envolvido no acidente não é o responsável por ele.
Essa característica deveria fazê-lo um seguro com alta sinistralidade, mas, como nunca foi bem divulgado, não existindo na sua longa história uma única campanha de esclarecimento contínua de abrangência nacional, ele se transformou num seguro altamente rentável, até 1986, quando foi criado um consórcio para administrá-lo.
Daí para a frente o DPVAT começou a fazer água. Em 1991 a lei de custeio da Previdência Social, com o argumento de que eram os hospitais da rede pública que davam o grande atendimento para as vítimas dos acidentes de automóveis, destinou 50% do seu faturamento para o Fundo Nacional de Saúde. Depois, com o passar dos anos o bolo foi sendo mais dividido, normalmente entre gente que não tinha nada com ele, mas que se valia de fatias da sua arrecadação para manter jatinhos à sua disposição e para fazer turismo pelo mundo, sempre em hotéis de primeiríssima classe.
O resultado não poderia ser outro que não o prejuízo operacional do consórcio, que ficava com apenas 30% da arrecadação total do seguro para fazer frente aos sinistros.
Diante dessa situação absurda, as companhias de seguros, por iniciativa da Susep (Superintendência de Seguros Privados), tomaram uma série de medidas destinadas a sanear e depois a acabar com o DPVAT, e então substituí-lo por um seguro moderno, provavelmente, nos moldes dos seguros de responsabilidade civil europeus, onde cada seguradora tem as suas apólices e é a única responsável por elas.
A primeira providência foi a criação de uma reserva especial para fazer frente aos sinistros ocorridos, mas ainda não avisados. Aqui é preciso explicar que acabando numa determinada data, um seguro, a partir dela, pára de receber os prêmios, mas continua pagando os sinistros, por pelo menos mais um ano. Essa reserva, que já está sendo feita por todas as seguradoras, visa dotar o consórcio dos meios para fazer frente aos sinistros, mesmo depois de parar de receber os prêmios do seguro.
Só que, de repente, do meio do ano passado para cá, ninguém mais falou no fim do DPVAT, cuja desastrada tentativa de cobrança fora de época em São Paulo veio deixar claro que ele continua tendo, e criando, problemas sérios, que comprometem a imagem de uma atividade que vem melhorando de desempenho ano após ano e que hoje cumpre de forma satisfatória a sua função de proteger a sociedade, pagando anualmente bilhões de reais em indenizações.
Não tem cabimento as companhias de seguros investirem fortunas para melhorar o seu desempenho e o seu produto, a apólice de seguro, e terem a sua imagem arranhada porque alguém decidiu que seria interessante antecipar o recebimento de parte dos prêmios do seguro obrigatório, com base num decreto inconstitucional, assinado no final do ano, que muda entre outras coisas a lei de custeio da Previdência Social, diminuindo a contribuição do DPVAT para o Fundo Nacional de Saúde de 50% para 45% do total dos prêmios arrecadados.
Como o decreto, diante da sua inconstitucionalidade, se mostrou inócuo, a gestora do convênio do DPVAT, em vez de reconhecer o erro e consertar a situação, para tentar continuar cobrando o que não era devido, passou a citar resoluções e circulares com mais de dez anos, ameaçando quem não pagasse, porque já tinha pago, com punições terríveis, que infelizmente não são previstas em lei.
Graças a Deus, uma juíza federal de São Paulo concedeu uma liminar pondo fim à novela, mas o mal já estava feito: a atividade seguradora como um todo, mesmo com as companhias de seguros investindo pesado para atender bem seus consumidores, acabou recebendo as sobras dessa cobrança desastrada, feita à sua revelia, e que compromete a sua imagem, que passou a ser vista, como me disse o frentista do posto onde abasteço meu carro, "disposta a sangrar o nosso bolso, mesmo a gente já tendo pago".
O que é pior é que por conta de todas as distorções que diminuíram o total destinado a indenizar os seus sinistros, o DPVAT é um seguro absurdamente caro, custando mais de R$ 50 e indenizando apenas R$ 5.000 em caso de morte, que é sua maior indenização. Só como comparação, o seguro equivalente válido para o Mercosul custa em torno de US$ 50,00 e indeniza US$ 40.000,00.
O segredo? Esse seguro é desenvolvido e comercializado pelas seguradoras, criando uma concorrência saudável e positiva para o consumidor, além de impedir a proliferação das fraudes que contribuem para denegrir ainda mais a imagem do DPVAT.
Diante desse quadro, será que não é hora de acabar com esse seguro?
²


Antonio Penteado Mendonça, 46, advogado, é consultor de seguros e diretor do Centro do Comércio do Estado de São Paulo.
E-mail: pentmend@penteadomendonça.com.br





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